Excelência Senhor Presidente da UNITA
Excelência Senhor Vice-Presidente da UNITA
Excelência Senhor Secretário-geral da UNITA
Dignos convidados, Senhoras e Senhores

Em primeiro lugar, aproveito manifestar gratidão pela oportunidade que me é dada pela direcção da UNITA em poder partilhar convosco, nesta conferência, a reflexão sobre a reconciliação nacional cuja abrangência contextual se faz oportuna.

Apesar da sua relevância em face da profundidade das questões a resolver, a reconciliação nacional em Angola, mesmo depois de muitos Acordos e uma paz conseguida pelos próprios angolanos, não conseguiu ultrapassar o espírito de conflitualidade e instalar a tolerância, o reconhecimento, a aproximação e a construção de estruturas políticas, sociais, económicas e culturais mais sólidas, inclusivas e solidárias.

As razões por detrás da cristalização dos antagonismos e um entendimento diferenciado sobre a reconciliação nacional entre angolanos estão situadas na origem de Angola, na forma como se construíu Angola, na vivência entre seus habitantes, nos centrismos dos nacionalismos nacionais que alimentaram as guerras.

Senhoras e senhores;

Inicialmente, nos territórios Pré-Angola, o contacto das nações autóctones com a nação portuguesa foi feito sob o signo de relações entre Estados soberanos com identidade e interesses próprios. Como facto, a História assinala como o rei do Kongo tratava o rei de Portugal como seu irmão.

A História de Angola, na sua génese, tem relatos de intrepidez de soberanos das nações bantu na relação institucional com os portugueses, na defesa de seus interesses políticos, económicos, sociais, culturais e territoriais que se alteraram na fase das campanhas de ocupação quando o nacionalismo luso passou para a fase de imperialismo.

Os imperialismos português e holandês durante muitos séculos desenvolveram a conhecida «guerra do kwata-kwata» de escravos para alimentar o afamado «comérgio triângular», dividiram e lançaram as nações umas contra as outras em guerras que plantaram os fundamentos da conflitualidade junto da já diferenciada textura identitária.

A guerra contra o Reino do Ndongo e Matamba, a Batalha de Ambwila, a guerras de ocupação do Reino Lunda-Tchokwe, as campanhas de ocupação dos Reinos Ovimbundu, Nganguela, Nhaneka-Humbi, Ambó e Helelo consequência das decisões da Conferência de Berlim de 1884-1885, transformou os povos soberanos em escravos na diáspora e indigenas com perda da identidade nas suas terras.

Senhoras e senhores;

As políticas de guerra imperialista de ocupação, levada a cabo pelo nacionalismo português que também estruturaram e alimentaram os conflitos internos prolongados e profundamente enraizados na sociedade actual, têm levantado importantes questões ao nível da resolução de conflitos e da construção da paz.

Hoje coloca-se a questão de como quebrar os ciclos de violência alargada, que corroeram o tecido social de Angola com conflitos destrutivos e consequências que tornaram as comunidades em trincheiras fortemente polarizadas, onde o fim da guerra ou a negociação de acordos de paz que marcaram o final desse conflito não significou, necessariamente, a criação de paz. A paz, definida em termos positivos, integra um processo social dinâmico de transformação das relações entre comunidades profundamente divididas o que definiria o processo de construção da reconciliação nacional em Angola.

Porque a reconciliação centra-se na construção política, socio-psicológica, económica e cultural pós-conflito que passa pela construção de identidades para Angola pós-colonial onde há lugar para o reconhecimento da dignidade do outro. Este processo passa, também, pela compreensão das raízes mais profundas do conflito angolano, tais como as desigualdades políticas, sociais, económicas e culturais entre as comunidades divididas. Ela requer a participação activa das comunidades no sentido de anteciparem o futuro partilhado. Para tal, deve haver um nível de segurança e liberdade suficientes, de forma a tornar credível a transformação das antigas fontes de divisão e o reconhecimento do passado. Assim, a dinâmica é de longo prazo e de grande complexidade, razão que tem sido descurada por parte dos actuais governantes.

O processo de reconciliação nacional em Angola, teve início num contexto de transição de grande fragilidade política, económica e social com uma das partes a reclamar victória sobre a outra, como há séculos atrás o imperialismo português o fazia sobre os reinos bantu. Os Acordos firmados ficaram todos fragilizados pela firme vontade de dominação de uma das partes sobre as outras interessadas. O formato negocial para a elaboração de principios estruturantes dos pilares mais firmes da reconciliação nacional, nunca foram tidos em consideração a exemplo de outros paises africanos que levaram tempo para amadurecimento dos fundamentos do futuro comum.

Senhoras e senhores;

A história do conflito entre as comunidades bantu e colonial remonta à história da colonização européia da África, com a chegada dos colonos portugueses no século XV. Desde então, foi defendido um sistema de dominação e segregação política, económica, social e cultural o que lançou as bases para uma crescente desigualdade entre as duas comunidades. Com a chegada em 1849 das primeiras famílias de colonos luso-brasileiros ao Sul de Angola (em Moçâmedes e Benguela) para povoamento e emigração dirigida, Angola passou a ter uma outra realidade no seu espaço social.

Depois de concluída a campanha de ocupação militar de Angola até o início do século XX, em 1911 foi aprovada a Constituição da República portuguesa e com isso o início do Estado Novo. De 1911 a 1933 foi aprovado o Acto Colonial que é o primeiro documento constitucional do Estado Novo, promulgado a 8 de julho de 1930, pelo decreto n.º 18 570, numa altura em que Oliveira Salazar assumia as funções de ministro Interino das Colónias. É um documento composto por 47 artigos, repartidos por quatro títulos: o I trata "das garantias gerais", o II "dos indígenas", o III "do regime político", e o IV "das garantias económicas e financeiras".

Nas décadas seguintes o poder político, económico, social e cultural de Angola passou a ser controlado a partir de Portugal. A burguesia portuguesa e a angolana passaram a dividir os interesses de Angola e a decidirem o futuro dos angolanos, aliando-se ao imperialismo europeu e à burguesia brasileira já com mais de um século de independência.

Ao lado dessa evolução surge o interesse natural de constituição da classe média angolana que se estruturou com base na emigração de colonos portugueses, de santomenses, de caboverdianos e de assimilados com mais de três séculos de assimilação oriundos das cidades de Luanda, Benguela e Moçamedes e todos eles aliados naturais na luta por melhores condições políticas, económicas, sociais e culturais, enquanto isso para a maioria do povo angolano restava o estatuto de indigenato, trabalho forçado e deixados estagnados nas aldeias, sanzalas e bairros.

A estrutura social daí resultante dividiu os interesses dos angolanos portugueses entre a burguesia angolana de Portugal, a classe média angolana de Portugal, a classe média angolana constituida por grupos sociais provenientes de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e de assimilados angolanos, originando nacionalismos que levaram para a luta de libertação nacional a conflitualidade presente na usurpação da soberania, na exploração desumana e segregação racial dos autóctones.

Durante a guerra de libertação nacional contra o colonialismo e contra o nacionalismo imperialista português, a conflitualidade entre angolanos foi vivenciada na confrontação fratricida entre a FNLA e o MPLA e posteriormente entre estes e a UNITA, facto que teve consequências na transição de Angola como país colonizado para país independente.

Apesar das iniciativas desenvolvidas pelo Dr. Savimbi para aproximar os outros dois Movimentos de Libertação através dos Acordos de Kinshasa (FNLA/UNITA), Luso (MPLA/UNITA) e Mombaça (FNLA, MPLA e UNITA) que permitiram aproximar os angolanos para a negociação dos Acordos de Alvor, não foi possível estruturar os pilares de reconciliação nacional fragilizada no incumprimento deste Acordo.

Durante a implementação dos Acordos de Alvor, até à independência de Angola a 11 de Novembro de 1975 e a governação de Angola pelo MPLA, aprofundou-se ainda mais o nível de conflitualidade entre os Movimentos de Libertação que passou a expressar-se através da guerra pós-colonial, do genocídio do 27 de Maio de 1977, da estruturação de novos ricos e de novos pobres, da morte de dirigentes políticos como foi o caso do Dr. Fulupinga Landu Victór e outros. Esta nova identidade nacional assente nos traumas da guerra e da injustiça política, económica, social e cultural afastou ainda mais os angolanos.

Da parte de Portugal, ao falhar na sua responsabilidade de descolonização de Angola, perdeu a soberana oportunidade de se reconciliar com os angolanos a quem durante séculos roubou a soberania para finalmente os deixar na guerra, contribuindo desta forma na exacerbação da conflitualidade já presente no país.

Senhoras e senhores

Os Acordos de Bicesse que puseram termo à guerra pós-colonial e abriram a oportunidade dos angolanos definitivamente construírem as bases de reconciliação nacional política, económica, social e cultural, não foram suficientes para evitarem o genocídio eleitoral de 1992 e a sexta-feira sangrenta que passaram a abrir novo capítulo na conflitualidade nacional, levando Angola para uma guerra atroz que terminou em 2002 com a morte em combate do Leader Fundador da UNITA.

As lições da nossa história não foram suficientes e uma vez mais em Angola as divisões e os desentendimentos falaram mais alto e o Protocolo de Lusaka, o Memorandum do Luena e a Constituição de Angola em 2010 não pararam com a corrupção que criou ricos feitos pelo crime, não pararam com a conflitualidade que continou a criar vitimas através da intolerância política.

Chegados até aqui, então que caminhos os angolanos precisam de encontrar para uma verdadeira reconciliação nacional? Angola, marcada por longos períodos de conflito, tem necessidade de uma reconstrução política, económica, social e cultural inclusiva, para que a transição política pós-conflito para a paz e a reconciliação nacional se dê de forma pacífica.

Este primeiro passo para a reconciliação deve começar pelo fim do antagonismo no relacionamento entre angolanos, tendo como pré-requisitos a aceitação da humanidade do outro e o respeito pela sua dignidade. Este fim deve ir mais longe na aplicação da justiça para que a luta contra o crime, a aceitação da lei estar acima de qualquer cidadão e a defesa dos direitos humanos sejam factos consumados.

O processo de reconciliação nacional em Angola deve exigir uma vontade política ao governo para que haja uma mudança de cultura política que hoje permite o enriquecimento ilícito e impunidade dos crimes de homicídio por parte de alguns militantes do MPLA.

Pela complexidade que a reconciliação nacional encerra em Angola, as formas e os modelos de reconciliação nacional devem explorar as fórmulas ancestrais e contextualizá-las de formas a criar-se um espaço político, económico, social e cultural onde seja possível viver a verdade, o perdão, a justiça, o reconhecimento e a aceitação recíproca.

Em Angola onde a sociedade de transição pós-conflito e a sociedade democrática caminham juntas, reclama-se por uma solução única e inovadora assente numa maior vontade política que coloca a verdade, o perdão, e a justiça sobre os injustiçados do passado e de hoje; reclama-se sentido patriótico na construção do futuro inclusivo de todos os angolanos actores políticos ou não.

Senhoras e Senhores,

Os injustiçados do passado colonial constituem a maioria do povo angolano. Os que tiveram de arcar com os maiores traumas da guerra pós-colonial são a maioria do povo angolano. Os que beneficiaram com a independência nacional através do enriquecimento ilícito e apossamento de milhares de hectares de terras mais produtivas retiradas à força do povo são a minoria do povo angolano.

A correcção desta situação exige grandes investimentos por parte do Estado Angolano na luta contra a pobreza em bases diferentes daquela que está a ser praticada hoje. Exige maiores investimentos na educação e saúde públicas de formas a se colocarem acima de estruturas privadas que são hoje alguma excelência de ensino e saúde em Angola.

As vitimas do genocídio do 27 de Maio de 1977, do genocício eleitoral de 1992 e da sexta-feira sangrenta devem ser primeiro reabilitadas e posteriormente indeminizadas. As vitimas da guerra colonial e pós-colonial devem ser reabilitadas através de um memorial de formas a nunca serem esquecidas.

O Estado Angolano deve investir em estruturas que estudem as razões profundas da conflitualidade e as soluções mais permanentes. As vítimas e os injustiçados devem falar; os algozes, os que se enriqueceram ilicitamente devem ser conhecidos para que a justiça do perdão funcione e se implante o amor e o patriotismo construtivo. Continuar a branquear a reconciliação nacional é minar o futuro de Angola.

A criação da história definitiva sobre a conflitualidade e os abusos para se estimular a cultura de direitos humanos e a cultura de debate é uma necessidade urgente para se banir definitivamente a prática de se estar acima da lei, a corrupção e a intolerância política praticada pelos governantes.

O Estado Angolano através do Governo, da Assembleia nacional, do poder Judicial e da Sociedade no seu todo devem buscar permanentemente a base legal para a reconciliação nacional. Por isso, consideramos muito negativa a decisão unilateral de suspender o funcionamento do mecanismo bilateral, destruindo assim, uma estrutura que estabelecia pontes, ainda necessárias, pois é evidente que a transição para a estabilidade e para o Estado democrático de direito não são ainda realidades adquiridas.

A actual Constituição da República de Angola tem fundamentos estruturantes não conciliadores como as questões sobre a terra, a nacionalidade, a eleição do presidente da República, a língua oficial, os símbolos nacionais e outros.

Finalmente apesar de o governo ter instalado o Programa de reconstrução e desenvolvimento, mantêm-se os sinais que não podem ser ignorados como a falta de habitação, a desigualdade dos rendimentos e as insuficiências dos serviços sociais. A pobreza, o desemprego, a questão mal solucionada da desmobilização dos ex-militares e a desigualdade não perspectivam uma evolução positiva para o país.

Mas, o que se mantém é a corrupção, a intolerância política e o desrespeito da lei que perspectivam uma evolução política perigosa, para um país que tem passado por processos de abusos da soberania, e dos direitos humanos, injustiças políticas, sociais, económicas e culturais e delapidação da identidade.

Afinal, mais do que nunca, compete-nos manter escancaradas as portas do diálogo institucional, inter-partidário, social. Angola reconciliada é Angola que vê nos seus povos negros autóctones ou não, mestiços autóctones ou não, brancos autóctones ou não um único povo que constrói espaços políticos, sociais, económicos e culturais de liberdade, igualdade e justiça, porque para a UNITA só existe uma única raça humana e esta será a base necessária da verdadeira reconciliação nacional de Angola.

Senhoras e senhores

A reconciliação nacional é um imperativo. Esta tarefa é nossa!

Muito obrigado!