Luanda - As recentes declarações do líder da UNITA, Isaías Samakuva, num jantar conferência em Portugal, suscitaram algumas reacções e comentários de repúdio por parte de figuras e analistas do nosso panorama político, com destaque para o deputado a Assembleia Nacional pela bancada do MPLA, João Pinto, e o analista politico Celso Malavoloneke.

Fonte: SA

O Primeiro disse a Radio Nacional de Angola que as declarações de Samakuva visaram incitar a rebelião armada, pelo que deveriam ser puníveis pelas leis criminais. Houve quem tivesse ficado sem perceber o porque de tão drástica reacção, quando a Rádio estatal não passou sequer as declarações do líder do Galo Negro.

Para o analista politico Malavoloneke, o líder da UNITA terá acusado um défice de sentido de Estado, bem como falta de solidariedade institucional. Num comentário feito a radio ecclésia, ele chegou a ponto de afirmar que o pronunciamento do líder da oposição em Portugal “não agradou muito aos angolanos”.

Há quem tenha visto nisso uma estranha tentativa de colocar os angolanos numa linha de pensamento assente em ideologia monolítica contra as declarações oposicionistas ao status quo político.

Estes argumentos não deixam, no entanto, de revelar uma certa banalização da ideia de Estado e da predominância do interesse do povo na sua constituição e manifestação. Pretender que os interesses de todo um Estado entrem em crise com as meras declarações proferidas no livre exercício de liberdade de expressão ė um gratuito alarmismo, que só cabe bem a quem tenha interesse em participar do processo de inibição das liberdades fundamentais.

O sentido de oposição política nasce do natural antagonismo de interesses entre o partido que governa e os que se encontram na oposição. Não convergindo nos interesses pela governação do estado estabelece uma relação de oposição ideológica sobre a administração da coisa pública. Sendo certo que as instituições do Estado são administradas no quadro da política do partido que governa, como se pode esperar solidariedade institucional de um partido da oposição?

Faltara sentido de pátria e de nação, a quem entende que a Pátria e a Nação podiam ter um curso melhor do que aquele que ė reconhecido pelas próprias autoridades públicas quando se rendem a evidência da corrupção endémica e da pobreza extrema?

Pretender uma solidariedade institucional de um partido da oposição, ė levar à extinção a própria ideia de oposição que assenta na contradição de projectos políticos perfeitamente harmonizados com a ideia de democracia multipartidária vigente na ordem constitucional e legal angolana. O que seria promover um irremediável contra-senso.

Finalmente, como pode, um discurso proferido por um líder de oposição que, no essencial, procura expor os factos políticos intrigantes e de fácil prova material, desagradar os angolanos (se contados também aqueles que não fazem parte do poder politico)? São questões que o bom e justo raciocínio sobre os fenómenos facilmente desencadeia numa mente atenta e despida de manipulações ideológicas.

Em meu entender, o analista teria toda a liberdade de se exprimir se não tivesse a ousadia de falar em nome de “todos os angolanos” (entre os quais me encontro). Com que autoridade e mandato o fez? Não terá com isso procurado banalizar o exercício da análise politica, que deve estar ao serviço da elevação de democracia e da conformidade com a justiça no processo de construção permanente do Estado angolano?

Ė Certo que o incitamento a violência ė crime punível por lei. A lei dos partidos políticos amortece a previsão normativa do artigo 4º da LC (CRA) e das previsões combinadas da lei dos Crimes contra a Segurança do Estado nessa matéria. O que não ė percebido como factor de constrangimento do exercício das liberdades fundamentais ė o conteúdo (por si só indeterminado) da ideia de incitamento a violência e à rebelião.

Quando a lei dos partidos políticos entende que “Ė punido, nos termos da lei penal em vigor, o dirigente ou o activista de um partido politico que, por escrito, por actos, por gestos ou por declaração publica, no exercício ou por causa do exercício das suas funções; a) incite a violência ou a empregue contra a ordem constitucional ou legal vigente, (arto 37º alínea a).

O que pode ser entendido como violência para efeitos deste crime? Será violência alertar os militantes de um partido ou os cidadãos de uma maneira geral para que tenham em atenção as normas inconstitucionais e desencadeiem os mecanismo do controlo abstracto da constitucionalidade das leis previstas na própria LC (CRA)?

Quando a lei deixa a interpretação deste conceito geral e abstracto (de injustificada importância criminal) ao critério do juiz, enquanto intérprete da lei, esta a por em causa o exercício de vários outros direitos e liberdades legalmente protegidos.

Na realidade, a lei indicia a clara ideia de um crime material por meio do qual a conduta criminal relevante nasce do acto do concretamente cometido. Ou seja, a violência ė aferida em função da actividade em concreto e não por mera dedução de um discurso veiculado num ambiente em que não existiam se quer condições, para que se concretize a conduta criminal.

Da mesma maneira se entende o crime de desobediência civil, muito próximo do crime de rebelião que perfazem todas condutas, cuja aferição ocorre com a constatação do dolo do autor ou, na melhor das hipóteses, com a Acção orientada a concretização da conduta criminal.

Nestes termos, estaríamos perante facto criminal relevante se Isaías Samakuva se dirigisse ao povo angolano apelando para uma rebelião ou desobediência civil orientada a subversão do Estado consagrado na ordem constitucional vigente. O que parece não ter acontecido.

Ora, tornar elástica a interpretação da norma ao serviço de uma estratégia ideológico-partidária, ė uma perversão abominável, quando se sabe que não só engendra a ma compreensão da lei e da ordem pública nacional como atenta contra a ideia da democracia multipartidária assente na contradição de interesses políticos acolhida na própria ordem jurídica angolana.