Luanda - Começou, ontem, o julgamento do jornalista e activista cívico Rafael Marques, na Sala dos Crimes do Tribunal Provincial de Luanda, sob a acusação de ter cometido crime de difamação e calúnia através da publicação do seu livro intitulado «Diamantes de Sangue: Tortura e corrupção em Angola», em Setembro de 2011.

Fonte: Club-k.net

Como era previsível, ao redor do tribunal, muitos cidadãos solidários com Rafael, muitos polícias, agentes dos Serviços de Segurança e Informação, e finalmente, violência policial e detenções.

No referido livro, Rafael Marques denuncia as violações de direitos humanos, a tortura, os assassinatos, a corrupção que envolvem a exploração de diamantes nos municípios do Cuango e Xá-Muteba na província da Lunda Norte que supostamente foram cometidos por guardas da empresa privada de Segurança Teleservice, ao tempo dos factos, ao Serviço da Sociedade Mineira do Cuango e por Militares das Forças Armadas Angolanas (FAA).

De acordo com as informações disponíveis, os queixosos são generais das FAA, o Ministro e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Manuel Hélder Viera Júnior (Kopelipa) e os representantes das empresas de exploração de diamantes.

Na verdade, mais do que um julgamento, normal num Estado de Direito Democrático, continuamos a assistir, em Angola, a instrumentalização política do Poder Judicial através da criminalização do exercício pleno da cidadania.

Ser cidadão é ter e exercer direitos. Não há cidadania activa se não houver exercício efectivo e pleno dos direitos, quer sejam civis, políticos, económicos, sociais ou culturais.

Ser cidadão implica o gozo dos direitos e liberdades previstas na Constituição, o gozo de uma boa educação e saúde, acesso à água potável, luz e estradas de qualidade. Ser cidadão implica ter qualidade de vida.

A CRA de 2010, prevê que os cidadãos têm direito a liberdade de expressão, de opinião e de informação (art. 40.º), a liberdade de imprensa (artigo 44.º), o direito à qualidade de vida (art. 85.º), o direito de fazer petições, denúncias, reclamações e queixa sempre para defesa dos seus direitos, da Constituição, da lei e do interesse geral [entenda-se aqui, a transparência e boa governação] (art.73.º).

E o que Rafael Marques e tantos outros cidadãos fazem é exercer a cidadania. Todavia, contrariamente, ao que dispõe a Constituição, alguns poucos angolanos que controlam os poderes políticos e económico em Angola usam abusivamente o próprio Estado e as suas estruturas para "criminalizar o exercício pleno da cidadania".

Querer ou exercer os direitos civis e políticos com plenitude em Angola tornou-se um risco. Risco...? Não. Para um grupo de angolanos, tornou-se um crime.

Se o cidadão faz manifestação é preso, torturado ou assassinado. Se o trabalhador faz greve é preso. Se cidadão defende a sua casa que é ilegalmente demolida ou o seu terreno que é ilegalmente expropriado também é preso. Se o cidadão critica as políticas públicas mal concebidas ou implementadas é perseguido/vigiado política e administrativamente. Se reclama da falta de água, de luz e de estradas de qualidade, já é conotado com oposição política e, como tal, deve ser "tratado de maneira diferente" no seu bairro, município ou emprego. Se os cidadãos denunciam violações à dignidade da pessoa humana também estão sujeitos à perseguições, criminalização, julgamentos raramente justos e, finalmente, preso.

Nas sociedades civilizadas onde a democracia e o Estado de Direito estão consolidados, quando são feitas denúncias fundamentadas, como aquelas que são feitas por Rafael Marques, por José Patrocínio e outros, os  órgãos do Estado competentes acionam os mecanismos de investigação para apuramentos dos factos e consequente responsabilização.

O que se passa em Angola é diferente. Porquê? porque "somos um povo especial". Por isso, « bico calado».

Deste modo, para concluir, os angolanos só têm uma das duas opções: Ou mudam de mentalidade, tal como cantou o Yanick Afro Man, «mentalidade... tem de mudar....». Ou então, como poetizou MCK, aceitem que estamos «... no País do pai banana...».