Luanda - Dois cidadãos quenianos, que tinham sido recrutados no seu país de origem para prestar trabalhos no ramo da construção civil em Angola, foram recentemente libertados de um cárcere privado onde estiveram durante mais de dois anos.

*Ilídio Manuel

Fonte: SA

Fredick kongol e Jacob Okwanyo estiveram sob cativeiro no estaleiro de uma obra no município de Viana, pertença da empresa Afrotrack, cuja titularidade é atribuída a uma expatriada etíope, identificada apenas por Sabena.

Segundo dados obtidos pelo Semanário Angolense, a empresa em causa tem a sua sede em Naibori e uma representação em Luanda.

Em 2010, os referidos operários deixaram o seu país de origem com destino a Angola, com a promessa de que iriam auferir melhores salários e outras regalias no nosso país.

Postos no terreno, os operários de construção, que fazem parte de um grupo de mais nove elementos da mesma nacionalidade, viram-se confrontados com uma realidade bastante cruel, muito longe dos que lhes tinha sido prometido. Não só ficaram privados dos seus passaportes, como também impedidos de abandonar o local onde viviam.

Segundo uma cidadã daquele país, que reside há vários anos Angola, conhecida por «Mama Quénia», eles, não só «viviam em condições deploráveis, como também estavam impedidos de estabelecer qualquer contacto com o mundo exterior».

Há denúncias de que os lesados trabalhavam, sem nenhum contrato de trabalho, «durante doze horas por dia, sete dias por semana, sem direito a um salário digno desse nome». Consta ainda que as vítimas recebiam apenas dez (10) mil kwanzas mensais para se alimentarem, de forma a disporem de força suficiente para trabalhar no dia seguinte, num regime de quase escravatura.

Além das privações de liberdade, as vítimas teriam sido também alvo de ameaças por parte da expatriada etíope, que gabava gozar de «muitas influências» no seio da nomenclatura política em Angola. Diz-se mesmo que ela terá dito, em distintas ocasiões, que nada lhe aconteceria, dada as supostas alianças que mantém com figuras do poder político e militar no nosso país.

Mal-estar em Nairobi

No começo deste mês, um dos trabalhadores conseguiu, finalmente, denunciar a situação de maus tratos de que ele e os seus colegas estariam a ser sujeitos em Angola. Em função disso, um oficial do Serviço de Migração e Fronteiras (SME) intimou a direcção da empresa construtora a efectuar à devolução dos passaportes das vítimas, ao que esta se negou a fazê-lo.

A situação viria, no entanto, a inverter-se, após um dos lesados, ter alertado um dos seus familiares residentes naquele país da África Oriental sobre a condição de cativeiro que ele e seus pares se encontravam em Angola. Este, por sua vez, levaria o caso ao jornal queniano «Saturday Nation», que muito recentemente publicara uma demolidora notícia sobre o assunto.

A divulgação desta matéria, não só viria a causar um clima de mal-estar naquele país da África Oriental, como também provocaria uma enérgica reacção por parte do Governo de Nairobi, que solicitou ao Executivo angolano, por via do Ministério das Relações Exteriores, explicações, ao mesmo tempo que pedia para que desbloqueasse o imbróglio.

Em Luanda foram feitas algumas diligências junto de entidades afectas ao Comando Provincial da Polícia Nacional, que, por sua vez, orientaram os operativos da Esquadra do Capalanca, em Viana, para libertarem os dois trabalhadores, algo que viria a acontecer na semana passada.

Ante à recusa da «patroa» da Afrotrack libertar os passaportes, o Governo queniano decidiu, no dia 08, por via da sua representação diplomática na capital namibiana enviar a Angola dois salvos condutos para permitir a saída dos seus concidadãos de Angola.

Quando, no passado dia 08, tudo apontava que eles iriam, finalmente, sair de Angola, acabariam, no entanto, por ser detidos no aeroporto internacional 4 de Fevereiro, curiosamente, pelos mesmos polícias que os haviam libertado do cárcere privado.

Dados obtidos por este jornal apontam no sentido de que a detenção dos referidos operários terá resultado de influências movidas por Sabena, supostamente mancomunada com o comandante da esquadra do Capalanca, conhecido por Milagres.

Terá sido este oficial da polícia a ordenar que os mesmos fossem levados para as celas da cadeia do Zango Zero, muito longe da sua área de jurisdição. De igual modo, terá sido ele a ordenar a detenção de dois amigos das vítimas, que terão cometido o único «crime» de se terem deslocado ao aeroporto para se despedirem dos lesados. Trata-se dos cidadaõs quenianos John Okwanyo e Jairus Waituka.

O responsável policial terá alegado que a detenção dos quatro elementos teria a ver com uma suposta falsificação de documentos de viagem, assim como por alegadamente terem vazado informações tidas como «comprometedoras» ao jornal «Saturday Nation».

Não obstante as movimentações feitas, tanto pelo ministro das Relações Exteriores, George Chicoti, como também pelos advogados das vítimas, estas acabariam por ficar detidas durante três dias, sem que a sua detenção tivesse sido legalizada pelo representante do PGR naquela esquadra, Afonso Camidando. Aliás, este terá mesmo impedido que um dos advogados contactasse com um dos seus constituintes, na altura em que se encontrava detido.

A libertação dos quatro cidadãos estrangeiros viria a ocorrer por influência directa da PGR e devido às diligências movidas pelo titular da pasta do MIREX, que indicara a representante da Organização Internacional das Migrações (OIM) para acompanhar todo o desenrolar do processo.

Há informações de que ainda nove cidadãos daquele país se encontram sob cativeiro nos estaleiros da referida firma.

O Semanário Angolense tentou, sem sucesso, ouvir a versão da empresária Sabena.

IM