Luanda - Benja Satula defende que as pessoas são livres de expressar aquilo que têm na alma, bem como o que sentem em relação à orientação sexual. O advogado diz que o facto de Angola ser um país Bantu não pode ser fundamento suficiente para maltratar homossexuais.

Fonte: Agora


A temática da homossexualidade tem sido destaque em debates, nos últimos tempos, tendo em conta o aumento de casos, ou seja, de cidadãos que volta e meia revelam a sua orientação sexual. Tudo isso ocorre numa altura em que, no país, se fala da revisão do Código Penal em vigor desde 1886, entre outras matérias do foro judicial.

Convidado a dissertar sobre a Reforma do Direito e da Justiça nas segundas Jornadas do Grupo Parlamentar da CASA-CE, o advogado e professor universitário, Benja Satula, revelou que não acredita que a revisão do Código da Família possa evoluir para permitir casamentos ou união de facto entre duas pessoas do mesmo sexo. Não estou a ver o legislador nesta reforma fazer a lei evoluir para permitir, quer na união de facto, quer no casamento, a união entre duas pessoas do mesmo sexo, disse Benja Satula, à margem do evento, ao Agora.

O advogado afirmou que a discriminação contra a orientação sexual, ou outras fontes de discriminação, ainda não está protegida nas leis angolanas, excepto a protecção de discriminação em relação aos portadores do HIV-SIDA. Por isso, o Projecto Código Penal traz já um tipo legal que protege esta discriminação. No Código da Família, hoje não temos, porque o conceito que temos de família e de casamento, que é a união de duas pessoas de sexos diferentes, seja a união entre o homem e a mulher. Esta união entre o homem e a mulher vale para o casamento propriamente dito, como para a união de facto, explicou.

Para Benja Satula, a questão da homossexualidade pode ser vista em três perspectivas: dos direitos e liberdade de garantia fundamentais; da família e na perspectiva do crime. Na perspectiva do crime, o projecto do Código Penal traz um crime de discriminação, ou seja, ninguém deve ser discriminado por razão da sua orientação sexual, da sua convicção política, religiosa ou partidária. No fundo, o crime de discriminação vem proteger o artigo 23 da Constituição da República, que é do Princípio da Igualdade. Sempre que o princípio da igualdade for violado, o projecto do Código Penal apresenta a solução, que é o crime de discriminação.

Aí então já é a igualdade em toda a sua dimensão, incluindo a orientação sexual, disse. Quanto à perspectiva dos direitos e liberdade de garantia fundamental, o jurista defendeu que a orientação sexual pode ser resultado de vários factores, mas as pessoas na mesma situação são livres de expressar aquilo que têm na alma, bem como o que sentem em relação à mesma. Na perspectiva da liberdade, afirma, ninguém deve ser recriminado, achincalhado, vexado pelo facto de ter esta orientação, porque isto é uma questão de humanismo.

O que eu vejo no outro são as suas qualidades, as suas habilidades para fazer, contribuir para o país, para o bem comum ou para a justiça social, atira o advogado.

RESERVAS.

Na terceira perspectiva sobre a família, o advogado explicou que, com bastante respeito para a opinião alheia, tem alguma resistência. Respeito, obviamente, a opção alheia, mas tenho bastante resistência em perceber, por exemplo, se pode fazer esta opção legislativa no Código da Família, para permitir, por exemplo, que a união entre duas pessoas do mesmo sexo possa ser considerada casamento. E aqui falam as minhas convicções religiosas, observou.

Para Benja Satula, a sua resistência em relação ao homossexualismo surge porque, de facto, não iria configurar aquilo que chamamos de família como tal. Por outro lado, o advogado concordou com a existência de artifícios no Projecto de Código Penal que criminalizam qualquer comportamento que venha violar, vexar ou colocar a igualdade num desequilíbrio.

REACÇÃO DA SOCIEDADE.

Satula defendeu, igualmente, que o facto de Angola ser uma sociedade africana e maioritariamente Bantu, não deve ser fundamento para reprimir e maltratar cidadãos homossexuais. Não pode ser, porque, independentemente de sermos de qualquer sociedade que se preze, que se conhece como uma sociedade civilizada, deve sempre respeitar direitos, liberdades e garantias fundamentais, e a orientação sexual, inerente ou adquirida, de qualquer pessoa deve sempre merecer respeito, fez saber.

O advogado condenou a divulgação de imagens íntimas de pessoas em práticas entre quatro paredes, defendendo que tais não podem ser consideradas tabu. Obviamente que as pessoas devem ter bastante cuidado para olhar para a forma como se vão apresentar, mas o facto de uma pessoa exibir ou aparecer exibida, porque normalmente não são as próprias pessoas que fazem isto, não é motivo, por exemplo, para ser expulso do trabalho.

Não é motivo para que a escola o suspenda, não é motivo para que o estabelecimento escolar entenda que esta pessoa deixa de dar aulas, ou que esta deve deixar de prestar trabalho, porque a sua competência não desaparece com vídeos expostos. Isto vale para vídeos expostos, bem como para o homossexualismo, disse ainda Benja Satula, alertando, igualmente, sobre as tentativas de forçar a aceitação da homossexualidade no país.

A natureza não dá saltos. Há coisas que devem acontecer com o decurso do tempo. Então, vamos dar tempo, para que as coisas aconteçam e para que a sociedade, nisto que nós chamamos em Direito Internacional Privado, haja um princípio que se chama da Ordem Pública, e este comporta várias características, e uma delas é a actualidade. O hoje é proibido, amanhã pode ser permitido, e o que ontem era permitido, hoje pode ser proibido, afirmou.

O jurista entende que a homossexualidade é uma questão do decurso do tempo. Para determinadas práticas como esta, vale que se dê um decurso que as pessoas têm de se afirmar pelo profissionalismo, pela dignidade, pelo trabalho e pela honestidade, e que sejam valorizadas por isso e não pela sua orientação sexual, concluiu.

UM TEMA DE ABORDAGEM DIFÍCIL.

A homossexualidade, segundo tradicionalista e ex-deputado Makuta N´kondo, não faz parte dos hábitos e costumes da tradição Bantu, por isso a sua prática é considerada abominável. A homossexualidade em Angola continua longe dos temas cujas abordagens são emergentes a nível do Governo Angolano, mas o número de pessoas com esta orientação sexual vem-se mostrando cada vez mais considerável. A igreja Católica condena esta orientação, mas salienta ser necessária a promoção do respeito pelo próximo, enquanto ser humano.

O Padre Eugénio Lumingo, comentarista de assuntos sociais, explicou, recentemente, que a igreja é contra tudo quanto contradiz a natureza humana, mas não é a favor da promoção da discriminação ou da falta de amor ao próximo. A igreja é contra qualquer comportamento contrário à natureza humana, mas orienta- nos a respeitar o próximo enquanto pessoas, e enquanto seres humanos, resumiu o religioso.

Por sua vez, o psicólogo Carlinhos Zassala sustenta-se das teorias instintivistas e psicanalíticas para esclarecer que a homossexualidade é um instinto natural a qualquer ser humano, mas as sociedades é que determinam as normas de socialização que toleram ou asfixiam comportamentos e orientações individuais.

O também bastonário da Ordem dos Psicólogos de Angola diz que este fenómeno pode causar a desagregação familiar.