Luanda - Existem pessoas e mesmo alguns partidos políticos que acreditam que Angola é um Estado Democrático de Direito. Por outro lado, existem outras pessoas e partidos políticos que também dizem que Angola não é nada um “Estado Democrático de Direito”. Afinal o que é Angola? Um outro terceiro grupo afirma que Angola é na verdade um país com Características de Estado Democrático de Direito.

Fonte: Club-k.net

Não consigo entender  a razão de tanta divergência de opiniões num país que faz este ano 40 anos de “independência nacional”, realizadas 3 eleições supostamente livres, justas e transparentes e a existência duma Constituição que consagra o país como um Estado Democrático de Direito.

Quando viajo por alguns países Africanos, mesmo aqui na vizinha Zâmbia, Congo Democrático ou África do Sul é difícil encontrar opiniões divergentes entre os cidadãos e actores políticos sobre a definição do sistema político e de governação de  seus países.

Neste contexto de divergências se Angola é ou não é um Estado Democrático de Direito torna-se complicado falar-se da eficácia das OSC. Acredito que foi mais fácil fazer esta mesma abordagem no tempo da colonização Portuguesa em que a diferença entre aqueles que defendiam  o povo e promoviam as suas aspirações de dignidade e integridade humana, justiça, liberdade e independência e àqueles que negavam tudo isto e mais alguma coisa estava bem  e claramente definida. Mas hoje é muito difícil fazer-se esta abordagem.

A pergunta que devemos fazer hoje é: onde estão as organizações da sociedade civil Angolana e quais são a sua eficácia hoje no contexto político, social e económico do país?

Não estou a me referir à Omunga, Mãos Livres, AJPD ou SOS-Habitat mas sim àquelas que no período colonial Português organizaram-se, mobilizaram-se e lutaram contra a opressão, colonização e exploração Portuguesa? Onde é que estão? Esfumaram-se todas, ou pior submeteram-se a cumplicidade do crime do silêncio pactuando no status quo da solidariedade elitista e exclusivista política contra todos os diferentes.

A maioria das organizações da sociedade civil que abordam questões políticas, sociais, económicas e de direitos humanos  têm os seus processos de legalização arquivados algures, num país que se define como “Estado Democrático de Direito”.

Num sistema de governação com características democráticas  simplesmente por se ter uma Constituição,  não se pode definir como democracia porque as práticas são completamente contrárias. Neste sistema o partido dominante se assume como a “ÙNICA VERDADE”  oficial de toda sociedade  e não permite nenhuma outra possibilidade da existência de outras verdades e opiniões válidas.

É só analisarmos o que aconteceu em Dezembro aquando da aprovação do OGE para 2015 e o que está acontecer agora. Num Estado Democrático de Direito onde a opinião dos diferentes é respeitada e considerada nada disto teria acontecido. O país teria evitado este grande fiasco do orçamento da ilusão. Contudo, que pelo menos haja humildade e coragem de se admitir que os diferentes tinham e têm razão, mas sabemos que isto nunca vai acontecer.

A lógica da governação com características democráticas é o uso da razão da força, do  monopólio e controlo político para a manutenção do poder e protecção dos interesses da elite que governa e dos seus  militantes que sobrevivem dos favores desta mesma elite; e nunca a força da razão que define todo o povo igual e com os mesmos direitos. Esta prática política é destrutiva e não tem nada a ver com os princípios dum Estado Democrático de Direito. Ela alicerça-se necessariamente na exclusão, discriminação, marginalização, perseguição e aniquilação de todos os outros que são de opinião diferente, origem diferente e que falam diferente.

As organizações, fundações e fundos da “dita” sociedade civil organizada inspirada por militantes do  partido dominante ou pelo próprio partido estão todas registadas e muitas delas a beneficiar arbitrariamente de avultados volumes de dinheiros públicos, nosso dinheiro, meu imposto, nossos impostos.

Não é verdade que todo este dinheiro que é distribuído para sustentar a bajulação e o medo é só do petróleo e dos diamantes. E mesmo que fosse, somos todos Angolanos e temos os mesmo direitos e tratamento num Estado “definido” como Democrático de Direito.

Num Estado com características de democracia a única fonte autorizada da verdade política, económica, social, cultural é o partido dominante e toda as suas instituições de mobilização e propaganda que usam os fundos públicos e órgãos de comunicação social para a intoxicação e manipulação da sociedade como a uma única verdade.  Neste contexto, o partido dominante estabelece-se como o centro de gravidade e direcção de toda vida política, social, cultural, religiosa e mesmo intelectual de toda sociedade e converte-se como Estado. A Sociedade é o Partido e o Partido é a Sociedade e nada é ou funciona fora dele.

O sistema político e de governação em Angola não aceita a manifestação do pluralismo político, social, económico, ideológico, social, intelectual e mesmo religioso.  Pode ser tolerado e acomodado mas nunca aceite. Hoje está a vista de todos os Angolanos quais são as igrejas que a governação reconhece e apoia abertamente ou debaixo da mesa com fundos públicos;  enquanto prossegue uma política e campanha subtil de ameaças e perseguição de outras confissões religiosas, usando leis caducas e antirreligiosas num país que se define como “Estado laico que respeita as liberdades e confissões religiosas dos cidadãos”. 

As organizações da sociedade civil são politicamente toleradas e acomodadas para a pretensão e disfarce da existência da pluralidade. A verdade é que elas  não são aceites e o seu trabalho de conscientização da cidadania, transparência, justiça social e  promoção dos direitos humanos  rotulado como ameaça ao poder  político estabelecido. O sistema político de governação de Angola foi e está alicerçado na intolerância, discriminação, exclusão, marginalização e aniquilação do diferente. E na realidade é isto que se passa com as organizações da sociedade civil em Angola.

Os órgãos públicos dum Estado com características democráticas negam “evasivamente” e não aceitam a legalização e existência de organizações que não servem os interesses da retenção e manutenção do poder político e da elite que governa. A governação usa a repressão violenta para eliminar qualquer possibilidade dos cidadãos se organizarem e planta a cultura do medo, assumindo uma postura de governação pré-histórica e destrutiva contra a crença na Tolerância, Diferença e no Pluralismo de ideias, pensamentos e acções.

Infelizmente, mesmo com 40 anos de independência e 13 anos de paz, o demónio da desconfiança e definição do inimigo ainda é uma realidade e prática na governação  em Angola. Os cidadãos todos, mesmo aqueles que governam o país precisam de libertarem-se destes demónios e vivermos todos livres, em harmonia e aceitação um do outro. Infelizmente, num sistema de governação a discriminação, exclusão,  marginalização e o aniquilamento das organizações da sociedade civil torna-se uma necessidade para sobrevivência do poder político estabelecido.

Num contexto onde os preceitos constitucionais e legais são subalternizados, manipulados e violados pela ´única` ideologia do partido dominante e pelos interesses dos que detêm o poder político e de governação, não é possível o desenvolvimento e a actuação eficaz das organizações da sociedade civil. O objectivo principal dos regimes com características democráticas é o enfraquecimento e a eliminação de tudo e todos que são diferentes.

Uma governação com características de democracia tem a sua natureza e essência na desconfiança, e acredita na arregimentação de todas as forças vivas da sociedade e não é por acaso que classificam os seus como sociedade civil organizada e os outros como frustrados. 

Até agora as organizações da sociedade civil, sobrevivem de solidariedade apoios externos porque internamente tudo está fechado aos que são diferentes, mesmo que estes paguem impostos ao governo.  A governação do Estado com características de democracia açambarca todos os financiamentos públicos e privados, incluindo das empresas multinacionais petrolíferas e distribui arbitrariamente para as organizações, fundações e fundos criados por si e cria proibições políticas e impedem outras organizações  que são diferentes de acederem à estes financiamentos. O circuito está fechado e é assim que funciona um Estado com características democráticas. Tudo é monopolizado e controlado para o seu auto-benefício e contínua sobrevivência.

Os financiamentos externos para as organizações da sociedade civil estão cada vez mais escassos, difíceis e muitas destas organizações tarde ou cedo terão de fechar as portas. Esta dependência aos financiamentos externos  legitima “intencionalmente” as acusações de que estas organizações estão a serviço dos interesses estrangeiros e são inimigas do povo e oposição ao governo. A dependência de financiamentos externos e consequentemente o desaparecimento das organizações não beneficia a construção da verdadeira democracia. Os fundos públicos, os impostos dos cidadãos honestos não podem ser usados pelo governo duma forma arbitrária, discriminatória, exclusivista e de aniquilamento dos diferentes. Mas sim duma forma justa e transparente beneficiar a todos.

O obejectivo principal da governação com características democráticas é sufocar e fazer desaparecer as organizações da sociedade civil e desta forma eliminar aquilo que chamam de críticos da esquerda – agora, estou confuso,  já não sei quem é da esquerda e quem é da direita-. O futuro das organizações da sociedade civil não é nada boa porque a governação não está interessada na sua existência, especialização e eficácia, e por isso quanto mais cedo desaparecerem  melhor.

A eficácia e sustentabilidade das organizações da sociedade civil em Angola  só mudará quando existir uma governação que vela pelos interesses de todos os cidadãos e organizações e que administra e distribui as riquezas do país duma forma justa, inclusiva, transparente e isenta de prestação de  serviços de bajulação e favores. O dinheiro é público, fruto dos impostos dos cidadãos, do petróleo e diamantes e deve beneficiar todos. A governação tem de deixar de ter o monopólio e controlo da vida das pessoas e da sociedade. Os cidadãos devem começar a controlar a prática da governação e denunciar os excessos e as violações constitucionais. A governação verdadeiramente democrática não serve somente os militantes do partido dominante, deixando os outros cidadãos na indigência e empobrecimento político, estrutural e sistémico. Os cidadãos e a sociedade precisa de libertar-se deste monopólio e controlo das suas vidas pelos poderes políticos que discriminam, excluem, marginalizam e aniquilam tudo e todos que são diferentes, pensam diferente e falam diferente. Angola precisa de espaços comuns da construção da pluralidade, diversidade e democracia para todos os diferentes e não somente para todos os parecidos. Não se constrói a verdadeira democracia só com os parecidos, e os que pensam como nós, mas sim com os  diferentes, com aqueles que pensam diferente e as organizações da sociedade civil são uma parte deste diferente que se define constitucionalmente como  “Estado democrático de direito”.

Director da OSISA-Angola