Viagens que muitas vezes partilhámos, naquilo a que chamavas de “cazabumbas” (aviões russos que aparentavam problemas técnicos, mas voavam e bem), sempre na redescoberta de locais na altura, perdidos no tempo, mas que tu dizias, aqui também vivem angolanos, aqui também se come, se vende, se produz, se pensa no futuro. Aprendi contigo de que lá onde os outros fogem, devemos desbravar, ver oportunidades. Maior ensinaste-me que o dinheiro é importante, mas o nosso coração deve ser mais valioso que todos os euros do mundo. Maior, um ano depois estou de volta ao interior do nosso país. A Ganda, o Cubal, o Balombo não são mais zonas recônditas.

Aqui onde muitas vezes passávamos rentinho de helicóptero, porque as estradas não estavam boas, está tudo a mudar. O Caminho-de-Ferro de Benguela onde trabalhou o teu pai e onde vendias muita Coca-Cola da fábrica onde de empregado passaste a proprietário está a ficar uma maravilha, as motos Yamaha e de outras origens, que te chegaram a mutilar um dos braços, mas a Ulisses acabou tua, continuam a trilhar as estradas que estão a ser a mola de crescimento do país. Maior!

A bordo deste MI21 estou a recordar-me da grande herança que me deixaste. Com ou sem gasolina este país tem de andar. E, Maior , acredite está a andar. Não passei pelo Huambo ainda desde o dia em que te acompanhei à última morada. Confesso que vou pedir licença laboral para voltar àquele cemitério onde nos vimos pela última vez. Mas fiquei na divisa entre a Ganda e o Balombo. Uma cidadã portuguesa que passou o feriado prolongado na tua terra, disse-me que o Huambo é a melhor cidade de Angola. Disse-me também que está decidida a fazer as malas e fixar residência no Huambo. Maior! O que ela não sabe é que esse Huambo é a terra em que tu apostaste que mudaria radicalmente quando em Abril de 2002 fomos ao Luena ao reencontro do tio Apollo na companhia do Comando, em que levamos um saco de pão e uma grade de Coca-Cola. O

 Huambo que tu sonhavas ainda não é este, mas foi lá onde o camarada Presidente José Eduardo dos Santos deixou a seguinte mensagem: “Aqui há trabalho”. Trabalho de que tu foste um dos grandes impulsionares, na companhia do mais velho Cassoma. No Balombo, o Administrador Montenegro lembrou o projecto das tintas que implantámos no Huambo. Chamou-lhe o Projecto Cassoma. Fiquei feliz e lembrei-me de ti quando disseste que era preciso dar uma imagem diferente ao Huambo e que isso passaria por pintar as casas. Maior! Sei que querias mais do que pintar as casas. Querias grandes indústrias, estradas, mas sabias que isso passaria pela formação do homem. Eras um homem de visão avançada. Apoiaste as universidades como centro do saber, não há músico no Huambo e um pouco pelo país que não chora o teu desaparecimento físico. Pelo Huambo, conseguiste várias vezes convencer-me a voar mesmo quando as condições de navegabilidade adiavam por muito tempo a hora da partida.

Maior aprendi a conhecer este país contigo. O país que sonhaste está a nascer. Neste MI 21 tento redescobrir olhando para a paisagem o que terá acontecido naquele dia. Começo apenas a compreender que o meu destino não era o teu, mas os nossos sonhos eram os mesmos. O de ver Angola a trilhar os rumos do desenvolvimento, com ou sem gasolina. Maior, apesar do preço do petróleo estar em baixa, hoje há mais gasolina para fazer o país crescer.

É por isso que estou de volta à aviação. É por isso que lhe escrevo esta carta, para lhe render a minha homenagem e gratidão por tudo o que fizeste por este país e que penso que os teus herdeiros vão saber respeitar e honrar. Da minha parte Maior, tenho dito ao Schoppy, ao Zacarias, ao Elias, à Saara, que já teve mais um bebé, ao Dino, ao Emanuel, à Elvira, ao Vaiola , ao Comando, ao Benedito, ao Tony, ao Tio Mário, ao Cassinda e a todos os seus antigos colaboradores, que a maior herança que nos deixaste foi o conhecimento. Será este conhecimento que nos vai libertar, apesar de reconhecermos que não será fácil, aliás nada no nosso percurso foi fácil, mas nós fomos ultrapassando os obstáculos e vencemos, vencemos porque tínhamos em frente um líder. Valentim Amões. Maior, agora quero despedir-me, com uma mensagem que não é minha, mas daquele que como dizias te inspirou enquanto estivestes em vida.

O camarada Valentim Amões foi um grande patriota, espero que os seus herdeiros saibam dignificar o seu nome e preservar tudo o que ele construiu até agora. Maior! Com ou sem gasolina o país está a andar.

Fonte: JA