Luanda - Por regra não vejo novelas, na verdade, já há alguns anos que deixei de ver televisão, mas desde que começou a passar a nova novela da TPA, Jikulumesso, que abri uma excepção.

Fonte: Jovensdabanda

No princípio da novela até tentei seguir a minha vida sem prestar atenção mas a minha mãe andava tão entusiasmada com a "competência" dos nossos actores que decidi ceder. Assisti a duas cenas. A primeira foi na passada Terça-feira de 27 de Janeiro e pela telespectadora assídua que tenho em casa fiquei a saber da estória de todos os personagens tão logo aparecessem na telinha. "esse é o Joel, veio vingar-se pelo que fizeram com ele na Santa Agnes e é apaixonado pela Djamila. Esse é o Ivo, pai do Joel que é polígamo e foi apanhado pelas duas mulheres. Essa é a Bianca... e etc, etc”.

Durante a cessão de explanação, passaram dois jovens que estavam no SUMBE, segundo a mamã, um era “...advogado e estava mentir à mulher que ia em missão de serviço à uma convenção de advogados porque na verdade viajava com o seu amante. Ele era gay e vivia uma vida dupla".

A mamã contava até estes factos menos aceites na nossa sociedade, com a maior tranquilidade. “Mas”... Pensei comigo, “na novela passada já haviam gays e lésbicas, nesta também há, e a mamã já me conta assim, como se de nada estranho se tratasse... O roteirista está a fazer uma lavagem cerebral à sério, preciso convencer o meu pai a ver essas novelas o mais rápido possível para que surta logo algum efeito”.

No dia seguinte, depois do telejornal, fui pontualmente sentar-me à cozinha para mais uma vez acompanhar a novela da mamã que estava super feliz pela nova companhia... A novela começa, a amiga do Joel, uma chinesa linda, está no Sumbe a procura do segredo de um dos jovens "homossexuais", para o chantagear a modos de impedir que uma injustiça aconteça. A Kim (este é o nome da moça) encontra o segredo e leva as pressas ao Joel numa pen drive.

Assim que o Joel vê o conteúdo da pen drive: -Eh! Mô pai... Vi o que chamei de: melhor beijo que vi numa novela angolana. Os protagonistas eram exactamente os dois jovens homossexuais. Foi um beijo e tanto, com direito a um agarra-agarra no elevador que os levava de um canto para o outro... Aproveito deixar uma “side-note” parabenizando os actores Pedro Hossi e Lialzio Almeida pela cena que foi bem realista, aliás, talvez realista até demais.

Olhei para mamã que tinha levado a mão ao queixo para ajudar a fechar a boca e confesso que fui tomada por uma chuva de inquietações.

Era a segunda vez que via algo do género na minha vida. Apesar de ter alguns kambas gays, eles preservam estas cenas por entender que não é algo ainda normal e nós, sociedade, precisamos de um preparo paulatino que nos permitirá ver isso sem anomalias. Segundo eles isso virá com o tempo.

Então a primeira vez que vi um beijo gay, foi na faculdade, quando dois deles empolgaram-se demais e houve um “bate-chapa”. A TPA providenciou-me a segunda experiência e foi diferente pelo facto de ter sido um beijo “molhado” e de não ter sido a única a ver. Nas palavras do meu amigo Sarchel quando se refere aos videoclips da Platina Line: o beijo “... teve estreia mundial...”

Quer dizer, a Globo leva um século à estrear uma cena de género e nós fizemos na nossa segunda novela. Mas e então, será que nos esquecemos do verdadeiro público da nossa televisão estatal? Falo-vos daqueles angolanos do Waku-kungo, Bailundo ou do Bunjei que também assistem televisão.

Se eu, que seria considerada a tal jovem moderna, exposta a globalização pela internet e pelos “ares internacionais”, fiquei um tanto ou quanto atónita com a cena que vi, como será que estes mais velhos reagiram a isso?

Aos que dizem que somos pessoas com fobias, não se trata de complexos e sim de responsabilidade. É importante que os responsáveis pelas nossas cadeias televisivas tenham em conta todo o seu público alvo e não somente aqueles que os interessam e cuja mentalidade pretendem formatar. A impressão que esta cena que foi precocemente ao ar ontem causou, é que os roteiristas escreveram a novela apenas a pensar nas pessoas que frequentam as noites da cidade de Luanda. O que mais uma vez reitera o facto de que para algumas pessoas, Angola tem duas classes sociais apenas, os muito ricos e a classe média, composta por intelectuais que frequentam universidades, estão sempre na noite e com bastante acesso a internet, por isso somos todos conservadores hipócritas com receio de aceitar aquilo que vimos com bastante frequência.

Os sobas, os reis, os angolanos que de uma forma ou de outra não fazem parte desta integração metropolitana, estes coitados que ainda vêem cenas do género como actos abomináveis, não passam por processos que cautelosamente os prepararão para aceitar a nova realidade até porque eles não existem nos mapas.

Esquecem-se estes roteiristas que são estes angolanos que mais assistem a televisão pública. Sim! Porque o público que a novela parece querer atingir é conhecido pelo uso excessivo das parabólicas, ou seja, muitas das vezes preferem os programas internacionais em detrimento dos nacionais.

Mas enfim... É esta a realidade que vivemos e felizmente ainda faço parte daqueles cuja cena ontem não afectou por completo, até porque se não fizesse, que alternativa teria... Iria queixar-me aonde?