Luanda – O sistema colonial português em Angola ostentava características específicas, as quais têm influenciado a realidade angolana pós-independência. A estratificação da sociedade angolana em comunidades raciais e étnico-culturais, com estatutos bem distintos, constitui o elemento fulcral da Doutrina Colonial Portuguesa.

Fonte: Club-k.net
Em função disso, a sociedade angolana, na altura, era dividida na base racial e na base étnico-cultural e linguística. A hierarquização da sociedade angolana tinha como primeira classe a comunidade branca, seguida pela comunidade mestiça; a terceira classe era atribuída a comunidade negra.

Por sua vez, a comunidade branca era dividida entre os natos de Portugal e os natos de Angola, também com estatutos diferentes. No seio da comunidade negra, além da discriminação racial e do processo da assimilação, havia a categorização das comunidades negras entre os de litoral e os do interior do país.

Nesta questão específica, o Reino do Dongo e da Matamba se situava no lugar privilegiado pelo poder colonial português. Não obstante o facto de que, o Reino do Congo era mais vasto, mais poderoso, melhor estruturado; e ter sido o primeiro a entrar em contacto com os navegadores portugueses; ter sido o primeiro a celebrar tratados de cooperação e de amizade com Portugal; ter sido o primeiro a enviar Emissários à Corte do Reino de Portugal e à Corte da Santa Sé; ter sido o maior fornecedor de escravos; e ter sido o primeiro a erguer a primeira capela cristã, da Igreja Católica Romana, na cidade de São Salvador (Banza Congo), ao longo da costa ocidental da África, do oceano Atlântico.

Alias, o Reino do Dongo e da Matamba pagava tributos ao Reino do Congo, um indicador mais evidente da hierarquia monárquica que existia no então. Acima disso, vê-se na escolha do nome de Angola, pelo poder colonial, que deriva do “Ngola”, o nome de um Soberano do Reino do Dongo e da Matamba, irmão da prestigiosa Rainha N´Zinga Mbandi. Isso, por si só, tem o reflexo psicológico enorme sobre as pessoas que habitam neste espaço geográfico, pertencentes aos outros Reinos.

Portanto, o preconceito segundo o qual Angola é Luanda tem fundamento neste factor, que corresponde parcialmente a realidade histórica. Caso contrário, Portugal teria outras opções, como do rio “Cuanza” (em vez de Ngola), que nasce no interior do país, atravessando o coração deste território, banhando o planalto central e o Reino do Dongo e da Matamba, desaguando no oceano Atlântico, a sul de Luanda.

Em todo caso, os valores culturais de cada povo e sua aplicação na negociação e no estreitamento de relações bilaterais entre Portugal e os reinos africanos tivessem igualmente desempenhado o papel primordial na aproximação de interesses das partes. O Reino do Congo, por exemplo, a sua Cultura bantu revelava ser bastante forte, que não se vergava facilmente perante a invasão (assimilação) cultural portuguesa.

Na qual, a Igreja Católica sustentava o Império Português, na pacificação da alma, no tráfico de escravos, nas guerras da conquista e no processo da colonização. Em contraste, o Reino do Dongo e da Matamba, a sua cultura bantu era mais flexível e acessível ao processo da aculturação e da assimilação, o que, de certo modo, se constata na implantação e na afirmação acelerada da Cultura Portuguesa neste espaço geográfico, étnico-cultural e linguístico. Tornando-se, na época, no eixo-central da irradiação da Cultura Portuguesa em todo espaço territorial de Angola – de hoje.

Este fenómeno, de maior aproximação entre Portugal e o Reino do Dongo e da Matamba, vincou-se em todas etapas da escravatura, da conquista, da colonização, da descolonização, da guerra-fria, da guerra-civil e da era contemporânea. Este factor, de identidade politica, entre as partes, destacou-se igualmente na ruptura do nacionalismo angolano.

Nas negociações do Acordo do Alvor, por exemplo, este fenómeno tornara evidente nas manobras de concertação (as escondidas) sobre os interesses comuns entre a delegação portuguesa e a delegação do MPLA, na mesa negocial. Isso é que vinha, de facto, determinar o destino de Angola.

Na verdade, o sistema colonial português, referenciado acima, sofreu apenas uma metamorfose superficial, consubstanciada na substituição do poder colonial português pelo poder colonial doméstico, assente sobre os mesmos pilares e a mesma estratificação social, racial e étnico-cultural.

A primeira classe, do regime colonial, que era composta por brancos portugueses, hoje é representada por uma elite política burguesa (mista na composição) que se apoia artificialmente na influência étnico-cultural do Reino do Dongo e da Matamba, erguida durante 400 anos da colonização de Angola.

Basta notar que, a todos os níveis da sociedade angolana o fenómeno do «complexo de superioridade», assente nesta cultura de segregação social, racial e étnico-cultural, é latente. Isso abrange igualmente as Igrejas proeminentes, de tradição angolana, que serve de sustento da manutenção do poder politico. Este fenómeno, acima de tudo, não só mina a integridade e a disciplina institucional da Igreja, mas sim, desagrega a coesão e a unidade nacional.

Pois, a Igreja desempenha o papel preponderante e decisivo na formação da humanidade, na preservação e na promoção dos valores culturais, éticos e morais. A desarticulação da Igreja, na sua alma, inibe a capacidade congregacional e a dignidade moral perante o rebanho de Deus.

O poder, em Angola, está intrinsecamente ligado a esta engrenagem entre a elite política portuguesa e a elite politica burguesa angolana, que conjugam mutualmente os seus interesses particulares e de classe. Mergulhando gradualmente Angola no abismo social, racial e étnico-cultural. Portugal perdeu assim o seu estatuto de antiga potência colonial, com a responsabilidade acrescida, para servir do eixo-de-convergência, de mediação e de reconciliação entre as forças políticas angolanas.

A França, por exemplo, embora tenha relações íntimas de amizade e de cooperação bilateral e multilateral com os governos, mas não se alinha com uma força política em detrimento de outras correntes políticas nas suas antigas colónias. Tendo assim um espaço vasto e flexível de manobras, em qualquer etapa de transição e da adversidade interna nas antigas colónias. Isso lhe confere maior prestígio e credibilidade perante as suas antigas colónias e suas elites políticas.

Este fenómeno induzira Portugal em submeter-se à autoridade e ao poder financeiro da elite política burguesa angolana. Transformando-se numa imensa «lavandaria» e num «paraíso fiscal», sem o Poder Judicial Português ter a autoridade moral de trazer à justiça as personalidades implicadas.

O caso BESA é o exemplo evidente em que Portugal está ridicularizado e jogado como um mero títere, manipulado por uma criança. Alias, Portugal tornou-se um campo aberto onde os Abutres pousam a sua presa. Nas condições em que Portugal está mergulhado hoje, de abuso de confiança, não podia acontecer na França ou no Reino Unido.

De todas formas, o estado actual de Angola poderá conduzir a um destino de maior incerteza, caracterizado por alargamento do fosso entre a classe dos ricos e a classe dos pobres; a desagregação cultural das comunidades angolanas; a cisão gradual inter-racial e interétnica; a acumulação avultada de recursos financeiros e da sua colocação fora do País; o branqueamento da imagem do regime, dentro e fora do País, através do controlo absoluto de meios de comunicação social público e privado; e a instalação de uma democracia fictícia.

Apesar disso, Angola é uma sociedade africana com maior grau da mistura do sangue interétnica e inter-racial, resultante de casamentos cruzados entre todas tribos do País. Não se encontra hoje uma família angolana que não esteja misturada com outras tribos ou raças, em espírito pleno de fraternidade e de concórdia.

Alias, além do multipartidarismo, a integração interétnica e inter-racial, é um dos benefícios da guerra prolongada que mexeu com país inteiro, deslocou as populações internamente, de uma região para outra, do leste ao litoral e do norte ao sul.

Parece um paradoxo, mas a guerra foi, de facto, o factor de aproximação e de união dos diversos povos de Angola, divididos pelo sistema colonial de segregação social, racial e étnica. Se não fosse isso, Angola estaria nas mesmas condições dos outros países africanos dilacerados pela violência e pelas rivalidades raciais, religiosas e interétnicas.

A exemplo da Somália, da Nigéria, do Cote d’Ivoire, de Ruanda, do Burundi, do Mali, da Líbia, do Quénia, do Sudão, do Sudão do Sul, da Uganda, da República Centro Africana, da RDC, da Guine Bissau, etc.

Em síntese, a questão fulcral consiste no seguinte, os libertadores de ontem (nacionalistas), hoje transformaram-se em conquistadores, em novos colonialistas, em exploradores e em opressores dos povos que reclamam ter liberto do colonialismo português. O processo da acumulação e da concentração da riqueza nas mãos de poucos vai-se intensificar, constituindo-se no factor principal de instabilidade social e política.

Neste respeito, Portugal assumirá a mesma postura e desempenhará o mesmo papel – de sempre. Só o futuro ditará as consequências deste fenómeno que permanece constante. Porém, os Anais da Historia da Humanidade revelam que, «nenhuma pedra permanecerá sobre a outra pedra», sem que haja uma resistência popular titânica, com fim de alterar o status quo.