LuandaHá tempos um membro da minha estirpe 'entendeu' adoecer e, consequentemente, compelidos a calcorrear, velozmente, distâncias íngremes, ao som da coruja, rumo a uma clínica ali na cidade dos flamingos onde, ao arrepio dos nossos intentos, permanecemos dois dias imobilizados! Sem melhorias e sem “piorias”, entende a médica do referido centro clínico efectuar um novo exame de raio X, exclamando: EUREKA!… É tuberculose!...

Fonte: Club-k.net

De seguida, num gesto de “lavar as mãos” do agora “melindroso quadro clínico” da paciente sugere o seguinte: "nós aqui não tratamos de casos de tuberculose! Por favor, paguem o que nos devem e rumem para o hospital central de Benguela que lá encontrareis lenitivo! Foi dito, mais ou menos nesses termos para quem sabe ler nas entrelinhas... É óbvio que os dois dias ali permanecidos foram suficientes para uma requintada factura a favor da clínica.

Hum! Mas, é logo tuberculose, meu Deus?! Questionei-me, em surdina! Bem, mas, quem sou eu para duvidar dos “profundos conhecimentos” da doutora e dos seus serviços médicos, tranquilizei-me... Para a nossa irritação, enquanto aguardávamos pelo relatório e inconsoláveis, pois a paciente respirava ofegante, num compasso, ora binário, ora quaternário, surpreende-nos a médica com um formulário de questões, num autêntico teste de quem sabe, sabe: “nas vossas famílias não há ninguém com tuberculose? Vocês alimentam-se bem? Comem o quê? EU ESTAVA RELIGIOSAMENTE SERENO, CONTUDO, COMEÇEI A PERDER A PAZ! Para não mandá-la “pastar macacos”, limitei-me a dizer com determinação: doutora, despache-nos, por favor! Dê-nos o relatório a apresentar no hospital central que a nossa ente querida soçobra entre a vida e a morte!

Lá pagou-se a choruda conta (sabe-se lá para quê) perto de 70.000,00 angolares e como se não bastasse, deveríamos, ainda, pagar um valor adicional (25.000 Akz) para que a ambulância se deslocasse ao hospital em referência. Que negócio rentável da actualidade, em Angola, este das clínicas, pensei!… Contudo, desse dinheiro não meterão mais as vossas "manápulas" seus "sanguessugas" incompetentes, falei com os meus botões, como que já adivinhasse do resultado falso dessas análises! No táxi e sem saber o motivo, algo dizia-me, repetidas vezes, que a tuberculose estava apenas nos olhos da médica... Esta, sim, precisava de cura urgente e se possível com direito à evacuação para o exterior do país. Efeito da cábula enquanto estudante ou da cabala, cogitei?!

No hospital de Ombaka, onde já não pisara os pés desde a sua recente reabilitação, fizeram-se novos exames incluindo um novo raio X... Para o nosso espanto, a chapa de raio X que trazíamos dos flamingos era obsoleta; já não se usava num lapso de tempo sem contagem! E questionei-me: mas, então, onde anda a fiscalização dos serviços de saúde? Ou não existem sequer?

Antes mesmo de saírem os resultados das referidas análises, o raio X indicava resultado negativo.  Depois de tudo o "tuberculose", misteriosamente havia sumido da infante, sem deixar rastos, e sem ingestão de qualquer fármaco! Milagre?!

Após à nebulização vimos a pequena brincar e nós partirmos para casa, num encanto de aleluias e hossana nas alturas... Entretanto, a médica dos flamingos, com indícios evidentes de “consciência pesada”, foi telefonando ininterruptamente, querendo saber do nosso quadro clínico.

Começamos, então, a ponderar um processo judicial contra a médica; contra a clínica da cidade dos flamingos pela situação desagradável (de pânico, enriquecimento ilícito?; sem causa?) pelo qual nos fizeram passar!… Não obstante, conselhos (bons ou maus, sabe-se lá...) não faltaram: “vocês pretendem queixar o “javali” ao “porco””? Deixem estar, irmãos! Deus é Grande! Perdoai-lhes, pois, não sabem o que fazem”, diziam-nos, uns amigos ditosos e diligentes dentre outros... Mas até quando, desabafei, desesperadamente!...

Pensamos, contudo, que os nossos serviços de saúde pública tivessem, finalmente, melhorado, pelo “bom atendimento” que merecemos nesse dia, no hospital das acácias, apesar d’alguma morosidade ainda patente... Engano nosso!  “Nem tudo que brilha é ouro”...

Não é que outros dois pupilos, num acto competitivo, entenderam ficar incomodados em simultâneo e como "o gato escaldado até de água fria tem medo", decidimos não visitar, tão cedo ou nunca, os “pasteuristas” – que só sabem descobrir tuberculose lá onde não existe? Dirigimo-nos, então, muito cedo, eram 6H00 da manhã, a Pediatria onde recentemente estivéramos e "bem atendidos". Desafortunadamente, fomos ali informados que as “nossas doenças” “não eram (ainda) graves” e que voltássemos para aqui quando assim o fossem. De contrário, que fóssemos ao banco externo. Lá refilei, dentro do meu eu: Mas, então, não é a pediatria a especialidade médica dedicada à assistência da criança e ao adolescente, nos seus diversos aspectos, sejam eles preventivos ou curativos?!

Uma fila enorme e gente sem grande vocação para lidar com pacientes era o cartão de visita do referido banco externo! Lá pensei no que sempre pensei: “existem profissões que deveriam requerer vocação, sensibilidade humana, QI acima da mediocridade e selecção bastante criteriosa ao entrar nelas: professor, médico... pois aqui ou vida ou morte... Apesar de o médico (puder) mata(r) menos, um paciente de cada vez, o professor é o único que “mata” milhares em cada lição sem lição; mata uma geração inteira; mata a humanidade... mata sorrisos e futuros alegres de várias famílias.

O pior filme, contudo, viria a seguir!… 

Apenas pelas 12H00 conseguíamos obter uns papelitos "gatafunhados" do médico, “gatafunhados, pois as caligrafias(?) dos médicos exigem sempre uma exegese e hermenêutica a mais para decifrá-las o significado os quais orientavam fazer algumas análises aos petizes no laboratório da pediatria onde já tínhamos sido “expulsos”. Lá questionei-me, outra vez: “porquê ficamos tão doentes, em África; em Angola? Entre melhorar a qualidade de vida (hábitos alimentares) da população/das famílias, apostar em cuidados preventivos e construir mais hospitais o que deveria ser prioritário? Porquê perdemos tanto tempo (toda a manhã) só para obter esses papelinhos ilegíveis passados a correr pelo médico que de consulta quase ou nada merece chamar-se? E os miúdos que nada tinham comido, desde manhã, pois tal é a macabra “tradição médica” de que quem fosse ao hospital fazer consulta não devesse antes comer! Como é possível a ciência ainda não ser capaz de descobrir enfermidades, inclusive, em “pacientes gulosos” acabados de devorar pratos? Ou é tão só a nossa ciência africana/angolana que ainda não evoluiu até ali?

Aqui no laboratório da Pediatria, fomos, entretanto, pronta e novamente barrados nos seguintes termos: “aqui, não fazemos análises vindas do banco externo! Vão ao do banco de urgência”, disse-nos um analista baixinho num tom cabisbaixo e de poucos amigos!...

Feitos mendigos ambulantes e como que houvesse unanimidade na decisão dos laboratórios, aqui também fomos veementemente despachados, nos seguintes termos: “a essa hora é tarde!... Venham (só) amanhã, porque o doutor já largou! E mais não vimos senão as suas costas esfumarem-se ante ao nosso olhar contrito e pasmado!... Naquele momento não sabia o que fazer! Se “adiar a doença dos garotos”; se chorar! Se rebolar ao chão de raiva; se dar um murro na porta do laboratório; se recorrer(?) ao superior hierárquico dessa enfermeira mal educada e sem tino profissional ou se procurar pelos serviços do “QUIMBANDA”!... A quem preferir, numa altura dessas: ao Quimbanda ou ao Hospital?

 Tranquilizei-me. “Viajei” titubeando perenemente e, sonhei acordado, ouvindo tocar apenas a já popular música, porém, ruidosa aos meus ouvidos: ISTO É ANGOLA!... De repente lembrei-me de MUITOS DE NOSSOS GOVERNANTES que preferem, amiúde, o estrangeiro para curarem as suas “malambas da vida” e até parirem seus filhos numa maiêutica mais sofisticada; mais cuidada; mais acurada... Afinal, tinham (muita) razão em fazê-lo!... Pois, ao talho só mesmo o boi inocente caminha de forma descontraída, consentindo até a perda da sua identidade machista. Quando crescer também preferirei a diáspora. Irei à Espanha, à Londres, ao Brasil, à Namíbia, procurando a melhor panaceia que cure a minha impaciência e desilusão... Irei até a Marte, se possível, e mais não quererei saber!... Nem da pobreza dos pobres, nem dos pobres da pobreza... Pois,  “pobres, vós sempre (os) tereis...” (João 12:8).  Nem saberei se a culpa é do colono ou da Bíblia? E já não sei se o problema aqui é ter dinheiro ou não tê-lo. Pois, tendo-o como não, é nada! Difícil mesmo é acertar nos serviços de saúde mais prontos, mais satisfatórios, mais humanos e mais saudáveis...

Ao fim e ao cabo, porém, conclui:

O que está mal (mesmo) não é só o hospital, não é só a clínica, não é só a “coitada da médica”(que até foi contratada para prestar serviços naquela condição e naquelas condições)... Isto tudo é apenas o cume de um ingente “iceberg”. O QUE ESTÁ (DEVERAS) DOENTE É A EDUCAÇÃO DO PAÍS; É A ESCOLA; É O PROFESSOR... É a MENTE, mais que propriamente o CORPO. Afinal não foi sem razão que os clássicos latinos apregoavam: “mens sana in corpore sano” ("uma mente sã num corpo são"). Em contrapartida, a educação de um país é o reflexo do seu PODER POLÍTICO. A educação é um tema que deve merecer grande reflexão do executivo angolano liderado pelo MPLA e seu Presidente, bem como de todos os actores sociais, “hic et nunc”. É imperioso e urgente que a escola se eduque e reeduque; Que o professor desenvolva novas práticas pedagógicas; Que o professor do século XXI adquira fluência tecnológica de modo que os alunos possam aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver juntos e aprender a ser, tal como objectivado no Relatório de Jacques Delors à UNESCO da Comissão Internacional sobre a Educação para o século XXI. “Os professores, enquanto intelectuais, precisam ser fomentadores de mudanças, incentivando seus alunos nesta luta contra as injustiças sociais, económicas e políticas para assim buscar soluções para os problemas da actualidade”(Edgar Morin). Hoje, em Angola, precisam-se mais de educadores (de infância, sobretudo) e menos de professores que passam a vida, “dando aulas” num sistema mecanicista de mundo acabado. “O professor, hoje, deve ser aquele que não ensine absolutamente nada, mas que seja um professor de espantos”(Rubem Alves). Que leve os seus educandos à produção do conhecimento; à prospecção do futuro, num mundo cada vez mais complexo, instável e veloz... O professor do novo milénio precisa ser mais educador e menos professor. Este, só o é durante o período em que estiver na sala de aulas; enquanto o educador, o é em todo momento, 24/24 horas, sete dias por semana, 31 dias mensais e 365 dias ou 366 (se ano bissexto). O educador é o ponto central de qualquer transformação da sociedade. “Professores, há aos milhares, mas professor é profissão, não algo que se defina por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão, é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança” (Rubem Alves).

Que a Reforma Educativa ora em curso no país trate de reformar, antes de mais, o professor, como que desmobilizá-lo e integrá-lo num novo “exército” onde tudo é novo e diferente, num sistema que se quer inclusivo e longe das amarras e mesmices partidárias. Que o novo educador mereça mais atenção das estruturas afins do Estado; que a meritocracia seja um dos trunfos de ouro a eleger; a cultivar, a fim de que, a seleção “darwiniana” emergente se efective naturalmente, sem remorsos; sem tumultos, entre “excluídos” e “incluídos” em prol da saúde do sector educativo do qual depende o nosso futuro comum; onde o sucesso ou insucesso deste, dependem, tão só, das escolhas que fizermos hoje. É imperioso tão só começarmos se ainda não o fizemos...

 

Fernando Kapetango