Luanda - De acordo com o dicionário “Collins Paperback English Dictionary” `ghetto`,­ musseque ou sanzala­ é definido como “áreas de barracos densamente habitados por pessoas minoritárias que política, social e económicamente estão discriminadas, privadas e excluídas”. Oconceito de `ghetto`,­ musseque ou sanzala ­ foi frequentemente usado durante a segunda guerra mundial pelos alemãs nazistas contra o povo judeu. No contexto dos Estados Unidos da América, o conceito e a prática foi brutal e sistemáticamente usado para a negação dos direitos e oportunidades iguais contra os Afro­Americanos que viviam dentro das grandes cidades nos locais bem conhecidos por “projects”.

Fonte: Club-k.net

O conceito de ghetto, musseque ou sanzala é sustentado por uma política estrutural de governação e prática de discriminação e exclusão sócio­económica, segregação cultural e de isolação, e marginalização de todos que são os diferentes do grupo dominador e repressivo que acredita no conceito de serem uma “casta” superior. O conceito do`ghetto`, mussequização ou sanzalização promove uma cultura e um estilo de vida em oposição às normas da sociedade porque é violentamente exposto à pobreza e indigência do dia a dia, ao crime, violência, droga, prostituição, desemprego, analfabetismo, transformando­se num laboratório de combustão de revoluções políticas e sociais.

No contexto de Angola, o conceito e a prática do “ghetto`, musseque ou sanzala foi introduzido pelos colonialistas portugueses como política e práticade discriminação, exclusão, marginalização, exploração, repressão e domínio contra os autótones negros angolanos. A política e a prática colonialista de subjugação dos autótones criou estruturas e sistemas diferenciados,discriminatórios e racistas. Com a estruturação dos musseques e sanzalas os colonialistas mantiveram os negros na pobreza e indigência, analafabetismo, desemprego, assim como, sem se aperceberem, criaram espaços para revolução e luta de libertação nacional. Contudo, quatro razões contribuiem até hoje para a expansão da mussequização e sanzalização da maioria dos angolanos:

1. A longa guerra civil que forçou milhares de angolanos a fugirem das zonas rurais a procura de refúgio, segurança e oportunidades nas cidades;

2. Falta duma política habitacional consitente, inclusiva e justa para os pobres e os mais fracos da sociedade;

3. A implementação duma política e prática sistemática de demolições das casas dos pobres;

4. Falta de políticas económicas e sociais justas e inclusivas que possibilite uma melhor distribuição

da riqueza nacional para se travar a migração rural para as cidades pós paz.

Enquanto que na antiga Alemanha nazista, nos Estados Unidos e mesmo no resto da Europa a mussequização e sanazalização é um conceitos e uma política de discriminação exclusão e repressão praticadas contra minorias em países africanos, neste caso particular Angola, é contra a esmagadora maioria da população. Até agora a governação angolana falhou completamente em acabar com os musseques e as sanzalas no país e de providenciar habitação adequada para a grande maioria das famílias pobres angolanas. As grandes somas avultadas de investimentos públicos e “privados” no sector habitacional não conseguiu resolver o problema mesmo na capital do país onde a maioria destes investimentos são supostamente aplicados.

A grande maioria dos pobres construiu os seus `casebres` com muito sacrifício em locais disponíveis e desocupados porque o Governo angolano não possui políticas consistentes de cedência de terrenos aos pobres, mas sim aos ricos e políticamente poderosos. Em termos de habitação condigna os pobres foram abandonados, desprezados e até muitas vezes perseguidos pelas autoridades que praticam demolições violentas e sistemáticas das suas casas. E como resultado disto, desenvolveram­se preconceitos políticos e sociais perigosos contra os pobres e moradores dos musseques e das sanzalas. Os musseques e as sanzalas são vistos pelos governantes como problemas sociais que devem merecer duras medidas de repressão e contenção. Contudo, os musseques e as sanzalas são na verdade os resultados da falta de políticas sociais justas e capacidades governativas para resolução deste fenómeno.

A existência de musseques e sanzalas representa o maior fracasso da governação e das instituições privadas em providenciarem habitação básica e decente para a grande maioria dos angolanos que são pobres. Em Angola, tanto no passado colonial e após a independência a maioria da população ainda é forçada a viver nos musseques e nas sanzalas infestadas de todas as carências e consequências negativas possíveis.

Então, quais foram os verdadeiros objectivos da luta de libertação? Será que a `des­mussequização` e `des­sansalização` de Angola não constava na lista? Bem parece que não!

Existe uma falta de vontade política e capacida de governação nas elites que detém o poder no país de pelo menos tentarem corrigir os graves erros das políticas colonialistas de discriminação, segregação, marginalização, repressão, exploração, exclusão e de desigualdades económicas e sociais. A falta duma habitação adequada e condigna é o primeiro elemento de desigualdades e injustiça social. Estes conceitos e práticas contribuiram no desenvolvimento da crença que é “muito normal” que a maioria da população viva nos musseques e sanzalas desprovidas de tudo e uma minoria de privilegiados viva em condomínios, mansões e vilas providas de tudo. A necessidade humana para todo e qualquer ser humano é a mesma sem excepção, ter e viver numa habitação decente.

Existe uma contradicção entre a retórica da demagogia política e a realidade da existência dos musseques e sanzalas e o tipo e a qualidade de vida da maioria dos cidadãos nestes enclaves excluídos, marginalizados e discriminados. As políticas habitacionais nunca foram totalmente a favor da grande maioria dos pobres porque a protecção habitacional é sómente dada aos ricos e políticamente poderosos. A grande maioria dos angolanos que são pobres e que tentou com esforço próprio construir o seu “casebre” não tem documentação nenhuma, encontra­se técnicamente na ilegalidade e vulnerável aos apetites vorazes dos fiscais e das autoridades que fazem e desfazem sem nenhumas responsabilizações políticas egovernativas. Por estarem desprotegidos e desprovidos os pobres são os maiores alvos de exploração e extorsão dos fiscais do governo.

As políticas de governação relacionadas com a habitação adequada, ainda no tempo colonial e, pelo que temos visto, actualmente, não têm sabido acautelar os interesses e os direitos dos pobres. O espectro das demolições e expropriações sem o mínimo de respeito pelos direitos dos mais vulneráveis é uma constante. As políticas de auto­construção dirigida para os pobres são praticamente ineficazes e completamente corruidas pela corrupção dos oficiais públicos.

Em Angola, o processo da reconstrução e o plano de desenvolvimento urbano é conduzido pela estratégia de se manter e reter o controlo e a legitimidade política e não primáriamente de resolver os problemas habitacionais da grande maioria da população pobre mussequizada e sanzalizada. A forma de governação neo­patrimonial e assistencialista adoptada pelo governo deveria providenciar o espaço político e social necessário para operar transformações sociais substanciais e significativas; criar espaços com mais oportunidades e menos discriminação, exclusão, marginalização, repressão e empobrecimento, especialmente para aqueles que já foram vítimas sistemáticas da mussequezação e sanzalização do regime colonialista Português.

A solução para uma gradual e definitiva erradicação da existência de musseques e sanzalas em Angola, exige uma política pragmática, radical, corajosa e acima de tudo patriótica. Ela exige também uma abordagem e prática integrada e reparatória na resolução das necessidades e problemas de habitação para os cidadãos pobres. O processo da reconstrução e construção nacional oferece ao governo angolano uma oportunidade ímpar de acabar gradualmente com os musseuqes e as sanzalas. Infelizmente, ainda perdura nas hostes governativas a crença de que alguns cidadãos terão mesmo de viver eternamente nos musseques e sanzalas e só uns poucos poderão viver nos condomínios, mansões e vilas. Deixou­se de acreditar que a transformação social que beneficia todo povo é possível basta ter vontade política e boa fé.

O legado colonial português da mussequização e sanzalização dos autótones negros não foi quebrado com a declaração da independência política em 1975 e muito menos resolvido com o grande crescimento económico e construções de infrastruturas habitacionais. A grande esmagadora maioria da população autótone angolana ainda vive mussequizada e sanzalizada.

O Governo angolano precisa urgentemente de adoptar uma política habitacional pró­pobre, como forma de promover a justiça social e combater as desigualdades económicas e a pobreza. Nos musseques e sanzalas. E isto não se faz com discursos eleitoralistas mas sim com práticas de justiça e, acima de tudo com amor ao próximo e não simplesmente o slogan do “O Nosso Povo”, um povo mussequizado e sanzalizado. Na verdade, a política e a prática dos musseques e das sanzalas expandiu muito e duma forma asustadora,e não sei quantas vezes mais do que aquilo que se herdou do colonialista português. Nisto, estamos todos de acordo. O que falta agora são as soluções corajosas, políticas públicas justas, inclusivas e não­discriminatórias. Caso contrário, a herança colonial da mussequização e sanzalização dos autótones continuará a ser um pesadelo eterno mesmo depois da nossa existência, e será um legado que deixaremos para as futuras gerações como herança da nossa incapacidade de governação pós­ independência e grande bonança económica­financeira.