Luanda - Alvarás ilegais, angolanos que cedem ilegalmente documentos a estrangeiros, número de inspectores insuficiente, comerciantes que alteram datas dos produtos. Eis o retrato traçado pelo máximo responsável pela inspecção do Ministério do Comércio, em entrevista ao NG. No entanto, Heleno Antunes avisa que, apesar de muitas, ilegalidades “não é possível encerrar todas as cantinas”.

Fonte: NG
Heleno Antunes.jpg - 66.06 KBO estrangeiro pode exercer o pequeno negócio, concretamente nas cantinas?
O comércio precário, ou pequeno comércio, é exclusivo aos nacionais e os alvarás são emitidos apenas para angolanos. Mas temos constatado que há nacionais que fazem trespasse de alvará e arrendamento de espaço aos estrangeiros. Em muitos estabelecimentos, quando a inspecção procura saber da documentação, ela está passada em nome de angolano, mas é o estrangeiro que fica à frente do negócio. Esta é uma prática contrária à lei que tem motivado múltiplas inspecções de carácter multissectorial que pretendem acabar com essa prática.

Há trespasses de alvará?
Com certeza. O Ministério está atento a isso e, nesses casos, toma medidas que passam, entre outras, pela ‘cassação’ do alvará. No ano passado, a inspecção levou a cabo a ‘Operação Cantina’ que encerrou cerca de 40 cantinas, por essa e outras práticas, com vista a organizar o comércio.

Mas o quadro não mudou, os estrangeiros continuam a dominar esse mercado…
Acabar com os estrangeiros nas cantinas é um trabalho que vai continuar e que precisa da colaboração de todas as pessoas. A nossa acção é permanente. Mas com o fim do antigo alvará em Agosto pensamos que muitas irregularidades ficarão ultrapassadas. Humana e tecnicamente, não é possível encerrar todas as cantinas, até pelos efeitos económicos que a medida pode provocar, porque as cantinas são um mal menor. Portanto, é um processo que leva o seu tempo. Vamos trabalhar para fazer cumprir a lei.

Um único alvará pode ser copiado e servir para várias cantinas?
Não, não é normal. Antigamente, era permitido que o proprietário de um único alvará averbasse para criar uma filial noutro bairro ou município. Mas agora não. Cada estabelecimento deve ter um alvará que é intransmissível. E estamos também a combater quem faça isso, e uma das medidas é a cassação do alvará.

Nota-se ainda muitos alvarás antigos. Até quando vão vigorar?
Neste momento, há um período de convivência entre o novo e o antigo que vai até Agosto deste ano. Depois deste prazo quem for encontrado a exercer comércio com alvará antigo será punido.

Há inspectores do Ministério do Comércio que levam os alvarás e só devolvem em troca de dinheiro. São punidos?
Temos recebido queixas deste tipo. A retirada do alvará é um procedimento normal, nos casos de se constatar irregularidades, mas levar a casa já ofende o que está estipulado na lei.

Perante estas queixas que recebe, quem fiscaliza o inspector?
Quem se sente lesado por alguma má prática do inspector durante a sua actividade, deve denunciar ao Ministério do Comércio e os órgãos afins terão mecanismos para sancionar. Os agentes comerciais não devem consentir.

Há casos de inspectores sancionados?
Por corrupção não. Mas por outras práticas, na relação com os agentes económicos já punimos.

O número de inspectores é suficiente?
O número é insuficiente. Temos uma média de seis inspectores por província, com excepção de Luanda que tem cerca de 130. A lei proíbe a entrada de produtos com rotulagem em língua estrangeira, mas continua a ser violada…
Muito raramente. Quando se verifica, a inspecção impede a entrada do produto no mercado. Agora é preciso esclarecer que há produtos que entram pela via terrestre e talvez aqui sim. Mas estamos atentos a isso.

Há comerciantes que falsificam as datas de validade dos produtos?
É verdade, isso é um facto. Há casos deste tipo, o que é preocupante porque ameaça a saúde pública. É crime de falsificação de data e isso inscreve-se nos crimes contra a economia e essas denúncias têm sido tratadas pela Polícia Económica.

A Inspecção do Comércio actua no mesmo espaço que a Polícia Económica. Qual é o limite de cada órgão?
O gabinete de inspecção efectua fiscalizações e inspecções em toda rede de comércio, portos, aeroportos, fronteiras e estabelecimentos. A Polícia Económica atende todos os crimes económicos e outras matérias. Essa é a separação das áreas. Mas em determinadas alturas desenvolvemos acções conjuntas.

Negócio só nacional.

A lei das actividades comerciais consagra que o investimento na actividade comercial de pequena dimensão esteja reservado unicamente aos cidadãos nacionais. A legislação impõe aos estrangeiros a obrigatoriedade de investir apenas em médias e grandes superfícies comerciais, caso pretendam inserir-se no sector.
Mas a lei não tem sido de todo respeitada. As cantinas, por exemplo, são totalmente dominadas por estrangeiros sobretudo dos que vêm de África Ocidental. Nalguns casos com alvarás e espaços alugados, noutros com licenças passadas pelo Ministério do Comércio, em que o titular do documento é angolano.