Benguela - O  homem procurou, sempre, compreender e explicar a realidade e os fenómenos à sua volta. Fê-lo, inicialmente, através dos mitos como primeira manifestação epistemológica da época e, em seguida, com recurso a outros saberes mais sofisticados. 

Fonte: Club-k.net

O  mito é uma forma espontânea de o homem situar-se no mundo cuja função primordial é a de acomodar e tranquilizar o homem em um “mundo assustador”. Por exemplo, na antiga Grécia quando estivesse a trovejar dizia-se que Júpiter estava furioso e algo teria de ser feito para acalentar seus ânimos...

Tal como o conhecimento de senso comum é importante, oferecendo respostas prontas para questões corriqueiras, quotidianas, frequentes, assim também é o mito como primeira tentativa de abordagem e compreensão do cosmos. O mito é, portanto, uma intuição compreensiva da realidade. A “ruptura epistemológica” entre a ciência contemporânea e o senso comum é uma das marcas da teoria bachelardiana. Segundo Bachelard o conhecimento ao longo da história não pode ser avaliado em termos de acúmulos, mas de rupturas, de retificações, num processo dialético em que o conhecimento científico é construído através da constante análise dos erros anteriores. A asserção segundo a qual «é com os erros que se aprende», parece ter nele sua autoria.

Muito cedo, porém, alguns homens começaram a ver limitações no conhecimento mítico.

Surgiu, então, a Filosofia como nova maneira de saber. Partindo do conceito e não mais da imaginação e dos símbolos, o homem começou a colocar questões absolutas e existenciais, usando o método dedutivo, inicialmente e, indutivo, posteriormente. A lógica e a reflexão passaram a ser as ferramentas essenciais na busca da verdade; na busca de questões imensuráveis e metafísicas, como por exemplo, a vida, início e fim do cosmos, evolução do homem, morte, etc...

Finda a Antiguidade e, consequentemente, a hegemonia da Filosofia, dá-se o processo de fusão cultural, na Europa, ao mesmo tempo que se dá a fusão entre Filosofia e Cristianismo, dando origem a uma nova maneira de saber: a Teologia. A Filosofia torna-se a serva da Teologia: “philosophia ancilla theologiae”. Ela serve, neste ínterim, para a fundamentação e a formulação de conceitos teológicos. É chamada “serva” da Teologia no sentido de se entender o dogma como princípio regulador da razão para evitar que essa se desvie da fé ou se volte contra ela. Por conseguinte, conhecimento religioso apoia-se na fé e tem sua origem nas revelações do sobrenatural. “As manifestações, as “verdades” e evidências sobrenaturais não são verificáveis por serem obra do Criador Divino e conterem uma atitude implícita de fé. São infalíveis e indiscutíveis” (LAKATOS, Imre). Daí o facto, verbi gratia, de na Idade Média, muitos pensadores terem perdido as suas vidas por defenderem ideias, na altura, contrárias  aos dogmas tidos como irrefutáveis e intocáveis pela Teologia, pela Igreja.

 Volta e meia, contudo, o Homem, também, já não se contenta em apenas conhecer verdades absolutas ou divinas, nem tão pouco símbolos ou imaginações, mas leis que regem e determinam a natureza. Prova cada vez mais a sua autotrascendentalidade, a sua racionalidade... Quer ultrapassar-se em tudo: no ser, no estar, no pensar, no existir...

Surge, então, a “autoritária ciência” com o seu método científico, tendo como base a experiência. Esta já não quer saber dos símbolos, dos conceitos nem dos dogmas. Tão só dos factos reais baseados no conhecimento objectivo, racional, sistemático, geral, verificável e falível. A DÚVIDA passa a ser o ponto de partida do Conhecimento. Tal como o “Cogito ergo sum”, de René Descartes, o sociólogo norte-americano Robert K. Merton dispõe que a ciência moderna começa com a dúvida sistemática, o que denominou de “cepticismo organizado”. Sócrates, o maior sábio da humanidade, segundo o oráculo de Delfos, “só sabia que nada sabia” e, queria, para o efeito, aprender e saber. Este espírito socrático sobre o «conhece-te a ti mesmo» parte da dúvida para alcançar a certeza e a verdade, através de um procedimento maiêutico. Santo Agostinho de Hipona dissera que «se me engano é porque existo» (si enim fallor, sum). Karl Popper coloca a dúvida sistemática como o fundamento da abordagem científica.

Todavia, a questão que se pode colocar, hoje, é se a ciência é o saber (mais) acabado, perfeito ou se apenas um “saber autoritário”, falível (ou até falido?) refutável e, ipso facto, substituível? Terá ela limites ou é tudo nela uma sinfonia eterna de hossanas e aleluias?

O homem hodierno tende a não procurar a certeza na verdade da religião, a despeito da proliferação de igrejas e seitas, consequência da incessante fragmentação do Cristianismo e da diversificação religiosa. Desdenha frequentemente também da verdade filosófica e começa a ter dúvida dos resultados da ciência, antes apregoada como único domínio do «conhecimento» fiável. A ciência não é, afinal, o único caminho de acesso ao conhecimento e à verdade! Apesar dos feitos a si inegáveis tal não é suficiente para a negação de mérito de outros saberes.  Ela é limitada! Há questões em que a ciência não é capaz de dar respostas adequadas. Entra muda e sai calada do areópago!... À ela caberá responder ao “como”, enquanto responder ao “porquê” dos factos cabe à Filosofia, bem como responder à questões transcendentais caberá à Teologia. Por isso, a autoridade da ciência é ilusória. Ela deve existir e coexistir pacificamente com outros ramos do saber. Deve aprender a conviver na diferença e a dialogar com outros saberes que ela ainda não foi capaz de substituir e nem substituirá decerto. Talvez ela própria seja refutada e substituída por outro (s) tipo (s) de saber futuro (s) mais completo (s) e mais eficaz (es)! Não foi em vão que Feyerabend tivesse descrito a ciência essencialmente anarquista, obcecada em sua própria mitologia e proclamadora de verdades muito além de sua capacidade actual.

Hoje vive-se no âmbito das Ciências Naturais, com fortes influências nas Ciências Sociais, uma mudança de paradigma. Boaventura de Souza Santos a descreve como uma crise do paradigma dominante e a emergência de uma nova forma de organizar as relações entre o sujeito que observa e o objecto observado. Thomas Kuhn defendeu que os grandes progressos da ciência não resultam de mecanismos de continuidade, mas sim de mecanismos de ruptura, conforme Gaston Bachelard. De facto, muitos dos conflitos que hoje em dia se geram resultam de choques entre pessoas que vêm a realidade de maneiras antagónicas (o caso Charlie Hebdo, exempli gratia), pois, quando se está prisioneiro de um paradigma, dificilmente consegue-se aceitar outro que compita com ele. Só se se fizer um esforço grande para se situar no outro paradigma a fim de se passar a ver as coisas de uma forma completamente diferente. É neste terreno escorregadio que surge o relativismo ético e diversos fanatismos, minando toda a coexistência humana, ameaçando a humanidade para um caos sem precedentes se providências cautelares não forem tomadas. No essencial, o importante é ganhar-se flexibilidade intelectual para ser-se capaz de mudar de paradigma num mundo global, veloz, mutável, incerto... Uma vez ganha essa flexibilidade, poder-se-á, então, analisar cuidadosamente os paradigmas em jogo e fazer opções muito mais apropriadas aos universos nos quais, em cada momento, se situa. Esse exercício requer uma dose de “racionalidade humana”, uma dose de “frieza” existencial e uma deslocação da zona de conforto para o desconhecido... Racionalidade é a essência do que é racional, do que é produto da razão. Raciocinar é fazer cálculos lógicos e aritméticos, razão pela qual maior parte dos filósofos clássicos foi matemática; razão pela qual maior parte das mulheres contemporâneas (angolanas) detesta a Matemática.  Consequência: proliferação das gravidezes precoces, indesejadas e de filhos órfãos de pais vivos... Razão não é o mesmo que intuição, sensação, reação espontânea, emoção ou crença. A razão começa com o senso comum e se desenvolve por meio da habilidade de contar, medir, ordenar, organizar, classificar, explicar e argumentar.

Todo o Homem é racional?

Nem sempre, rigorosamente! Pelo menos na Grécia antiga (já) não! Escravos e mulheres não o eram. Existem mesmo homens que jamais chegaram a nascer e “crianças grandes”, vegetando pelas avenidas da mortandade… O discurso racional é coerente e diferente de uma opinião pessoal, de uma fofoca, próprios de uma “criança grande”, de uma mulher... A “racionalidade” da mulher é de facto impressionante e questionável! Tal como se deve questionar a “irracionalidade” do golfinho que salva a vida de uma criança nas águas profundas. Dificilmente a mulher segue critérios lógicos quando raciocina, se é que raciocina! Age, amiúde, segundo propósitos desordenados e suas decisões são frequentemente incoerentes e, raramente ultrapassam o próprio umbigo! Não fosse, por isso, um contacto intrínseco de almas entre ambos, numa cumplicidade romântica, jamais haveria uniões de sexos opostos na base da razão (aliás, esta é frequentemente ofuscada e obstruída pela paixão), pois desta a mulher não faz uso ou, no mínimo das hipóteses, lhe é deveras diminuta. A mulher é, de facto, intuitiva fruto, talvez, do badalado sexto sentido que não se lhe sabe identificar a essência e sua localização na complexa geografia fisionómica feminina. O homem é um ser lógico, por natureza, cuja paz de espírito ganhou e perdeu justamente naquele dia em que o Criador lembrou-se de lho oferecer uma companheira auxiliar: a Eva. Razão pela qual as mulheres são um mal necessário, mal com elas e pior sem elas...

Distinguem-se, pois, entre os “philosophos” (os «amigos da sabedoria») e os “philodoxos” (os «amigos da opinião»). Platão sustenta que «a opinião é diferente da ciência». “Ouvir dizer não é falar a verdade”, no entender do ancião africano (ainda assim contesta-se no Ocidente da existência da filosofia africana!). O filósofo é o que, «desejoso da sabedoria», se dedica ao conhecimento do «Ser em si». O filodoxo (do latim, filos+doxa, ou, amigo da opinião) será aquele que cuida somente do mundo das aparências, do mito da caverna. Portanto, a mulher é eminentemente filodoxa. Não é sem razão, portanto, que não se vislumbram nomes sonantes nem toantes, em toda a história da Filosofia, em toda a história eclesiástica… Enfim, às mulheres se deve dar mais rosas a razões, pois que uma abordagem lógico-epistemológica entre um homem e uma mulher é inútil e infrutífera... Uma discussão entre ambos seria colocar um pombo e uma rola a dissertarem sobre a columbofilia. Esta jamais perceberá esta ginástica mental por mais PhD’s por si coleccionados.

 Existem, contudo, mulheres que são «verdadeiros homens» “cujo único defeito, foi terem nascido mulheres”, como diria Voltaire! Por isso é que, hoje, algumas correntes feministas têm ponderado que uma ciência com maior participação de mulheres seria mais benevolente em relação ao meio-ambiente. Uma governação de mulheres seria mais humana e mais actuante, arrepiando Aristóteles que defendia que elas não podiam exercer cargos públicos por insuficiência de razão, pese embora o seu mestre, Platão, defendesse, de forma ousada, o inverso, mesmo que o contexto fosse adverso, saindo em defesa do género. Julgo, modéstia à parte, que governações femininas seriam menos duradouras e mais reformadoras no contexto de uma África acostumada aos sobados intermináveis.

Ciência ou ciências?

Essa questão clama por outra análoga: Filosofia ou Filosofias? Ou seja, existe uma filosofia africana? A alegação segundo a qual «a razão é helénica e a emoção africana” parece responder negativamente à essa questão, a despeito de Edgar Morin, recentemente, ter defendido que “não haja pensamento racional sem emoção”, na medida em que, “a razão fria seja própria dos computadores. Eles é que têm a razão fria, não tendo sentimentos, nem vida”, concluiu. Daí o perigo da possibilidade de governação da humanidade pelos computadores, pelas máquinas... Estes quetionar-se-ão, algum dia, sobre o seu criador, tal como o homo sapiens o fez ao tomar consciência da evolução do seu pensamento?!

Hossein Nasr, um famoso estudioso islâmico que leciona actualmente em Harvard (Estados Unidos da América), diz que a ciência como existe actualmente é o produto de um mundo ocidental decidido a colocar a natureza a seu serviço, sob “tortura”, se necessário. Uma ciência islâmica seria diferente porque a natureza é sagrada segundo o Islão (encontrará aqui fundamento o fundamentalismo islâmico, hoje?). Na Índia, alguns esperam criar uma ciência diferente, baseada nos conceitos hindus de espaço, tempo, lógica e natureza, salientou.

E, em África, naturalmente, criar-se-ia uma ciência fundamentada no feitiço e no talamuqueque, segundo o sacerdote da ORM (Obra do Renovamento Missionário, em Benguela - Angola), padre Herman!... O africano, regra geral, tem um “apetite voraz” de fazer mal a outrem! Não passa disso. Por isso é que até hoje nunca tentou montar uma escada em direção à lua. Como resultado deve aceitar a “proeza” do cosmonauta russo, Yuri Gagarin. O seu apego obstinado à tradição é um sério perigo ao desenvolvimento do continente aliado ao analfabetismo e aos governos déspotas que governam apenas para o interesse próprio! O africano continua agarrado às suas origens malgrado da (dita) “identidade cultural africana” a preservar que retarda estúpida e incompreensivelmente o continente berço. No concerto das nações onde se exigem autoestradas velozes e temperaturas racionais elevadíssimas a África soçobrará perenemente se não mudar de paradigma; se não expurgar da tradição todos aqueles aspectos negativos que nada acrescentam de valor à identidade africana, nem à África, em geral. É mister que as lideranças africanas acordem da letargia secular, comecem a pensar local e agindo global; a pensar global e agindo local... Ninguém quer melhor a nós senão nós mesmos. Pensar que o outro pode fazer por nós tudo a ponto de substituir-se de nós é continuar criança grande. Mesmo que alguém lhe estenda, com generosidade, a sua mão, no final de contas, tal generosidade, revelar-se-á mais abjecta que benéfica, como diria Maquiavel. Ninguém é melhor que nós mesmos.

A África deve apostar no Homem e numa ciência desinteressada, não numa ciência que sirva mais fins geoeconómicos, geoestratégicos e industriais dos poderosos para a qual, segundo Feyerabend, “tudo vale”! “Os fins justificam os meios no mundo da ciência”, salienta... Percebe-se, então, a perigosidade que a humanidade corre decorrente de uma “ciência sem consciência”, como dirá Morin. De uma ciência sem paciência, na minha humilde perspectiva!

”Será que a ciência como a conhecemos hoje, uma “busca pela verdade” no estilo da filosofia tradicional, criará um monstro”, questiona-se Kierkegaard?