Luanda - O desenvolvimento de um país mede-se pelo índice do desenvolvimento humano. Num país onde imperam as actividades lúdicas em detrimento das actividades académicas, deixa uma mensagem: vivamos o presente e deixemos o futuro nas mãos dos deuses; e é esta ética que vai fazendo caminho desde 2002, quando as armas se calaram. Desde lá, o pensamento que foi vincando desvinculou o presente ao passado e é assim que não estranha vermos situações caricatas, como por exemplo, os episódios recentes, onde um telemóvel chega a valer mais em relação a uma vida humana.

 

Fonte: Club-k.net

Dói a alma ver como a informação é manipulada na TV

Olhando para o fenómeno sociocultural, religioso e geopolítico são notórios problemas desoladores que nos impedem de enxergar perspectivas de futuro, que nos encha de esperança. O desencanto é patente e às vezes chegamos a pensar que a nossa riqueza é também a nossa maldição.

 

Problemas sérios que vão dizimando o tecido ético-cultural são abafados e nos distraem com as Rev’s, os curtis e as festas onde impera o culto do fútil e do volátil, onde os jovens se perdem na escuridão da noite e vão se consumindo no álcool, na droga e na prostituição.

 

A sanidade mental e intelectual de um país verifica-se nas escolhas que os seus habitantes fazem, e no grau de maturidade com que tratam os problemas relacionados à existência humana. Avaliando a sociedade angolana encontramos indicadores que denotam um falso progresso e um desenvolvimento virtual que faz de Angola um poço de sérios problemas a todos os níveis. Basta chamar por exemplos corriqueiros de jovens que cometem homicídio ou suicídio supostamente por amor; basta lembrar os pais pedófilos que se envolvem com as suas filhas e dos filhos que agridem sexualmente as suas mães para percebermos que a história está consumada apenas nós teimamos em viver nela.

 

Vive-se apressadamente o presente e esquece-se o futuro. O presente é o que importa, por isso os jovens aprenderam dos mais velhos a ganhar dinheiro fácil. Não estranha o flagelo da corrupção espalhar-se rapidamente como uma epidemia mortífera. A corrupção e a falta de seriedade foram normalizadas. O problema da saúde e da educação, o problema do saneamento básico, da energia e da água tornaram-se tão banais, a ponto de carecerem de interesse. Por isso, inventamos novos problemas alheios à nossa realidade socio-histórica: o homossexualismo, a prostituição. Como disse o poeta: «Perdemos vergonha de ter vergonha».

 

Há tempos eu pensava que a preocupação do Estado estava direccionada àqueles sectores da sociedade que trabalham directamente com o homem. Pensava que os professores seriam bem pagos para ministrarem com eficiência, eficácia, competência e responsabilidade o seu ofício inigualável de reparadores de mentes dormentes; pensei que investiriam mais na saúde; pensei que os problemas de energia e água seriam apenas uma triste lembrança depois de 13 anos desde que conquistamos a ‘paz’. Mas entristeci quando percebi que pensei errado, quando dei de cara com uma realidade estressante e frustrante. Vi professores a fazerem passar alunos a troco de míseros kwanzas; vi enfermeiras a atenderem mal seus pacientes e acomodarem-se nas salas de lazer dos hospitais para assistir a TV. Vi e ouvi na TV falarem de água para todos mas fui constatar ‘in loco’ e vi uma realidade oposta: um fontenário construído para abastecer um bairro inteiro. Vi postos de atendimento ao público tão lotados que até aquilo enervava os transeuntes. Vi toda uma sociedade covarde que não fala, não reclama, mesmo quando a sua vida corre perigo.

 

Uma sociedade que investe milhares de milhões num desporto sem qualidade nem crédito; uma sociedade que constrói estádios e pavilhões ao invés de escolas é uma sociedade pueril que pretende mostrar ao mundo uma imagem de si que destoa ao confrontar o virtual com o real. Eu não preciso de estádios nem de pavilhões, eu preciso é de escolas; eu não preciso de carros de luxo a desfilarem as estradas esburacadas das nossas cidades empoeiradas, eu preciso é de hospitais com um atendimento sem igual; eu não preciso queimar etapas, ignorando fases necessárias na construção de um país, eu preciso é de organização social, e acima de tudo, eu preciso de paz, sim de PAZ; mas não essa paz cujo timoneiro é Zé Dú, eu quero aquela paz sonhada por Nzinga Mbandi, Mutu-Ya-Kevela, Mandume, Kimpa Vita, Ekukui, Katyavala, defendida por Holden Roberto, Agostinho Neto, Jonas Savimbi e hoje protegida por jovens mártires como Fulupinga, Alves Kamulingue, Isaías Cassule e todo um rol de homens e mulheres que não se importam em dar a sua vida para a realização da utopia dos nossos maiores que morreram para termos um país melhor, um país que dista quilómetros de distância deste, no qual nos encontramos; eles sonharam um país onde o autóctone não viva como um interino na sua própria terra. Eu não quero muito, quero apenas o que não me querem dar: uma divisão justa da riqueza que jaz no subsolo angolano. Não preciso desta paz militar que para a defender e proteger silenciam os oponentes do sistema. Podeis silenciar-me, mas acreditem: ficarem a vossa espera no inferno.

 

Não vejo futuro num país onde os cidadãos fazem tudo pensando no dinheiro e no lucro. Uma sociedade hipócrita não deixa paradigmas educacionais à posteridade. Há tanta estupidez que penso que o orgulho, a burrice e a teimosia, serão o único legado que deixaremos para as gerações vindouras.

 

Sociedade desencantada! Dói a alma ver como a informação é manipulada na TV, nos jornais e até na Rádio. Já cheguei a pensar como eles que “Angola é um canteiro de obras”. Hoje compreendi que é sim um canteiro de obras fracassadas. Pinta-se discursos bonitos que não são postos nunca em prática. Vejam o problema que mexeu com a economia angolana: o petróleo. Quem mais está a sofrer com isso? Nós, a réstia de Angola. Eles, atolados nas poltronas fofas de suas casas, vão pensando em outras inventivas para roubar até o pouco que nos sobrou de tanto pelejar contra a corrente. Essa maldição vem-nos lá no tempo de JESUS quando disse: «a todo aquele que tem será dado e terá em abundância, mas daquele que não tem, até o que tem será tirado» (Mt 25,29) e ainda noutro passo repetirá: «Na verdade, sempre tereis os pobres convosco» (Mt 26,11).

 

Vejam até onde chegamos: preferem matar e desrespeitar a dignidade da pessoa humana para defender um sistema obsoleto. Como está o processo de Laurinda Gouveia? Estão a nos fazer esquecer, não querem responsabilizar criminalmente aqueles brutamontes que feriram no corpo e na alma uma jovem indefesa que não comunga das suas ideias ultrapassadas, isso demonstra o nível de seriedade do nosso sistema jurídico. E assim, novos problemas estão à espreita: crise de autoridade, inexistência de pontos de referência, auto-ódio ante o fracasso.

 

Apesar disso, eu vi jovens que não se deixam intimidar. Expõem a sua vida constantemente em perigos; esses são os heróis desse povo sofrido que tem medo de reclamar. Emocionou-me as palavras do poeta: «Eu já estou morto e eles já nada podem contra um morto, então que ouçam o que o morto tem para lhes dizer».