Luanda - Parece-me pacifico concluir que em relação a tudo quanto já aconteceu nestes 39 anos de independência, continuamos a ter mais estórias do que a própria História, se é que algum dia esta última vai mesmo poder comparecer para os devidos, documentados e definitivos efeitos, isto é para fazer a história propriamente dita da saga que tem sido fazer um país para todos.

Fonte: Pais

Pelo andar da carruagem eu alguns de nós já perderam a esperança de ter o seu encontro com a História ainda durante esta vida, pelo que no meu caso particular, vou-me contentando em ler e ouvir estórias para além de eu, de quando em vez, contar as minhas próprias, pois acho que também já tenho este direito por tudo quanto vivi nestas primeiras quatro décadas, iniciadas em Abril 74 que é por aí que eu gosto de começar a segunda parte da tal saga “que estamos com ela”.

Considero neste âmbito ser muito interessante a diferença conceptual que alguns “experts” estabelecem entre os termos história e estória, parecida com a que existe na língua inglesa entre “history” e “story”.

Se há uma palavra que eu gosto no inglês esta chama-se “story”, tendo em conta a sua beleza plástica e o seu grande poder comunicativo, particularmente quando ela é usada como referência do próprio jornalismo.

Foi com a língua inglesa que eu aprendi que basicamente o jornalismo também se faz contado “storys” reais, de preferência com o rosto bem humano, isto é com os bois a serem chamados pelos seus próprios nomes.

“storys” narradas de forma interessante para não cansar, sem nos perdermos em superficialidades, passando necessáriamente ao lado das banalidades, dos lugares comuns e dos relatos protocolares para não sermos confundidos com os porta-vozes, que é o que hoje mais acontece em algumas latitudes da média nacional.

Quando falo de estórias para fazer a diferença com a história, não quero que se invente nada, mas também sei que contando apenas as primeiras, em matéria de objectividade/abrangência/isenção estamos limitados pela condição do narrador de serviço envolvido directamente nos acontecimentos com todos os problemas que a memória, que é sempre selectiva, coloca a qualquer um que se encontre nessa “prateleira”.

Estou por outro lado convencido que no futuro longínquo quando já houver condições de alguém fazer a própria história, uma das fontes de consulta que o especialista não vai certamente dispensar, são as tais estórias que hoje ouvimos e lemos e que também procuramos contar sempre que possível.

Isto, para que depois, quando chegar a vez do historiador entrar em acção, ele não fique apenas com uma parte do que terá acontecido naqueles tempos, que são os que estamos a viver actualmente.
Quanto mais estórias houver da própria história melhor será para quem depois se ocupar dela com o necessário rigor e distanciamento que a disciplina exige dos seus discípulos.

No que toca ao jornalismo que foi feito desde que o país se tornou independente e se tivermos as nossas atenções mais dirigidas para os protagonistas desta parte do que será a futura história, ficamos algo preocupados quando ouvimos certas estórias com as quais, por razões óbvias, não podemos estar de acordo.

Algumas listagens valem o que valem devendo quanto a nós ser muitas vezes tomadas apenas com simples avaliações pessoais de quem assina por baixo e pouco mais.

Seja como for e por se tratar da “nossa praia” preferida, é quase impossível não reagirmos de imediato a determinadas classificações e compartimentações, por haver ali qualquer coisa de muito estranho à própria realidade, particularmente pela via da omissão, mas não só, pois também se sente a mão autoritária da imposição.

Entendo que o protagonismo numa área como é o jornalismo faz-se obviamente de regularidade, mas sobretudo de qualidade/acutilância e a necessária coragem, particularmente num contexto como é o nosso, a marcar algumas sólidas e notórias diferenças com o resto do pelotão.

Ser modesto e esperar que os outros olhem para nós, não significa necessariamente ter de engolir todos sapos, pois qualquer dia ainda corremos o risco já assumido pelo Governador do Bié, que é o de sermos depois obrigados a ter engolir também a água da lagoa.

Sendo o jornalismo uma área completamente escancarada ao debate público, para mim nesta altura todas as listas que se façam dos protagonistas destes 39 anos de Independência têm de estar abertas para todas as contribuições e pontos de vista na hora de se propor/incluir mais um que foi esquecido ou de se retirar alguém que esteja lá a mais por não se perceber muito bem qual foi contributo dado para além de ter assinado o livro de ponto ou de ter marcado umas faltas.

Há tanto para dizer desta (desencontrada) caminhada…

Tanto mesmo, que 39 anos depois ainda não sabemos bem para onde é que estamos a caminhar em definitivo, se é que estamos mesmo a caminhar, porque as vezes ficamos com a impressão que estamos parados no tempo sem saber como é que devemos retomar a jornada e se o projecto é mesmo fazer jornalismo ou uma outra coisa qualquer parecida.

Outras vezes ficamos sem saber se a caminhada é para frente ou se já estamos a voltar para trás, para a “idade das trevas” de onde saímos há 39 anos.

Entre certezas e incertezas, continuo a coleccionar mais dúvidas, interrogações e receios em relação ao caminho que o jornalismo angolano está a seguir, se é que está a seguir mesmo algum caminho digno desse nome para uma profissão que tem de ser (necessariamente) exercida por entre espaços largos, arejados e barulhentos, onde se podem ouvir com a mesma intensidade todas as vozes e gritos e choros e lamentos e elogios e críticas e sorrisos e palmas e abraços e vivas.

*NA-Uma versão mais reduzida deste texto foi publicada no País/Revista/Secos e Molhados (14-11-14)