Luanda - A transferência dos proprietários dos imóveis situados na zona abrangida pela primeira fase do Projecto de Requalificação do Bairro Operário (B.O) para o Zango IV e os 150 apartamentos do edifício de três torres, erguido na rua do Fitness com este propósito, está a provocar conflitos em algumas famílias

Fonte: O País
Bairro Operario.jpg - 85.66 KBA cidadã Francisca António Armando está em conflito com um dos seus primos, com quem partilha uma herança familiar, por este ter desencadeado várias acções junto da comissão encarregue de realojar os moradores, com o propósito de que o anexo em que vive fosse classificado como casa principal, vulgo “Casa Mãe”. O que lhe possibilitou estar entre as pessoas que poderão receber apartamentos novos, enquanto os demais serão encaminhados para o Zango.

Contou que, desde que teve início o processo de recenseamento das residências daquela circunscrição, o seu imóvel de apenas um quatro e sala foi cadastrado como casa principal e os outros três imóveis com iguais dimensões (incluindo a residência do seu parente) como anexos.

“Todos nós que vivemos aqui somos herdeiros. Só não recebi ainda as chaves do imóvel por causa do desejo de um dos meus primos de ficar com ele, mesmo não sendo o ocupante da casa mãe”, disse.

O T2 em que a nossa interlocutora se encontra instalada resulta da divisão que terá ocorrido da casa principal em duas partes, estando a outra sob a responsabilidade do primo com quem disputa a titularidade do apartamento.

“Os senhores da Comissão me informaram que o apartamento será entregue com base no critério da antiguidade e que, neste contexto, o beneficiado deve ser o meu primo, por estar alojado na residência em que vivia a minha falecida tia. As coisas não são bem assim, porque esta parte em que resido é tão antiga quanto a outra”, justificou.

Contou que a sua propriedade era de adobe e que a reabilitou, há alguns anos, para proporcionar melhores condições de comodidade para a sua família.

Segundo ela, os responsáveis por este processo não lhes entregaram a chave por causa deste litígio, tendo lhes recomendado, antes, a resolver tudo internamente, para indicarem a pessoa que deverá permanecer no Bairro Operário. “Já tentei resolver este problema com o meu primo, mas não consegui, porque ele virou-me as costas. Reconheço que ele vive aqui há mais tempo, mas a verdade é que não é na casa mãe”, disse.

Acrescentou de seguida: “Há 27 anos que vivo aqui, em harmonia com os meus familiares e só passamos a ter problemas depois de ter surgido esta possibilidade de alguns irem para o Zango e outros ficarem. Esta mudança está a deixar as famílias em desarmonia”.

Valendo-se da sua condição de prima mais velha, Francisca Armando mostrou-se disponível a ceder a casa ao seu primo desde que o mesmo se prontifique a dialogar para se chegar a um acordo, de maneira a que não perca o seu posto de trabalho (que é no centro da cidade) e a família volte a viver num clima de tranquilidade e harmonia.

A sua resistência em se mudar para o Zango prende-se ao facto de ter montado uma pequena cozinha industrial em casa, onde confecciona refeições que vende aos funcionários de algumas das empresas que se encontram instaladas naquela circunscrição.

Desabafou que, caso o Estado decida transferí-la para Viana, perderá a clientela e ficará sem sustento para a sua família. Outra situação que a aflige é a alegada possibilidade de a mudança vir a pôr em risco a formação de uma das suas filhas que se encontra matriculada no colégio Santa Clara.

“Penso que por não estarmos em zona de risco o Governo devia tomar algumas medidas que nos fossem mais favoráveis, porque o Zango não é, definitivamente, a melhor opção para nós. Se eu for para o Zango IV a que horas é que terei que me levantar para vir para cá atender a minha clientela? A minha vida estará ao avesso”, frisou. Acrescentou que “se devia criar condições para que não fôssemos realojados tão distante do centro da cidade, tendo mesmo em conta que a maior parte dos moradores desta zona têm aqui os seus postos de trabalho”.

Para além deste conflito, os técnicos da Administração têm ainda por resolver o problema de um casal que comprou parte da herança dos familiares de Francisca Armando há 13 anos e construiu uma residência independente. Os novos donos também se recusam a mudar-se para o Zango, alegando que a sua propriedade não deve ser classificada como anexo por possuir uma estrutura diferente das outras.

Novas comissões buscam soluções

Na qualidade de um dos representantes da nova Comissão de Moradores do B.O, encarregue de negociar com a Administração do distrito do Sambizanga todo o processo de realojamento, o jovem Benilson Luís Pedro (filho da falecida prima de Vitoriano Bernardo) disse que os participantes da reunião de Terça-feira concluíram que se deve fazer um novo cadastramento das residências.

Disse que o grito de protesto do seu elenco ao facto de terem sido fornecidos apartamentos aos moradores de um dos quarteirões que não serão demolidos nesta fase, simplesmente pelo facto de serem considerados de famílias tradicionais do bairro, terá surtido o efeito esperado.

“Há mais de dez famílias do quarteirão lá de cima que receberam apartamentos, em detrimento de outras deste quarteirão que estão sem nada, mas, julgamos que com a entrada em funcionamento desta nova comissão de cadastro, estes problemas poderão ser resolvidos”, disse Benilson Pedro.

A forma como os apartamentos foram distribuídos não obedeceu aos critérios inicialmente avançados pela então comissão dirigida pela administradora do distrito do Sambizanga, Mara Baptista Quiosa, segundo os quais seriam transferidas, nesta fase, as famílias que vivem em casas construídas no tempo colonial, situadas entre as ruas de Massangano e ao circular numa das ruas so Bairro, a nossa equipa de reportagem deparou-se com a anciã Maria Araújo, 83 anos, protestando, numa conversa com as suas vizinhas, o facto de ter sido realojada no oitavo andar de uma das três alas, com 50 apartamentos cada, que compõem aquele que passou a ser o edifício mais desejado do B.O. Com certa nostalgia, contou que na época em que se mudou para lá, o combóio que saía do Bungo, passava pela Cidade Alta, na rua de Cambambe e descia até a Mutamba. “A vizinhança era boa, todas as mais velhas já morreram e eu sou das poucas sobreviventes. Sinto saudades daquele tempo em que saíamos de manhã cedo para varrer a rua”, disse.

Questionada sobre se conseguira viver no oitavo andar, respondeu que não tem outra solução e que só lhe resta obedecer a ordem do Governo. No quintal de sua casa foram consa Alameda Manuel Van-Dúnem e a Avenida Ndunduma.

A transferência de todas as pessoas que se encontram nos cómodos classificados como anexos, está marcada para o próximo dia 24 de Janeiro, ao passo que as famílias que já receberam as chaves dos apartamentos aguardam apenas pela conclusão das obras que estão em curso na via que dá acesso ao edifício.

Neste momento, a Administração tem registadas mais de 540 famílias e apenas 150 estão a ser realojadas no novo edifício, sendo que as restantes não terão outra escolha senão o Zango IV, no âmbito do processo de requalificação deste histórico bairro de Luanda.

De acordo com uma fonte de O PAÍS, para tentar pôr fim aos conflitos, o Governo Provincial de Luanda decidiu que tanto os apartamentos como as residências estarão em nome dos proprietários das casas principais. Naqueles casos em que os proprietários são falecidos, o imóvel em causa torna-se uma herança, cuja partilha só será feita por decisão do Tribunal.

O novo edifício, designado de Edifício Anangola, tem 15 andares, possui sistemas de vídeo-vigilância e contra incêndios, um gerador e duas garagens subterrâneas para 150 viaturas. Prevê-se a construção de mais dois edifícios similares nos espaços onde vão ser demolidas as moradias.