À Gerência do

Banco MILLENNIUM

L O B I T O

ASSUNTO: CARTA ABERTA DE RECLAMAÇÃO

Excelências

Foi impedida de  levantar os euros que tem na sua conta

É com enorme tristeza e revolta que a vós me dirijo.

Eu chamo-me Maria Odete Ribeiro Martins Patrocínio, de 86 anos de idade, natural de Lisboa, residente em Angola, nesta cidade do Lobito desde 1957, com o Cartão de Estrangeiro Residente vitalício com o número R003335/00323602 e com a minha conta bancária nesse banco, em Euros.

Foi com profunda humilhação que a 1 de Abril de 2015 me fui impedida de fazer o levantamento do montante de 300 Euros (TREZENTOS EUROS) da minha conta nessa agência bancária.

De acordo às informações prestadas pelas funcionárias que atenderam, devia-se ao facto de haver poucas divisas e que os valores recebidos por transferência só poderiam ser levantados em moeda nacional, o Kwanza. Informaram ainda, que por obrigação de cumprimento de ordens, também poderiam fazer transferências em Euros, não sabendo dizer, para onde.

Foi solicitada a apresentação do documento que emite tal orientação às referidas funcionárias que apenas conseguiram balbuciar que eram ordens mas que iriam contactar Luanda. Nesse mesmo dia deixou-se preenchido o boletim de levantamento aguardando a resposta de Luanda.

A 6 de Abril de 2015, o funcionário que atendeu, disse ter falado telefonicamente com a gerente que pedia para continuar a aguardar pela resposta de Luanda, mas também aconselhou a fazer uma carta de reclamção, que é a inspiração desta carta aberta.

Em 1974, vi o meu filho LUÍS CARLOS MARTINS PATROCÍNIO, natural do Lobito, Angola, com apenas 15 anos, a ir para a guerra, como voluntário enquadrando-se nas FAPLA.

Durante toda essa fase de transição (1974-1975), tive, com o meu marido, ANTÓNIO JOSÉ FERREIRA PATROCÍNIO e com o meu outro filho, JOSÉ ANTÓNIO MARTINS PATROCÍNIO, que na altura tinha apenas 12 anos, também angolano, andar com as malas de casa em casa fugindo da perseguição da BJR (FNLA) e da UNITA (o agora camarada Jorge Valentim deve-se lembrar!).

Para encurtar a história, quando poucos dias antes da independência, tivemos que fugir para Luanda, já o exército Sul Africano bombardeava Benguela, de madrugada, o Comandante Monty e o Pepetela, vindos a fugir de Benguela, encontraram-me a mim e a outros, a fazer guarda da ponte da Catumbela. Foram eles que nos avisaram que deveríamos “recuar”.

A honestidade do meu marido era reconhecida por inúmeras pessoas como o Lúcio Lara, Braz da Silva, Dino Matross, e mesmo o Kundy Paiama que chegava a fazer referências a ele em comícios.

O meu marido sempre deu o seu esforço pela causa da construção de um país justo e democrático. Faleceu em Luanda, em 1999, na casa do Agante, ex director do Porto de Luanda, depois de ter passado pela casa do comandante Farrusco. Na altura ele colaborava com o Porto do Lobito sem qualquer contrato. O meu marido chegou num caixão a casa e quando procurei o director do Porto do Lobito para saber se eu teria alguma pensão foi-me respondido que por ele não ter nenhum contrato, nada poderia ser feito.

O meu filho mais velho, como já expus atrás, foi para as FAPLA com 15 anos. Foi dos primeiros pilotos de MI 8 a vir de Frunze, ex União Soviética em 1978. Voltou a casa num caixão em 1980 e nunca recebi qualquer apoio do Estado angolano. De certeza que Kopelipa, Faceiras, e tantos outros generais o conheceram e o respeitam. Mas também nunca tive qualquer apoio do Estado angolano.

Sempre lutei e trabalhei. Muitas gerações do Lobito, e não só, devem ter comemorado os seus batizados, aniversários, casamentos ou apenas festejado com os bolos que eu tanto fiz. Mas perdi todo o dinheiro que estava no banco com as explicações das desvalorizações da moeda.

Não me restou nada, senão a casa, onde construi uns quartitos no quintal que alugo essencialmente a militares. Que infelizmente só recebo quando eles me garantem pagar.

Tento ainda recuperar uma das fazendas das quais eramos proprietários. É a fazenda da Cerâmica que fica na Canjala. Entregou-se toda a documentação que possuo a Armando da Cruz Neto, quando era governador desta província que garantiu ajudar o processo. Mas nada. Até hoje continuo a aguardar.

Quando em 2011 tive que ser operada em Portugal às minhas duas pernas, tive que me humilhar perante esse banco para que me autorizasse a transferência do dinheiro. Foi a solidariedade de pessoas como a Isabel Emmerson, Fern Teodoro, Rosário Advirta e outros que contribuiram para que eu hoje continue a andar.

Eu recebo uma pensão de sobrevivência, em Portugal, no valor de 160 Euros/mês, que é o que eu junto para de vez em quando transferir para esta minha conta no vosso banco a partir do Millennium em Portugal

Quando exponho tudo isto, não espero nem pena nem um favor, apenas vos faço lembrar que o dinheiro que eu tenho nessa minha conta, é meu e exijo imediatamente que me deixem fazer o usofruto dele como e quando eu quizer sem poder aceitar mais e jamais a vossa interferência.

Esta é a terra onde passei o maior tempo da minha vida, onde enterrei o marido e o filho, que fiz parte da sua história e exijo respeito.

Ao negarem-me o levantamento do meu dinheiro em Euros, mais uma vez é o vosso banco a beneficiar-se com o descalabro económico, porque fica com as minhas divisas e dá-me um valor em Kwanzas inferior ao dado por qualquer casa de câmbio. Eu não sou especial. Eu apenas quero o que é meu como qualquer outro cidadão em Angola.

Deve-se entender que eu farei recurso de tudo o que estiver ao meu alcance para que sejam respeitados os meus direitos.

LOBITO, 07 de Abril de 2015