Luanda - Já lá vão quase três meses desde que soou o alarme dentro da estrutura governamental de Angola a alerta que a “galinha de ovos dourados” (o petróleo) estava doente e não iria produzir a quantidade de ouro necessário para sustentar os projectos e as vaidades programadas para o ano de 2015. Uma medida imediata para reduzir o impacto negativo da redução dos ovos dourados foi o pronunciamento do presidente a chamar os angolanos a apertarem os cintos. Aliás não se esperava uma medida diferente desta.

Fonte: Club-k.net

No discurso sobre o estado da Nação pronunciado no Parlamento em Outubro de 2014, o PR alertara sobre o perigo da queda constante dos preços do Petróleo e como condicionava as receitas públicas. Naquela altura o preço do petróleo ainda oscilavam entre os 81 e 85 dólares por barril, quando o preço de referrência do OGE para o barril era de 98 dólares. O PR considerava que era urgente implementar‐se (finalmente) a tão propalada (canção da) diversificação da economia para reduzir‐se a dependência do petróleo. Era necessário fazer‐se uma gestão parcimoniosa através de uma maior racionalidade das despesas e uma maior arrecadação de receitas não petrolíferas. Anunciou igualmente uma maior atenção à arrecadação de impostos.

Pelo pronunciamento do PR podiamos depreender que as coisas estavam mesmo feias, pois que ao longo dos vários anos que o conhecemos como presidente de Angola é muito difícil de o vermos a falar com tantas incertezas e receios. Mesmo nos anos de guerra, os seus discursos transmitiam sempre certezas no que se iria fazer. Mesmo no recente encontro do Conselho da República deu para ver que há uma grande preocupação com o “estado de saúde da galinha de ovos dourados”.

Por altura dos discursos do final do ano e com o corpo diplomático acreditado em Angola, o preço do barril do petróleo já estava a oscilar entre os 48 e os 55 dólares. O PR finalmente disse algo mágico: que a crise abre espaço para a criatividade. Em outras palavras, a partir deste momento o governo angolano iria (finalmente) promover a criatividade para deixar de depender‐se do petróleo e não hipotecar o desenvolvimento e o bem‐estar da população como refém do petróleo. Até aí tudo bem: palmas ao PR.

Era pois de esperar um ajustamento ao OGE para conformá‐lo à realidade dos preços do barril de petróleo até ao final do presente ano fiscal. Para meu espanto, verifiquei que afinal o “apertar do cinto” não é para todos. Esperava que o governo e os seus dirigentes fossem exemplares e o processo começasse exactamente por aí. Não se compreende como é que podemos manter um aparelho governativo tão extenso num ano de crise! Será que se justifica continuar a ter um ministério de economia, um de finanças e outro do plano? Quanto dinheiro é gasto com salários, regalias, carros, combustível pago pelo Estado, renda e outras despesas? Falo destes três ministérios como poderia ter falado de outros. O aparelho de estado deve emagracer e a racionalidade das despesas deveria começar aí. Não se deve sacrificar, por exemplo, as obras de requalificação das ruas do Bairro Palanca ou as obras da estrada do Camama por causa da crise! As obras nestas estradas e ruas são vitais para muitos citadinos.

Será que os dirigentes têm a real noção do que o pessoal que vive no Kilamba passa para ir e sair do Kilamba passando pela estrada do Camama ou Calemba 2? Não é justo que na crise o povo seja o único sacrificado. Sigamos pelo menos o exemplo da Grécia e também de Portugal onde a racionalidade das despesas começou com a redução do próprio governo.

Devem‐se também reduzir as viagens de serviço onde são levadas pessoas com o único intuito de usufruirem das ajudas de custos (perdiem) e mordomias mas que não contribuem nem acrescentam valor às missões.

Por outro lado, as missões diplomáticas no exterior também deveriam ser repensadas, porque há pessoas a mais em algumas embaixadas. De igual modo, há países onde Angola tem uma embaixada que nos pode levar a questionar quais são os grandes interesses económicos ou politicos que nos podem fazer manter por lá uma unidade orçamental tão dispendiosa! Talvez fosse mais barato ter‐se lá um consulado em vez de uma embaixada. Este é o momento certo para fazer análises de custo benefício.

Temos problemas crónicos de acesso aos serviços básicos e não nos deveríamos dar ao luxo de querer sempre mostrar uma imagem lá fora que não corresponde com a nossa realidade.

Apelamos ao governo que não aja como o leão:

“não me interessa o quão péssima seja a situação económica na selva, eu nunca comerei erva. Eu sou assim e não mudo! Isto não é orgulho, eu sou mesmo assim”.

Este é o momento ideal para o governo deixar de se comportar como o leão. Deve também comer a erva como nós, o povo. Não chame o povo a apertar o cinto quanto lá em cima continuam os esbanjamentos. Queremos água nas nossas torneiras, queremos luz, queremos mais segurança e fluidez nas estradas. Não pense somente em entrar nos nossos bolsos para tirarem de lá as nossas parcas poupanças por meio dos anunciados impostos.

Não se sabendo se a “ galinha de ovos dourados” há de voltar aos seus tempos aúreos, que se comece agora uma nova era para a economia angolana. Que se restaure a produção agrícola, que se desenvolva a indústria transformadora dos produtos do campo e coloquemos as universidades ao serviço das verdadeiras necessidades das comunidades. A economia deve produzir mais empregos para a juventude, porque nos anos de bonança da galinha de ovos dourados não foram vislumbradas grandes mudanças no acesso ao emprego. Espero que a presente crise não sirva como pretexto para justificar o incumprimento dos planos traçados desde 2008, de que ainda continuamos à espera.