Huambo - Moisés Cassoma, director do Cartório Notarial do Huambo, é acusado de ter invertido a titularidade de um imóvel confiscado pelo Estado angolano, a coberto da lei 7/95, com o objectivo de colher benefícios financeiros com a venda do mesmo. De forma a contornar a lei, o funcionário judicial «pagou os impostos devidos ao Estado em nome do proprietário ausente e, como notário, fez a escritura pública de venda do referido imóvel ao Sr. José Pedro Filipe»

*Ilídio Manuel
Fonte: SA

O Gabinete de Inspecção Geral do Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos propôs o afastamento compulsivo do funcionalismo público do responsável dos serviços do Notariado do Huambo, Moisés Cassoma, por alegadamente ter lesado gravemente os interesses do Estado na venda de um imóvel.


De acordo com uma «Nota de Acusação», a que o Semanário Angolense teve acesso, Moisés Kassoma, na sua qualidade de notário, «inverteu, no dia 21 de Agosto de 2012, a titularidade de um imóvel», cujo proprietário se ausentara do país, por um período superior a 45 dias. Embora no documento em causa, datado de 14 de Agosto de 2014, o Gabinete de Inspecção da Justiça faça alusão ao facto de o imóvel não ter ainda revertido a favor do Estado, nos termos da lei 43/76 sobre o confisco, juristas ouvidos a propósito pelo Semanário Angolense defenderam que o mesmo deve ser considerado propriedade estatal, por ter sido, tacitamente, confiscado, ao abrigo da lei 7/95, de 1 de Setembro «Apesar de não ter sido formalmente confiscado, ao abrigo desta lei, os imóveis nessa condição devem ser considerados confiscados pelo Estado, independentemente de quaisquer formalismos», advertiram as fontes deste jornal. A vivenda em causa está localizada no bairro Kapango, uma zona nobre da cidade do Huambo, e era pertença de Eduardo Pires Roque, um empresário português, afecto à empresa de confecções de roupas «York Social Modas», que abandonara o país no começo nos anos 90.

Durante um certo período de tempo, especulou-se que a residência tinha sido vendida ao malogrado empresário Valentim Amões, uma versão nunca provada, já que não existem documentos que atestem uma transacção comercial feita nesse sentido. As investigações levadas a cabo pelo inspector daquele órgão da Justiça, o jurista José Silvestre Silva Alvarenga, apontam no sentido de que Moisés Kassoma, que é igualmente docente da faculdade de Direito da Universidade José Eduardo dos Santos no Huambo, «fez a escritura pública de venda do referido imóvel a Pedro José Filipe [um jurista de profissão], como se o vendedor fosse o Sr. Eduardo Pires Roque a fazê-lo, mas representado pela Sra. Margarida Mambango Cavelo Mone». O inquérito apurou que esta última terá agido a mando do notário Moisés Kassoma como procuradora daquele [Eduardo Roque] na escritura pública de compra e venda, quando «não tinha procuração para o efeito».

Uma fonte bem informada confirmou ao SA que Margarida Cavelo Mone é funcionária colocada no Cartório Notarial do Huambo e que terá sido usada nessa «engenharia judicial» pelo seu superior hierárquico. O processo disciplinar contra Moisés Kassoma revela que «nessa operação, o notário do Huambo terá recebido valores monetários na ordem de USD 19, 900.00», como, de resto, o próprio viria a confessar quando, no ano passado, tinha sido objecto de um outro inquérito realizado na 2.a Secção da Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda.

No aludido documento diz-se que o comprador do imóvel terá pago valores que correspondem «entre 25 e os 30 mil dólares»; um montante, no entanto, inferior ao extracto bancário em posse deste jornal, no qual há referências de que Pedro José Filipe procedeu, no 23 de Agosto de 2012, no Banco do Fomento Angola (BFA) ao depósito da quantia de um milhão e novecentos mil Kwanzas (1.900,ooo.00) a favor de Moisés Kassoma. Antecedentes «criminais» A Inspecção da Justiça acusa ainda o notário Moisés Kassoma de ser useiro e vezeiro em práticas do género, já que este «nos anos 2002, 2003 e 2006 procedeu à alteração de pactos sociais de algumas sociedades comerciais» afectas ao Grupo Valentim Amões (GVA), «sem que para isso houvesse consentimento dos sócios».

Sublinha o documento que as referidas alterações, além de terem causado «prejuízos aos sócios», foram feitas na ausência de actas das assembleias-gerais das sociedades: «MRN- Marinela, comercial, importação, exportação, limitada»; «Luso Câmbios - Casa de Câmbios limitada», «MNR- Movimento Rodoviário Nacional, limitada»; «Tropicana, comércio misto, importação e exportação, limitada»; «Organizações Wapossoka e Nambula, limitada»; «AARV- Agência Angolana de Representação e Vendas, limitada» e «Fonte- Nova, limitada».

«O falecido empresário agia como se tivesse o mundo a seus pés, fazendo e desfazendo-se das sociedades como bem lhe desse na real gana. Penso que muitos desses excessos teriam sido evitados, caso os seus colaboradores próximos o tivessem chamado à razão para as ilegalidades», notou um antigo funcionário do GVA.


Os alegados atropelos à lei podem ser, aliás, comprovados por cópias de actas em posse deste jornal, nas quais há alterações feitas à mão e rubricadas apenas por Valentim Amões e Pedro Gamboa, este último na qualidade de «escrivão “ad-hoc”». Nas referidas actas, datadas de 27 de Outubro de 2003, há omissão de alguns sócios e a entrada de outros tantos, tendo as alterações sido feitas supostamente pelo punho do próprio Valentim Amões.

O relatório da Inspecção da Justiça refere ainda que «com este comportamento, o acusado violou gravemente o dever de observar e fazer observar rigorosamente as leis e regulamentos, [não tendo] defendido em todas as circunstâncias os direitos e legítimos interesses do Estado angolano (...) constituindo os factos constantes do artigo 1.o da presente acusação, um crime previsto e punível no artigo 218.o do Código Penal vigente com pena de prisão maior». A concluir, o inquérito pede que, do ponto de vista disciplinar, seja aplicada «a pena de demissão», ao notário Moisés Kassoma.


As tentativas de ouvir a versão do visado não foram bem-sucedidas, visto que ele não atendeu às sucessivas chamadas que foram feitas para o seu telemóvel, como também não reagiu às mensagens enviadas por SMS para o seu aparelho portátil.

Recorde-se que em 2005, o nome de Moisés Kassoma figurava entre os seis funcionários daquele Cartório que tinham sido acusados de terem desviado dos cofres do Estado a quantia de um milhão 228 mil e 595 Kwanzas e 50 cêntimos provenientes das receitas dos serviços notariais, para benefício próprio. Não se tem conhecimento do desfecho judicial deste caso, mas tudo aponta que o mesmo não teve consequências judiciais para os implicados no referido crime de peculato.

Mesmo sem prova documental: GVA arroga direito de propriedade


Embora o processo instaurado pela Inspecção Geral da Justiça não forneça mais subsídios acerca da venda do imóvel ao jurista Pedro Filipe, este jornal soube que alguns membros da família do malogrado empresário Valentim Amões ter-se-ão arrogado o direito de propriedade sobre a vivenda, mesmo sem possuírem documentos para tal. O próprio notário Moisés Kassoma admitira no dia 11 de Março de 2013, quando fora ouvido na 2.a Sessão da Sala do Cível e Administrativo, que tinha sido contactado por uma das filhas do malogrado empresário para «intermediar a compra da casa em escombros pertencente ao Sr. Eduardo Pires Roque».

Sobre o negócio disse que o preço de venda tinha sido fixado em 250 mil dólares. «Sugeri aos herdeiros para que recebessem a quantia de 200 mil e que o restante, ou seja, 50 mil dólares fossem transferidos para o proprietário da casa, que se encontra algures em Portugal». Questionado pela PGR sobre em que modalidade prestava serviços ao falecido empresário, afirmou que o fazia «a título gratuito». A uma pergunta sobre o montante equivalente a USD 19,900.oo que fora depositado na sua conta bancária, disse que o mesmo tinha como destino Portugal, mas que não fizera a transferência porque o «o dinheiro não estava completo» .


Não menos estranho é o facto de que existe um «Contrato-Promessa de compra e venda», assinado, em 20 de Junho de 2012, por Josina Verónica Amões, na qual esta filha do malogrado empresário se compromete a vender o referido imóvel a Pedro José Filipe, pela quantia de duzentos (200) mil dólares. Abordado, na semana passada, sobre assunto, o comprador diz que pagou, «como sinal» pouco mais de metade desse valor, ou seja, cem (100) mil a favor da família Amões e 25 mil ao notário Kassoma para que ele «tratasse de todo o expediente de legalização da moradia». Ainda sobre os valores depositados na conta de Moisés Kassoma, revelou que os mesmos se destinavam à «legalização formal do imóvel, já que não existiam documentos» «Fiz dois depósitos: um no valor de Kz 1,900.000.0o e um outro de pouco mais de três mil dólares norte-americanos».

Pedro Filipe diz que negociou de boa-fé e que desconhecia que o imóvel já tinha sido confiscado pelo Estado, por não ter sido informado sobre este facto pelo notário Kassoma, pessoa a quem, segundo ele, «depositava muita confiança».

«O notário disse-me que podia avançar para o negócio, dando-me inclusive garantias de que ele tinha duas procurações, uma de Valentim Amões e outra de Eduardo Roque». «Além da relação de confiança que depositava no Sr. Kassoma, os herdeiros do GVA tinham também assinado, na presença dos seus advogados, no dia 4 de Junho de 202 uma “Acta Avulsa”, na qual concordavam com a venda do imóvel», adiciona.

«Só fiz o negócio depois de ter estas garantias», ajunta. Pedro Filipe afirmou que um ano depois foi-lhe comunicado por Lídia Amões que o negócio teria de ser desfeito, visto que «casa em questão tinha sido vendida por “engano”, porque não estava nos planos de venda». «A partir dessa altura, comecei a duvidar da seriedade das pessoas, procurando desfazer-me do negócio», sublinha.

Documentos em posse deste jornal atestam a existência de um «Acordo de Devolução de Valores» feita por Lídia Capepe Amões, em representação da MRN- Marinela Comercial, no qual a empresária se comprometia a devolver ao comprador, a 18 de Novembro de 2013, a quantia de «USD 125.ooo.oo e Kz 755.847.00».

Pedro Filipe confirma que recebeu o supracitado montante, mas que não cobrou juros de mora, já que a sua maior preocupação era no sentido de «recuperar o dinheiro investido».

IM A empresária Lídia Amões, que se encontra há meses afastada do cargo de cargo de cabeça do casal do GVA, por alegada «gestão danosa» do seu acervo hereditário, foi há duas semanas chamada a prestar declarações na Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), um órgão afecto à PGR.

Apesar de ter sido substituída por Moisés Amões, Lídia tem ainda pendente uma série de «passivos» na justiça. Segundo apurou este jornal de boas fontes, a primogénita de Valentim Amões está a ser investigada por uma série de ilícitos, sendo os Hipotecas do acervo hereditário: Lídia Amões «apertada» na DNIAP

mais recentes as escrituras de hipoteca de vários imóveis do GVA ao extinto Banco Espírito Santo Angola (BESA), que terão sido feitas à revelia dos demais co-herdeiros e do Tribunal Provincial de Luanda, a quem, por força da lei, deviam ser previamente comunicados. Paira entre os co-herdeiros as suspeitas de que os valores em causa terão desaparecido sem deixar rasto e que o grupo empresarial terá sido usado para «fins menos nobres» ...

Lídia, que está interdita de sair do país por decisão judicial, terá sido confrontada na DNIAP com documentos que atestam que ela contraiu uma série de empréstimos junto daquela instituição bancária, mas que agora se recusa a assumir a sua autoria das dívidas por si feitas. Aliás, a própria empresária redigiu há meses uma carta dirigida à PGR, na qual pede a intervenção desse órgão para a «anulação das certidões de hipoteca falsificadas». Além das provas documentais, a ex-cabeça de casal tem ainda contra si as declarações de uma testemunha- chave, mais concretamente, Victor Pili, um ex-funcionário do GVA. Este último, que, num passado recente, terá sido um dos homens mais influentes e confidentes de Lídia Amões, está agora em rota de colisão com a sua antiga «patroa», a quem acusa de ter efectuado uma gestão danosa do acervo hereditário.

Na semana, Victor Pili esteve na DNIAP, «para acareação», tendo feito, segundo algumas fontes do SA, declarações «altamente comprometedoras». Numa das escrituras de hipoteca do «prédio urbano, sito na província do Huambo, na rua 5 de Outubro» em posse do SA, assinada, a 18 de Maio de 2010, por Lídia Amões, Domingos António Monteiro e Lígia Maria Gomes Pinto Madaleno [sobrinha de Álvaro Sobrinho], por parte do BESA, este banco concede um empréstimo no valor de vinte e oito (28) milhões de dólares ao GVA. Num outro documento, faz-se alusão a um outro empréstimo no valor de quarenta e três (43) milhões de dólares. Há informações de que Lídia Amões terá responsabilizado junto da DNIAP Moisés Kassoma pela falsificação das referidas escrituras, argumentando que as mesmas terão sido “fabricadas” pelo notário do Huambo.


Este jornal soube que este órgão judicial solicitou, em Abril deste ano, à Direcção Nacional dos Registos e do Notariado «informações sobre os documentos que estiveram na base da constituição das empresas do GVA, as certidões e pactos sociais e as respectivas alterações, bem como as actas iniciais que elegeram a senhora Lídia Capepe Amões, como gerente das mesmas, após a morte do Sr. Valentim Amões». O documento fazia referência ao facto de que Lídia Amões estava a responder a um processo- crime por «falsificação de documentos, corrupção activa, branqueamento de capitais e abuso de confiança».

Ilídio Manuel