Luanda - Nunca um beijo que nem um segundo deve ter demorado, foi tema para tantas e tão prolongadas/acaloradas/alérgicas reacções, a projectar um clima social meio estranho, como se estivéssemos a ser invadidos por rebarbados marcianos.

Fonte: OPais

Os especialistas nesta “arte labial” de nos aproximarmos do parceiro ou da parceira com segundas intenções, dizem que aquilo nem sequer pode ser considerado a rigor um beijo na boca.

Estamos a falar daquele famoso que pode evoluir rapidamente do xoxo para o linguado e depois por aí abaixo, em função do investimento feito na relação por quem toma a iniciativa.

No limite, adiantam os nossos consultores do outro lado do Atlântico, aquilo que toda a gente viu no “Jikulumesso” e continua a ver nas redes sociais através da imortalização da imagem que, entretanto, ficou viral, foi tão somente um “selinho”.

O que é facto é que a história da ficção angolana registou o seu primeiro “beijo gay”, depois de, na anterior “ideia original” chamada “Windeck”, as coisas terem estado muito próximas de uma tal concretização mas com protagonistas do outro lado da barricada, isto é, do sexo oposto.

Acredito que se a anterior telenovela da Semba tivesse tido o “mérito histórico” de ter introduzido o “beijo gay”, não haveria tanta celeuma, porque as pessoas não dariam a mesma importância por se tratarem de duas mulheres. Com homens a coisa muda de figura.

Afinal de contas e por alguma razão, a sociedade angolana continua ser bastante machista.

Temos assim um “beijo gay” a destacar-se na paisagem urbana dos nossos domésticos conflitos, como sendo o mais recente e fracturante tema da agenda sócio-política.

Entre os vários e desencontrados pontos de vista, talvez o politicamente mais sensível seja aquele que tem os contornos de uma teoria da conspiração, segundo a qual estará a movimentar-se entre nós um poderoso lobby pró-gay que visa dinamitar os fundamentos da família angolana.

Nem de perto, nem de longe chegaria a tanto nos meus receios, que espero que não sejam confundidos com nenhuma postura clássica mais homofóbica, da qual sempre me demarquei por razões de principio.

Entendo que as pessoas adultas devem ter toda a liberdade para abraçarem a orientação sexual que melhor se adequar à sua forma de viverem e de amarem e que por tal razão não devem ser hostilizadas.

Continuo bastante confiante na força e abrangência da família tradicional como sendo o núcleo base de qualquer sociedade, mesmo as ditas mais “avançadas”, onde o fenómeno da homossexualidade já tem hoje uma outra expressão quantitativa e qualitativa, a tal ponto que a lei já vai permitindo o surgimento de uma nova família com base no casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Não é, certamente, o caso angolano pelo que também me causa alguma estranheza que este tema tenha tanta visibilidade no contexto das “ideias originais” que estão na base dos argumentos das telenovelas da Semba que a TPA tem vindo a transmitir.

Aí já me parece que haja um pequeno problema, pois a TPA não pode ser confundida com um dos milhares canais que hoje povoam as plataformas digitais, ao nível do satélite e do cabo, de distribuição de conteúdos televisivos.

O problema é que a nossa lei de imprensa que regulamenta o funcionamento de todos os médias, é basicamente puritana e de facto estabelece balizas que podem ser utilizadas como instrumentos de censura legítima, por quem entender que o “beijo gay” é um destes limites que não pode ser ultrapassado em nome da defesa  do interesse público.

Uma das traves a mestras deste interesse é a promoção dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, o que dá, de facto e de jure, pano para muitas mangas na hora de se avaliar se a TPA pode/deve ou não dar cobertura a este tipo de abordagem que tem para os subscritores da teoria da conspiração  outras intenções mais desestruturantes.

Em qualquer dos cenários que possa ser tido e achado nesta avaliação do “day after” provocado pelo histórico “beijo gay”, entendemos que se a “ideia original” era apenas provocar o debate, o que temos hoje é apenas um confronto tenso que não é, certamente, o melhor clima para debater seja o que for.

Antes pelo contrário e por tão pouco, que foi aquele “selinho”.

NA- In Secos e Molhados/Revista Vida/ O País (13-02-15)