Luanda - Mais importante do que saber de onde viemos, o que não é muito difícil de apurar, é interrogarmo-nos para aonde vamos e se temos a certeza de que é mesmo por aí que queremos ir ou se o caminho que nos está a ser proposto ou indicado será o melhor para a salvaguarda dos nossos interesses.

Fonte: SA

A titulo individual este exercício não coloca grandes dificuldades por aí além, sobretudo se o estivermos a fazer na intimidade do dialogo que regularmente mantemos com os nossos botões ou diante do espelho que temos reservado lá em casa para os devidos e introspectivos efeitos, de preferência numa base autocrítica que é sempre a mais  recomendável para estas circunstâncias.

O exercício ganha sem dúvida uma outra dimensão se ele for feito à escala do país que é de todos nós, embora nem sempre pareça que assim é, com o propósito de se fazerem os balanços já habituais por ocasião do seu aniversário mais importante que é, certamente, o da Dipanda.

No caso de Angola é claramente um exercício problemático e fracturante, com o país de repente transformado numa enorme  ”Torre de Babel”, onde curiosamente todos até percebem bem o que todos estão dizer, tanto nas  linhas como nas entrelinhas, incluindo nos silêncios de quem se cala apenas por ter medo de usar a liberdade de expressão e nunca por consentir seja lá o que for.

Silêncios enganadores, numa “Torre” onde todos ralham e todos parecem ter alguma razão ou pelo menos  ter a sua própria verdade, embora se saiba pela história que a mentira ou a omissão  já é considerado um recurso legítimo da própria politica quando tem a responsabilidade de governar.

Às vezes as avaliações divergem de tal forma que ficamos algo “assustados” com a possibilidade de nos estarmos a afastar demasiado uns dos outros na leitura que fazemos da realidade circundante que é necessariamente a mesma, mas com usufrutos diferentes, mesmo que deles nem sequer beneficiemos numa lógica onde a fidelidade predomina em detrimento da essência das coisas.

Numa coisa, arrisca-se aqui, parece haver alguma possibilidade de consenso entre os “filhos e os enteados” para usarmos uma expressão que é sempre sintomática de qualquer coisa que tem a ver com (in)justiça social.

Por razões que nos parecem óbvias, a Angola-39 a caminho dos 40 ainda não é o país com que algum dia sonhamos, mesmo para aqueles que hoje vivem tão bem, tão bem, que eles próprios, tendo em conta a abundância que os rodeia e a facilidade a custo zero com que têm acesso aos meios e aos recursos, não acreditam que estejam a viver bem aqui nesta “banda” ao nosso lado.

E não é assim nem para estes “filhos dilectos”, porque acho que ninguém gosta de viver num “país complicoso”, mesmo que tenha a mais opulenta das “dolce vitas”, a marcar-lhe o compasso do quotidiano de forma tão sorridente.

No nosso dicionário informal, um país com tais características é aquele onde as assimetrias sociais por serem demasiado pronunciadas acabam por ser geradoras de preocupantes e crescentes doses de instabilidade social e política.

São estas doses que depois põem em causa aquele mínimo de estabilidade vital, que acaba por ser um bem público tão importante que ninguém quer prescindir dele, mesmo tendo a possibilidade de comprar e de se rodear de todos os meios que garantam a sua segurança pessoal e familiar.

Em abono da verdade, continuo a pensar que todos, sem excepção, entre muito ricos, ricos, pobres e remediados, gostariam de levar a sua vida na maior das calmas, sem muitos sobressaltos/stresses e sem terem necessidade de comprarem carros à prova de bala, de rodearem as suas casas de cercas electrificadas e de contratarem musculados e ameaçadores “body guards”.

Hoje já é esta a realidade que condiciona a vida na grande cidade que se chama Luanda e onde todo o país a bem ou a mal se revê, porque estão cá todos, com a agravante de todos os dias chegarem mais e mais visitantes provenientes dos quatros cantos de Angola.

A tendência pelos vistos aponta para o agravamento destas ameaças que já não deixam ninguém dormir sossegado mesmo que aparentemente se tentem passar outras mensagens mais tranquilizadoras.

Mas como dissemos na abertura desta reflexão que não é certamente a mais optimista, o mais importante agora, passados que estão praticamente estes 39 anos de independência, não é procurar saber porquê que estamos assim, sem criticar, nem impedir ninguém de o fazer.

Na nossa ambiciosa avaliação podíamos estar bem melhor, pois a “brincar a brincar” já se passaram 11 anos desde que a guerra, que tudo justificava em matéria de ausências e não realizações, terminou.

Nesta ocasião estando neste grupo ou no outro, dos que acham que o país está a andar bem e até já se recomenda, o mais importante é olhar para frente e tentar ver o que o futuro nos reserva, tendo em conta os traços mais objectivos que caracterizam a actual paisagem sócio-política.interrogaçãodipanda

Um destes traços para mim, que me enquadro no primeiro grupo, tem a ver com a influencia da esfera politico-partidária na construção da angolanidade como valor de coesão de todo o país, que tem de estar necessariamente acima do debate em torno de quem deve e como deve exercer o poder, seja lá quem for.

Trata-se de um debate dinâmico que pode mudar a qualquer altura os seus termos de referência, embora Angola neste âmbito já seja uma prolongada e destacada excepção.

No caso angolano, lamentavelmente, ainda não temos nenhum termo de comparação, pois só tivemos até agora um dos protagonistas a exercê-lo com todas as mutações conhecidas, mas que nunca foram capazes de mexer com a sua essência que se mantém mais ou menos inalterável.

Entendo hoje que já fomos muito mais angolanos do que somos, a traduzir o forte e perverso impacto que o palco da disputa partidária/conservação do poder tem tido nestes 11 anos do calar das armas, sobre o conjunto da sociedade angolana.

O desafio da angolanidade como principio estruturante, antes de qualquer outra trave mestra do edifício em construção, é na minha visão aquele do qual mais vai depender o futuro de todos, se estivermos realmente a sonhar com um país bom para se viver e a altura das expectativas das suas enormes potencialidades, que tardam em produzir desenvolvimento humano como ele é universalmente entendido nos manuais da especialidade.

Hoje Angola já tem tudo para dar certo e o certo é termos a médio prazo a pobreza erradicada de estatísticas que correspondam efectivamente a realidade concreta das comunidades.

Pela forma como hoje as coisas estão a acontecer, muito dificilmente Angola vai dar certo enquanto não nos sentirmos primeiro angolanos e cidadãos e só depois partidários ou simpatizantes.

Isto da angolanidade ou da sua ausência pode parecer uma abstracção ou ter até algum sabor poético, mas para ser mais moderado e não dizer exactamente o que penso, não encontro uma outra explicação que justifique a forma como a coisa pública tem vindo a ser gerida.

Em tempos de aniversário aqui ficam os meus parabéns com esta conversa meio eufemística em torno da angolanidade, como “varinha mágica” para os problemas de um país desencontrado na análise das causas e das consequências a propósito destes 39 anos de Independência.