Luanda - Depois de já ter publicamente assumido que a profissão que gostaria de ter se não tivesse a que tenho seria a de jardineiro, têm-me vindo a chover outras ideias, mais ou menos brilhantes, a propósito desta alternativa.
Fonte: Vida
Uma chuva miudinha e irrequieta, tendo sempre por pano de fundo o contexto problemático da cidade que me viu nascer, crescer e que algum dia, provavelmente, me verá partir rumo à desconhecida eternidade, que já esteve mais distante.
Espero, sinceramente, não ir desta para melhor numa outra cidade que não seja esta que é a minha e que tanto me tem inspirado para o bem e para o mal, na hora de ir encontrando os motivos que têm servindo para juntar intermináveis palavras já gastas no exercício desta correspondência permanente que tenho vindo a manter com um público indefinido, do qual também faço parte.
Agora por ocasião da passagem do carnaval 2015, veio-me a ideia de criar um bloco de jardineiros para desfilar na Marginal e nos bairros, com o propósito de promover a arborização da cidade com a utilização de múltiplos recursos, onde não seriam incluídas as caríssimas palmeiras exóticas.
O objectivo mais urgente e já com sabor a desespero diante de alguma impotência que se vai acumulando seria, contudo, não deixar morrer as poucas zonas verdes herdadas do tempo colonial, que todos os dias correm o sério de risco de perder mais uns metros quadrados, em benefício do todo poderoso e expansionista “gangue do betão armado”.
Sempre que vejo jardins municipais a serem fechados para “requalificações” que nunca mais acabam, como são os casos mais recentes do Largo do Ambiente e do meu antigo Liceu, o Salvador Correia, ele próprio também submetido a uma eterna e dolorosa intervenção, o meu coração apaixonado por esta cidade começa bater mais forte com estranhas e premonitórias arritmias.
Logo a seguir, começo a ver poderosas brocas a serem instaladas no local, o que quer dizer que estão a escavar o subsolo para fazer fundações.
Depois oiço a conversa de que ali, para aproveitar melhor o espaço, vão construir um subterrâneo parque de estacionamento público em mais um “dejá vu”.
A nossa memória que tem como referência a forma algo misteriosa como o largo Juluis Fucik ao lado da Biker, desapareceu do mapa e nas barbas do “nosso Pravda”, que não tugiu, nem mugiu, diante daquela privatização do património público.
É por isso que uns dias depois começo a sonhar acordado com mais uma torre de betão armado que começou a ser ali edificada onde era e deveria continuar a ser um verdejante e espaçoso jardim para a cidade respirar um pouco de ar puro.
Ainda no mesmo contexto a outra ideia era desafiar o já mencionado gangue a constituir-se também ele num bloco carnavalesco para, na praça pública, se discutir o tema zonas verdes versus betão em nome da defesa do interesse público versus interesse do imobiliário.
Penso que este é o grande desafio de todas as cidades que estão a crescer rapidamente na vertical, mas que não podem ignorar nunca esta noção do equilíbrio entre o que é verde e o que é cinzento, evitando-se assim o que se está passar em Luanda, onde os licenciamentos das grandes obras, não têm em conta o critério da zona verde circundante que tem necessariamente de ser respeitado.
Nas novas centralidades que o Estado está a criar e pelo que vejo, acredito que, minimamente, esta relação já esteja a ser tida em devida conta, de acordo com algumas exigências que já fazem parte das boas práticas internacionais em matéria de urbanização mais saudável.
O mesmo já não se passará, certamente, com muitas das torres privadas que agora estão a nascer como cogumelos em todos os becos e vielas da cidade de Luanda, onde para tal se devem pagar fortunas em “luvas” a quem de direito, para se emitirem as competentes licenças, que acabam sempre por sair, mesmo que antes sejam precedidas de embargos para inglês ver e ainda encarecer mais a autorização definitiva.
O verde e cinzento podem/têm de coabitar, mas não da forma como está a acontecer em Luanda, onde o primeiro já perdeu toda a protecção de quem mais o deveria defender e por tão poucos milhões…
NA- In Secos e Molhados/Revista Vida /O País (20-02-15)