Lisboa - Terminado há mais de 10 anos o conflito violento que foi o aspecto principal da contradição principal que durante décadas dividiu a sociedade angolana, as questões políticas e sociais passaram, nas circunstâncias actuais, à primazia no debate político nacional, no seio das formações políticas, como também no seio e entre as organizações da sociedade civil do nosso país.

Fonte: Club-k.net
Transito.jpg - 75.77 KBPela dimensão nacional que assume a sinistralidade rodoviária, e pelasua gravidade no tecido social e económico do nosso país, esta questão transformou-se, de facto, num problema transversal, de proporções muito dramáticas, que afecta toda a sociedade, atingindo milhares de angolanos de vários segmentos sociais dasvárias faixas etárias da nossa população.

De acordo com as estatísticas a que se tem acesso sobre esta problemática, o número de vítimas é assustador, como segunda maior causa de mortalidade no nosso país, depois da malária.

Perante esta quadro catastrófico, uma reflexão profunda deve ser feita, desapaixonada e despolitizada, sobre as causas da sinistralidade; e tudo tem de ser feito e com celeridade para se estancar esta guerra das estradas, que se tem saldado em muitas percas de vidas humanas, nas nossas estradas nacionais, inter-provinciais, municipais, comunais e urbanas.

Para quem viaja com alguma regularidade, como eu faço, pelas estradas nacionais, e como também o fazem naturalmente, e todos os dias, milhares de automobilistas, comerciantes e taxistas, confronta-se sempre com um conjunto de constrangimentos que devem ser analisados como parte de um todo do sistema rodoviário do nosso país, que está na base das causas mais profundas da sinistralidade rodoviária em Angola.

Estes automobilistas, que procuram ganhar a vida com honestidade para sustentar as suas famílias, deparam-se nas estradas com o seguinte quadro:

1º. A pratica da gasosa, uma forma de corrupção generalizada, usada por muitos reguladores de transito, como forma de isentar motoristas que cometem faltas, algumas graves, como também como forma de inocentar motoristas em situação irregular, agindo a troco de valores pecuniários.

. Deparam-se também coma falta de sinalização adequada na maior parte das vias nacionais. Por exemplo, o troço, Dondo ao desvio para Ndalatando, não tem sequer um único sinal de transito, num percurso de quase 100 quilómetros, como também não estão sinalizados os grandes buracos que colonizam esta importante via, alguns dos quais com muitos anos de existência.

3º. No troço Maria Teresa/Malanje, por exemplo, não há um único sinal de limitação de velocidade, assim como no troço Malanje/Kakulama, muito estreito para o intenso tráfego de viaturas ligeiras e pesadas, alguns camiões circulando com atrelados, que transportam cisternas e contentores para as Lundas e vice-versa, que fazem uma condução de alto risco para as viaturas que circulam em sentido contrário. O elevado número de destroços de viaturas e de contentores destruídos e abandonados nas bermas da estrada são forte indicador do elevado grau de acidentes que ocorrem nesta via.

4º. Constata-se também a ausência de reflectores em muitas estradas nacionais, dificultando imenso a condução nocturna. Em algumas estradas verifica-se mesmo uma grande descontinuidade de reflectores, como consequência de ausência de fiscalização e manutenção. Sem reflectores, e sem as linhas contínuas de separação lateral incandescentes, á direita, nas bermas, transforma durante noite, as vias nacionais em autênticas picadas traiçoeiras.

Em localidades sem iluminação, as lombas, mal sinalizadas, são autênticas armadilhas. Verifica-se tambéma falta de reflectores para assinalar a existência de pontes, sobretudoas pontes estreitas, as pontes de afunilamento do trânsito, que, infelizmente, existem em muitas vias nacionais, onde ocorrem, sobretudo, a noite, muitas colisões frontais. Viaturas, há, que ainda circulam sem seguros, sem documentos obrigatórios que provem a inspeção das mesmas, como também as que circulam a noite sem luzes de presença.

5º. Existem estradas, também, em que se asfalta um troço e se deixa outro, durante anos, sem nenhuma intervenção. Assim acontece, por exemplo, com a estrada nacional 354, que tem um troço não asfaltado entre a Caconda e Cuima. Esta é uma via de movimento intenso, muito importante para comerciantes, camionistas e taxistas que tiram sustento desta via, transportando passageiros e mercadorias das províncias da Huíla, do Cunene, do Namibe, da África do Sul e da Namíbia, para as províncias do Huambo e do Bié e vice-versa. Durante as chuvas as estradas nestas condições são autênticas armadilhas que estão na origem de muitos acidentes.

. Também verifica-se a utilização de crianças com idade escolar para realizar operações de tapa-buracos, no troço Balombo - Alto-Hama, e não só, que cobram aos motoristas pelos seus serviços prestados, com conhecimento das autoridades locais que circulam constantemente por essas vias.

Verifica-se também a má qualidade do asfalto utilizado em certas estradas nacionais que se deteriora sempre e com muita facilidade no inicio das chuvas, como também a falta de manutenção da maior parte das estradas nacionais, algumas, como dissemos, com muitos buracos que se encontram no mesmo local há mais de 4 ou cinco anos, como no troço Luanda/Wuaku-Kungo. Alguns têm sido alvo de intervenções pontuais, de tapa-buraco, que se efectuam, quase sempre, depoisde ocorrerem acidentes brutais nestes locais fatídicos.

7º. Por outro lado, é de encorajar aexistência de postos de controlo fixos da polícia de trânsito, em locais devidamente identificados, onde ironicamente, todos os motoristas são obrigados a parar ou a reduzir a velocidade, contrastando com a ausência gritante de patrulhas de brigadas móveis da polícia de trânsitoao longo das estradas nacionais.

A circulação de brigadas móveis, associada a presença de radares, teria uma acção positiva de prevenção e dissuasão, sobretudo para os motoristas que não respeitam, em certas áreas, os poucos sinais ainda visíveis aos longo das vias, sobretudo o excesso de velocidade que esta também na origem de muitos acidentes mortais.

Nota-se, também, a existência de muito poucos radares nas estradas nacionais de maior circulação, que são instrumentos importantesde prevenção de acidentes. Não se vêm, por exemplo, radares na via Malange/ Saurimo para não falar do resto das estradas nacionais, onde, em alguns casos, pode-se encontrar num troço de 500 quilómetros um só radar.  

. Há de facto falta de fiscalização a longo das vias nacionais pelas instituições apropriadas. Um sinal de trânsito, colididopor uma viatura fica a enferrujar no local, durante anos sem ninguém se preocupar. Há mesmo capim a crescer ao longo de separadores, como é o caso dos separadores da via Luanda/Dondo, que em certos locais, chega a atingir dois metros de altura, como também, se verifica a falta de manutenção dos espaços laterias nessa mesma via, cujo capim, muitas vezes, entra mesmo pela estrada adentro, sobretudo no tempo das chuvas.  

Também é notória a ausência de patrulhas móveis nocturnas, oque tem encorajado motoristas a circular sem luzes de presença, o que é um grande perigo para a condução noturna, razão de colisões diversas; motoristas há também que circulam sem um triângulo de trânsito e em caso de avaria ou acidente usam mesmo arbustos ou pedras, em vez de triângulos de sinalização.

Quando partem, quase sempre, deixam as pedras nas estradas, com consequências por todos nós conhecidas, sobretudo, a noite. O mais grave é que estas pedras ficam aí durante dias até causarem novos acidentes.

Nota-se também uma deficiente sinalização ao longo das vias, com excepção do troço Tchibemba/Onjiva, talvez por influência da vizinha Namíbia. Este troço, apesar de algumas insuficiências, pode servir de modelo. Contudo, a reconstrução das estradas continua a seguir o mesmo traçado colonial, demasiado estreito para o trafego actual, o que está também na origem de muitos acidentes, como na via Kakulama/ Saurimo.

Perante estas constatações pode-se concluir, facilmente, que não existe em Angola uma política sustentável de prevenção rodoviária; existem, sim, operações circunstanciais de prevenção da sinistralidade rodoviária, medidas muito pontuais e sem continuidade.

De facto, a política da gasosa tira muita autoridade a corporação dos reguladores de trânsito. Os reguladores de trânsito devem apresentar-se nas estradas nacionais e não só com autoridade de Estado, e não como pedintes.

Seja como for, e é, assim, infelizmente, este estado actual de coisas, reflecte, de facto, o estado actual da governação do nosso país, uma governação cheia de buracos e de espaços cinzentos. Nos países desenvolvidos e industrializados, as vias são ferramentas importantes para a promoção do desenvolvimento dos respectivos países e das suas comunidades em particular.

Quanto ao melhoramento das estradas, acredito que um dia em que o titular do poder Executivo começar a circular pelas vias nacionais, poderemos ter melhorias substanciais em muitas estradas do nosso país. Angola deve seguir o exemplo da vizinha Namíbia, em matéria de prevenção de acidentes rodoviários.

Quem viaja de Santa Clara à Windoek, como o fazem todos os dias muitos angolanos, não pode circular para além dos 120 quilómetros por hora dada a existência de inúmeros radares, patrulhas móveis de reguladores de transito à paisana e de postos fixos de controle espalhados nesta importante via de circulação nacional. Do lado de cá, em território nacional, as coisas são diferentes.

Na Namíbia, quem transgredir as normas de transito, enfrenta multas elevadíssimas no local, e muitos condutores que cometem violações graves, nacionais ou estrangeiros, vão parar nos tribunais, particularmente aqueles que falarem da “gasosa” .

É, assim, recomendável promover maior cooperação com a Namíbia, como país vizinho, para troca de experiencia em matéria de prevenção de acidentes rodoviários, como também impor ao nosso país as directrizes da SADC sobre as medidas de prevenção rodoviária.

*Deputado da Banca Parlamentar da UNITA