Luanda - No final do ano transacto, publicamos uma entrevista que nos foi concedida pela esposa do então Comandante Provincial de Luanda, Joaquim Vieira Ribeiro, também conhecido por “Quim Ribeiro, a senhora Luzia Batalha e, na altura, prometemos publicar outras entrevistas com as demais esposas dos oficiais condenados neste celebre processo.

Fonte: Club-k.net

Hoje cabe a vez da esposa do então Director Provincial da Investigação Criminal de Luanda, António João, a senhora Rosa Cravid.

C.K- As senhoras desde o início deste processo que clamavam por justiça, será que foi feita a justiça que esperavam?

Rosa Cravid - Não foi feita justiça nenhuma, porque eu e as outras senhoras esposas dos oficiais que foram implicados neste caso acompanhamos a par e a passo todo o processo, desde as primeiras detenções até ao julgamento. Por tudo aquilo que nós ouvimos durante cerca de ano e meio de julgamento nada de justiça, absolutamente nada, se produziu em termos de provas para as condenações anunciadas. Só para melhor esclarecer o que aqui afirmo, o meu marido foi condenado com fundamento de que ele e outros colegas se apoderaram dos valores que alguns trabalhadores do BNA desviaram daquela instituição e que foram apreendidos por alguns agentes da Policia Nacional, e aliás, todo este processo começou por causa desse dinheiro, já que a própria acusação que foi lida em Tribunal começa justamente por aí. Mas durante todo o julgamento o dinheiro que era do BNA, de repente passou a ser de uma senhora nome Teresa Pintinho, mulher de um trabalhador do Banco, o senhor Fernando Gomes Monteiro, que disse que ganhou esse dinheiro a vender no Roque Santeiro. E o Procurador Adão Adriano que dirigiu este processo, assinou a acusação e acompanhou o julgamento, ao invés de defender o Estado, sustentando a sua acusação que dizia que o dinheiro era do Estado, mudou o disco e passou a dizer também que o dinheiro era da senhora.

Se isso era verdade, então pergunto, aonde é que foram buscar a versão de que o meu marido e colegas ficaram com o dinheiro apreendido do BNA? Agora o mais importante: Este mesmo dinheiro, e isto o senhor Procurador Adão Adriano e o Supremo Tribunal Militar sabiam, deu lugar a um outro processo que estava a ser julgado na 8a Secção do Tribunal Provincial de Luanda com o no1578/10, em que o marido da senhora Teresa Pintinho estava preso, o mesmo processo foi instruído pela PGR, por isso o Procurador Adão Adriano sabia da existência do mesmo processo, onde o próprio BNA foi chamado no julgamento da 8a Secção a confirmar se ouve ou não desvio do seu dinheiro, contrariaram, dizendo que não desapareceu dinheiro nenhum, razão pela qual todas as pessoas que estavam a ser acusadas naquele processo foram absolvidas e soltas. Se a causa das mortes é o dinheiro do BNA e se este Banco vem dizer que não lhe roubaram dinheiro nenhum como podem condenar estes oficiais que a mais de 20 anos sempre serviram de forma abnegada a Pátria e a Corporação? Será que os responsáveis máximos deste país, em especial o camarada Presidente José Eduardo dos Santos não acompanham estas situações que mancham a imagem do país e da justiça?

 

C.K- Então o Plenário do Supremo Tribunal Militar confirmou as condenações e agravou as penas aplicadas inicialmente, isto não traduz a verdade dos factos?

Mas os juízes do Tribunal que julgou primeiro e os do Tribunal que apreciou o recurso são as mesmas pessoas, não tinha como as coisas serem diferentes, porque o que eles queriam é que os nossos maridos aceitassem as penas que lhes foram aplicadas como se de um grande favor se tratasse. E não tenho receio de afirmar aqui e desafio quem quer que seja porque temos como provar, que estas condenações foram por encomenda, alias, o meu marido foi chamado pelo Procurador Beato Paulo e a Procuradora Júlia Lacerda ainda quando o processo estava na PGR, isto é, antes do julgamento, para aceitar uma proposta suja de suborno, eles queriam que ele acusasse o Comandante Quim Ribeiro como mandante do crime de homicídio, para em troca conseguir a liberdade, e diziam‐lhe que ele era muito jovem e tinha uma carreira pela frente que deveria preservar, por isso se acusasse o Comandante Quim ele seria solto, como foi solto o Augusto Viana, que de todos, é o único que não ficou preso porque aceitou fazer o jogo deles, acusando falsamente os colegas e o Comandante que lhe fez homem e lhe promoveu. É só vocês analisarem o cenário de como o Augusto Viana de principal suspeito das mortes de Joãozinho e Mizalaqui foi transformado de dia para noite em testemunha chave. Até o falecido Joãozinho antes de morrer deixou uma carta a avisar que se ele aparecesse morto teria sido o Viana o matador. De repente este mesmo Viana, de matador passou a ser a única prova da PGR para a acusação e condenação dos nossos maridos, inclusive até em pleno julgamento, o senhor Subcomissário Tiago Caliva que fez parte da Comissão de Inquérito do Ministério do Interior, disse sem rodeios, e isto está nas actas do julgamento, que o falecido Joãozinho no terceiro momento em que foi ouvido pela Comissão, na cadeia de Viana, disse que pressentia que quando sair da cadeia seria morto e quem lhe iria matar se chama Augusto Viana. Com estas declarações feitas em Julgamento qual seria a atitude de um Tribunal sério e imparcial? Espero que os entendidos na matéria venham publicamente nos esclarecer.

O Tribunal no julgamento soltaram mais alguns oficiais presos para darem a entender que os que foram condenados é porque na realidade cometeram os crimes de que vinham acusados, mas o alvo principal era o Comandante Quim e seus mais directos colaboradores, entre eles o meu marido, que são aqueles que ficaram na cadeia, porque muitos dos que ficaram presos antes era só para florear a injustiça que cometeram. Mas não há nada que se passa de baixo da terra que não vem ao de cima, e a verdade dos factos neste caso não morrerá solteira.

 

C.K ‐ Então, se bem entendemos, caso o seu marido aceitasse a dita proposta, hoje estaria em liberdade? E porque é que não aceitou?

Claro que estaria em liberdade. Esses elementos sujos da PGR prometeram isso mesmo. Ele não aceitou essa proposta, e ainda conversou comigo sobre isso quando lhe fui visitar, porque ele me disse: Minha mulher, eu não poderei fazer isso que eles querem, porque o Comandante nunca me deu essa ordem ou me falou nisso. Como é que eu agora vou no tribunal e dizer que ele disse isso? Não vou conseguir lhe olhar nos olhos e dizer na cara dele uma coisa que ele nunca me falou. Prefiro ficar na cadeia, porque se fizer isso, nunca mais vou conseguir me olhar no espelho, nem nunca mais vou conseguir olhar na cara dos nossos filhos, perderei toda honra que o meu pai me deu e serei um sujo como eles.

 

C.K ‐ E qual foi a resposta que a senhora deu ao seu marido nessa ocasião?

Apenas lhe disse que ele deveria agir de acordo com a sua consciência. Ía lhe falar mais quê, meu filho? Gostaria ainda de acrescentar em relação aos dinheiros, que a senhora Teresa Pintinho sempre disse desde o início deste processo que os valores apreendidos na sua residência eram kwanzas e que foram elementos ligados a PGR que a pressionaram e amaçaram‐lhe a dizer que eram dólares porque queriam a todo o custo condenar os homens, como atestam as copias de dois requerimentos que os nossos Advogados tiveram acesso feitos pelo advogado da família de Teresa Pintinho, que deixo aqui ficar para confirmação do que acabei de dizer. Estas cópias foram‐nos dadas pelos advogados para compreendermos que o processo dos nossos maridos não é um caso eminentemente jurídico, mas também e essencialmente político. Por isso é que, com todas as provas de que eles são inocentes foram condenados e todas as portas se fecharam até mesmo do Tribunal Constitucional, que a título de exemplo levou mais de um ano e meio para responder, indeferindo um requerimento de habeas corpus e quando nós as esposas dos presos fossemos lá pedir uma audiência ao Presidente daquele Tribunal, ele até com vergonha nos fugia.

Até as pessoas que antes diziam que eram amigas também desapareceram. Outros fingem que querem ajudar, prometem, mas de seguida desaparecem. Mas Deus escreve direito por linhas tortas e a verdade triunfará. Nós sabíamos antecipadamente quais eram as penas que lhes iriam aplicar porque também temos familiares dentro destas instituições e muitas de nós trabalhamos nestes órgãos e a mensagem passava. Isto era dito antes do julgamento terminar. É sério um Tribunal que age desta maneira? As pessoas hoje não se importam com o sofrimento dos outros, mas lembram‐se que um dia se a moda pega esta mesma situação pode vir a se repetir com outras pessoas e família, só que depois será tarde para parar com estas injustiças.

 

C.K ‐ A senhora disse que o Tribunal que julgou em primeira instância e em segunda instancia é o mesmo, mas o Tribunal Constitucional deu razão a estes Tribunais que decidiram pela condenação, não estará aqui a confirmação de que as provas foram suficientes para sustentar a condenação?

Nós não queremos sequer ouvir falar deste Tribunal Constitucional que para nós era a ultima esperança para que a justiça triunfasse, mais foi o pior de todos e transformou‐se no nosso pesadelo.

Por isso nós pedimos aos nossos Advogados para levar este assunto as instituições internacionais para denunciar a forma grosseira como a Constituição e as Convenções internacionais são violadas neste país. Tudo porque soubemos que é uma regra universal que ninguém deve ser condenado sem provas e que na dúvida a decisão deve ser a favor dos presos. Não foi o que aconteceu neste caso. E desafiamos o Mais Alto Mandatário da Nação para que mande inquirir este caso com pessoas idóneas e imparciais e facilmente chegarão a conclusão que as condenações foram feitas com base em mentiras e invenções, desde testemunhas inventadas, torturas e outras sevicias, como por exemplo, o facto de terem colocado os presos a dormir, a comer e a fazer as necessidades maiores e menores no mesmo sitio. E isto tudo foi feito por uma Procuradoria Geral da República, através de pessoas com responsabilidades ao mais alto nível daquela instituição. O que podemos esperar da justiça do país quando a instituição que deve fiscalizar a legalidade é a primeira a violar esta mesma legalidade.

E não estou a dizer isto só porque o meu marido está preso, mas por ser esta a verdade que pode se repetir com o marido, filho ou parente de quem hoje não nos quer ouvir e se solidarizar.

Enfim são tantas as coisas más que se passaram neste caso que dava para produzir mais de dois filmes.

Nós ainda assim acreditamos que Deus vai fazer justiça, já que a justiça dos homens é por conveniência, mas a do senhor é só justiça.