Luanda - “Derrotar o inimigo em cem batalhas não é a excelência suprema; a excelência suprema consiste em vencer o inimigo sem ser preciso lutar [com armas militares] ”, afirma o filósofo Chinês, Sun Tzu, na sua obra “A Arte da Guerra”. Prossegue dizendo que “a garantia de nos tornamos invencíveis está em nossas próprias mãos […]. A invencibilidade está na defesa; a possibilidade de vitória, no ataque. Quem se defende mostra que sua força é insuficiente; quem ataca mostra que ela é abundante.” Diante da situação de Angola, a nossa invencibilidade residirá em dois factores: na confiança colectiva e na solidariedade decorrente de sermos vítimas e oprimidos. Construída a confiança colectiva, devemos desferir ataques pacíficos e sistemáticos ao ditador e a todos delinquentes à sua volta. Importa esclarecer que o desafio político, a resistência, não se podem confundir com o pacifismo cristão. Pelo que a desobediência civil pressuporá acções muito ténues de distinguir entre o pacífico e o violento. Por exemplo, queimar pneus nas avenidas com vista a pôr fim a cooperação dos indecisos com a ditadura e consequentemente, travar o curso normal do autoritarismo e as instituições que a sustentam.


Fonte: Club-k.net

"A democracia sustenta-se na individualidade"

Mas todo este processo de resistência paciente, pressupõe não perder de vista outros factores geopolíticos internacionais, como sejam, as revoluções anteriores. Levar em conta outras lutas, permite-nos evitar os mesmos erros de resistências anterior, sem deixar de reconhecer o mérito e o heroísmo daqueles protagonistas.


Para mim, a revolução Egípcia e Líbia cometeram somente um erro: as forças democráticas sabiam o que não queriam, mas não sabiam o que queriam com a clareza que a desobediência civil exige.
 

As forças democráticas sabiam que não queriam Hosni Mubarak, nem Muammar Gaddafi e seus regimes, mas não tinham um Projecto Político Filosófico de Nação e de País. Tal como é preciso um plano estratégico de luta, um projecto com actividade, objectivo claro, alvo definido, custos, atribuição de tarefas e cronograma bem estabelecido, é igualmente necessário e obrigatório um Projecto Político Filosófico de Nação e de País, no qual as forças democráticas possam apresentar aos cidadãos envolvidos ou não directamente na queda do regime, a visão do grupo sobre o que desejam fazer para o país após a derrocada da ditadura.


Tal projecto, permite garantir segurança e confiança no futuro. Viabiliza a credibilidade e nutre simpatias para com as forças democráticas, tanto internamente quanto no plano externo. Um projecto de nação permite que se avalie a capacidade organizativa dos oposicionistas ao autoritarismo e os observadores externos perceberão que a resistência é composta por pessoas lúcidas que sabem o que desejam como projecto colectivo nacional. Sobre isto haverá uma secção específica! 


A prova de que as forças pro-democracia no Egipto, não sabiam o que queriam, é que após a queda de Mubarak, não apresentaram um plano para o futuro e não apresentaram o candidato da resistência que derrubou o ditador.


O grupo que luta contra ditadura, é suposto terem um ideal de sociedade, por isso, após a queda do ditador, o normal é apresentarem um candidato, mesmo que a “verdade eleitoral” ora implantada na democracia nascente, os derrote no escrutínio. Sem um candidato da resistência há o risco de uma nova camarilha de intolerantes implantarem nova ditadura e matar a esperança que paira na sociedade. A realidade sociopolítica do Egipto e da Líbia, prova o que afirmo. Os antigos parceiros dos ditadores, seus contemporâneos que partilham mentalidade semelhante assumiram o poder gerando algumas incertezas. “Quando observas à direita, à esquerda, em frente e atrás, e só há políticos de lixo, então, você deve procurar assumir o poder”, afirma Lula da Silva. Não o poder pelo poder, mas sim, o poder como meio para fazer diferente, o poder por uma questão de salvação nacional.
 

Dito isto, é igualmente importante catalogar as organizações nacionais formais com as quais se pode contar para a luta. O critério para catalogar estas organizações é o conceito “grupos de pressão”. De acordo com a ciência política, os grupos de pressão são aquelas instituições da sociedade civil que agem de forma independente e pressionam o poder político com vista a mudar a forma de governar ou derrubar o regime. Na América Latina e na Europa do Leste, grupos de pressão decidiram claramente pela queda das ditaduras.


Muitas vezes, confunde-se grupos de pressão com os grupos corporativos ou grupos de interesse. Os grupos de interesse são organizações formais ou informais em que os indivíduos que as compõem defendem seus interesses por mais simples que sejam, por exemplo, manter um salário, seguro de saúde e segurança no trabalho. Um sindicato é um grupo de interesse.


Muitas ONGs, associações e outras formas de organização da sociedade civil que inicialmente têm como fim, serem grupos de pressão, há dado momento deixam o seu ideal substancial, diluem-se e ganham um carácter burocrático e puramente corporativo. Em Angola tem muitas instituições desta natureza. Uma das causas delas perderem o carácter de pressão, reside no facto de muitas pessoas juntarem-se à organizações da sociedade civil com vista a ter emprego. Quem quer emprego deve solicitar outro tipo de instituição e não organizações que na sua essência visam fazer pressão. Seguramente que para Angola um inquérito provaria, que muita gente nestas instituições nem sequer sabe que deve fazer pressão ao poder! Não quero dizer que os activistas devem viver na miséria. O simples facto de serem cidadãos merecem o necessário para viverem com dignidade. O papel de luta e sacrifício justifica em acréscimo que vivam com o necessário, sem confundir a ostentação e o luxo escandaloso que toma conta da mentalidade de alguns pseudo-activistas.


Segundo Norberto Bobbio, a democracia sustenta-se na individualidade, por esta razão, conta-se o voto de cada pessoa e não da organização. Um à um, e não das ONGs, fundações, clubs etc. Nesta lógica, forças democráticas, devem igualmente contar com personalidades individuais com autoridade moral e um percurso claramente democrático e que se opõem com clareza e espinha dorsal aberta a ditadura. Devem contar com personalidades sérias porque muitas vezes têm mais peso, influência do que organizações. Por exemplo, Julian Assange, Bob Geldof, Desmond Tutu, Graça Machel, individualmente têm mais peso e influência do que todos os partidos da oposição falsária e cooptada de Angola. 


Muitas personalidades que se dizem activistas e democratas, por não terem consciência que a sua missão é pressão ao regime e alterar políticas no mínimo, há muitas que passam a vida a cumprir tarefas rotineiras com vista a manter salários. Para estas pessoas, quando for necessários acordos para que as suas instituições não sejam atingidas, certamente fazem tranquilamente. Temem serem encerradas ou ilegalizadas. 


Uma vez que as organizações não são paredes, há que estar atento ao discurso e percurso dos membros. Existem organizações das quais não se pode esperar apoio, mas é preciso identificar personalidades que a compõem. Discurso é a narrativa construído por qualquer meio: música, escultura, cinema, literatura, pintura, entrevistas, etc. Percursos são as acções das pessoas. Para contar com alguém no exercício do direito à resistência, é preciso identificar coerência entre o seu discurso e percurso. Cuidado! Este aspecto é chave porque os incoerentes inviabilizam a continuidade do direito à revolução e muitas vezes propõem negociação com o ditador e vendem-se. Sobre negociação haverá um item adiante.
 

Pense no seguinte: um indivíduo que diz ser contra corrupção, mas envolve-se em corrupção; Um indivíduo que diz-se contra o autoritarismo e tráfico de influência, mas a gestão da sua organização é de forma autoritária. Isto ajuda-nos a compreender o discurso e percurso. 
 

Entre as chaves prévias a ter em conta na concretização do direito à indignação revolucionária, está uma avaliação geral da mentalidade democrática e grau de tolerância dos cidadãos que apoiam e os que se colocam na posição oposta.


Se os pro-democracia batem-se pela queda da ditadura é sinal evidente de que a sociedade não é democrática. A triste conclusão é que esta falta de democracia atinge todas esferas para o caso de Angola, tornando o desafio político mais exigente.


Em Angola, há uma característica que une quase todos, e nos proporciona semelhança: autoritarismo e anti-democratas, que se traduz na categoria Quatro Nós.


Nós Igreja onde todos devem estar de acordo, mas podem criticar para fora, desde que não sejam seus parceiros. O crítico lhe é dado uma sorte repugnante.


Nós Partidos da Oposição onde devem estar todos de acordo, mas podemos criticar o grupo hegemónico. Quem criticar aqui dentro é expurgado.


Nós Sociedade Civil onde devem estar igualmente de acordo, mas finge-se tolerância. Pelo que quem criticar deve ser expurgado ou acusado de agente secreto do regime.


Nós Grupo Hegemónico onde a crítica é veneno e custa a vida de quem atreve-se à criticar. Mas os grupos acima, suponho que se tivessem poder de repressão e capacidade de impôr toda sua vontade, também seriam capazes de matar os que se atrevem a fazer uso da liberdade de comunicar ou outras liberdades incómodas. O que fazer para lidar com estes sectores todos autoritários? Quais são as causas deste autoritarismo universal?


Quanto à como lidar com este punhado de autoritários, não sei. Mas quando os revolucionários tomarem consciência deste autoritarismo geral, poderão ser justos, no sentido de que podem recuperar pessoas que apesar de serem do grupo delinquente ditatorial, são boas, mas covardes e incapazes de demonstrar resistência ao ditador. Deve-se contar com a força espiritual e física destas pessoas para construção da futura sociedade democrática.


Quanto as causas, deste autoritarismo são: Histórica. Regime colonial e antidemocrático. Tal cultura política do amém e do não fala política continuou após a descolonização política em relação ao Europeu. Tudo isto reforçou a desconstrução de uma narrativa cidadã e reforço da lógica autoritária.


Religiosa. A colonização trouxe consigo a bíblia que reforçou a submissão às autoridade religiosas onde vale diluir o eu na colectividade, mesmo que custe a minha dignidade, com a expectativa de entrar no paraíso por meio do buraco de uma agulha.


Educacional. Desde sempre tivemos sistema educacional autoritário, em que a escola era e é ainda hoje instrumento para manutenção do poder e honraria para as autoridades políticas e tantas quantas forem necessárias.


Uma vez que a família, cruza-se historicamente com todos esses factores, tornou-se igualmente autoritária, e transferiu estas ideias para os seus membros que compõem a igreja, os partidos, as organizações da sociedade civil, o governo e outras esferas possíveis que uma sociedade tem. 


A última chave de compreensão prévia, que as forças por uma “sociedade aberta”, como diz K. Popper, devem levar em consideração é o conceito de democracia constitucional (formal) e democracia política (real, material e cidadã).


Uma vez que o objectivo deste texto não é uma análise exaustiva da teoria da democracia, mas sim, edificar uma ferramenta para destruir a ditadura, por isso, passo a citar sucintamente as categorias centrais da democracia real:

A democracia assenta sobre o império da lei. Ninguém está acima da lei, com realce para a Constituição; A democracia funda-se nas liberdades individuais. Ou seja, não há democracia sem concretização ou usufruto dos direitos de cada cidadão; Na democracia todos são iguais, independentemente de ser simples cidadão, bispo, madre, deputado, ministro, juiz, presidente, etc.; Em democracia deve-se respeitar as minorias étnicas, raciais, partidárias e todos grupos vulneráveis: idosos, crianças, mulheres, albinos, grupos indígenas, etc.; Na democracia deve-se promover a liberdade de comunicação em todas esferas: literatura, ciência, escultura, midia, música, pintura, religiosidade, artesanato, etc. E em relação a liberdade de imprensa, não se pode confundir a existência de tal liberdade com muitos meios de comunicação. Há liberdade quando existe multiplicidade de grupos e visões representadas num mesmo órgão de comunicação; Em democracia deve haver transparência e prestação de contas; Na democracia deve haver separação de poder e cada órgão de soberania ─ Judicial, Legislativo e Executivo ─ deve monitorar o outro órgão. Não pode haver subordinação de nenhum órgão em relação ao outro; Em democracia deve haver múltiplos centros de poder independentes: associações, clubs, ONG, cidadãos independentes com poder de pressão, etc.; Na democracia, a forma de acesso aos rendimentos nacionais é meritória e em alguns casos promovido pelo Estado para grupos vulneráveis. Tal democratização do consumo e acesso aos bens pode ser feito com subsídios vários: emprego, apoio a famílias numerosas, combustíveis, bolsas de estudo, residência, subsídio de electricidade e água, etc.; Em democracia há tolerância e limites de poder por parte dos responsáveis públicos; Na democracia deve haver eleições livres e que garantem verdade eleitoral que se traduz na alternância de poder. Para isso deve haver Comissão Nacional Eleitoral Independente; Em democracia, as forças de defesa e segurança ─ serviços secretos, polícia, exército ─ servem somente para proteger os cidadãos e defender o país de qualquer ameaça externa. Tais forças, subordinam-se às instituições políticas civis, mas não podem servir interesses de pessoas, como é o caso do Presidente ou do Chefe do Estado Maior do Exército; Finalmente, só há democracia quando a dignidade humana é posta acima de tudo e todos interesses instalados.


Quando as forças que lutam contra a ditadura têm plena consciência Sobre o que é efectivamente a democracia real. Aquela democracia que se concretiza na prática e não mero discurso retórico constitucional ou mentiras políticas, podem concluir que há uma ditadura. Isto serve igualmente aos “activistas burocratas”. Quando o activista saber o que é de facto democracia, saberá que na ditadura não se promove conferência, workshop, seminário, palestra ou espaços de negociação e debates infrutíferos para mudar o regime.


Na ditadura cria-se uma plano estratégico para destruir a ditadura. Reduzir a pó o partido que o sustenta e recuperar algumas pessoas boas que a compõem para construir a sociedades aberta a favor da qual se está à lutar. Esgotadas as ideias prévias para luta, vamos às ferramentas super-práticas para destruir com sucesso o autoritarismo, sem perder o sentido realista da dureza e possíveis perdas humanas que os bravos democratas podem sofrer.


[O texto continuará]