Luanda – Crescer no campo, no meio rural, nas instituições indígenas, entre os sábios e anciãos, é muito jovial, é uma experiencia particular e muito rica. Pois, cria a infância, educa a adolescência, fortalece o homem e lhe deposita a sabedoria e a identidade cultural. As comunidades indígenas são imbuídas do espírito colectivo, solidário e patriótico, que desperta tão cedo a consciência da liberdade, da unidade, da igualdade, do trabalho e da justiça social.

Fonte: Club-k.net
Na minha juventude indígena, lembro-me dos conselhos dos mais velhos; os lazeres e os divertimentos; as repreensões e as advertências; as medidas disciplinares; e os ensinamentos da Cultura Bantu através dos contos de fadas, das fábulas, das lendas, dos mitos, dos tabus, dos aforismos e dos provérbios.

Neste respeito, se destaca as grandes cerimónias tradicionais da circuncisão, do retiro dos jovens circuncidados (vindanda)e da sua formação sociocultural.Não foge igualmente da minha memória os trabalhos intensos da lavoura, a pesca artesanal e as aventuras da caça dos animais.

Neste capítulo, faço-me lembrar de uma cena, em que, junto do meu primo, Chinoya Chinyundu Mupiaku, um grande Caçador indígena, fomos cercados, numa savana do Moxico, por uma família do rei dos animais, com suas crias. Era no fim do dia, já de regresso da caça, bem cansados, quando demos conta de um grupo de leões, bem em nossa frente. Meu primo parou, puxou-me atrás, mandou-me assegurar e apertar no cinto dele. Tirou do seu pescoço a «missangade protecção» e apertou-a nas suas mãos.

Ficamos parados, de pé, sem mexer-se, como se fosse uma estátua pedestre. O caçador indígena, meu primo, entrou no rito tradicional, meditando na Língua Mbunda, fixando os olhos nos mamíferos carnívoros. O macho dominante do grupo avançou em frente; deu três voltas em torno de nós; sacudiu a sua juba, como forma de nos estremecer; rugindo raivosamente; espreguiçou-se defronte; sentou-se e olhou furiosamente para nós.

Meu primo não deixou de fixá-lo corajosamente nos olhos; ficou envergonhado; baixou o olhar; levantou-se vagarosamente; sacudiu-se de novo, dando voltas em círculo; virou-se e dirigiu-se ao grupo das fêmeas e das crias; mexendo a sua cauda, dava o sinal para retirar-se; olharam para nós, num gesto de despedida; foram-se embora; desaparecendo gradualmente no horizonte.

Naquele instante, me parecia um sonho, uma odisseia de fantasma. Fiquei a transpirar; perdia a respiração; fiquei irritado; sentei-me no chão, num ambiente de tremura; imaginando o que acabava de acontecer. O Sol, na altura, já se desaparecia lentamente no horizonte oeste.
Soprava uma brisa estranha através da anhara; parecia o mundo parou; o silêncio tomava conta da floresta em todo redor; nem se ouvia o cantar melodioso dos pássaros. Meu primo Mupiaku assegurou-me com as mãos, fez-me levantar-se, arrastando-se pelo vale, em direcção da aldeia.

Um acontecimento bastante desafiante, que marcou toda minha vida e sempre ficou bem gravado na minha mente. Meu pai dizia-me, este é o sinal de valentia e de combatente, que desponta o teu futuro. Agora, como Príncipe, que tu és, da família real do Reino Mbunda, do Muene Katavola e do Muene Mbanduya Vukolo, da linhagem da Kamba ya Mbao, tens o dever de levantar-te e combater o Colonialismo Português.

Neste respeito, meu pai afirmava, num tom austero, dizendo: Não se verga perante o teu adversário ou teu inimigo. A morte é o destino, não há forma de evitá-la eternamente. Ela virá sempre ao teu encontro quando a hora chegar. Só cobardes têm medo dela; aqueles que não tende valores da vida, que flutua no ar, como papagaio de papel, levado pelo vento, sem destino.

Crescendo na comunidade indígena, despertou cedo a minha consciência de angolano, forjando o meu carácter e levando-me à extremidade do patriotismo. O habitat indígena é o meio social onde está bem implantado e enraizado o património cultural dos povos nativos; aqueles valores que nos são inerentes, que são atributos da nossa personalidade; alias, aquilo que nos distingue dos outros; isto é, a nossa maneira de ser, de estar, de viver e de pensar.

Por isso, sinto-me feliz por ser filho indígena, temperado pela Cultura Bantu, que me serve de escudo para se proteger e resistir bem em contacto com as culturas diversas dos outros Povos do mundo. Isso não inibe a minha integração positiva na sociedade cosmopolita; mas sim, reforça a minha convicção nos valores, nos princípios e nos interesses vitais dos angolanos, por mais exigente que seja. Acima de tudo, permite-me contribuir positivamente ao processo da globalização cultural, em curso. Isso dá-me a dignidade, o orgulho e a satisfação.

Com efeito, o meio social indígena dá-nos uma consciência própria, muito diferente daquilo que existe no meio cosmopolita, onde o intercâmbio cultural é vasto e multiforme. Estando exposto às influências culturais boas e más de outros povos, com enorme capacidade de diluição, de alienação, de aculturação e de assimilação.

As culturas cosmopolitas, por natureza, são híbridas, sem fundamentos sólidos para servirem de referência, de modo a preservar e salvaguardar os valores e os interesses vitais dos povos nativos. Se não tiver uma base sólida da sua própria cultura nativa, facilmente ficará desencaminhado e perder-se nas trevas da incerteza.

Ou seja, se trata de uma alienação crioula, uma mistura de culturas sem identidades distintas, incapazes de servirem de depositários e de sustentáculos de uma Herança Cultural e de uma História de um Povo. Nesses moldes, fica assim um Estado sem um Povo autóctone bem fixo, bem valorizado, bem respeitado, bem defendido e bem realizado. Talvez, isso explica em parte, porque o Regime Angolano defende os interesses alheios em detrimento dos Angolanos.

No dia 11 de Abril, de 2015, na TV-Zimbo, assistia impacientemente uma entrevista de um Camionista Angolano, do Lubango, cujos depoimentos chocaram-me e revoltaram-me bastante. Pois, os Camionistas Sul-africanos, Namibianos e Chineses tomaram conta do mercado angolano. Circulam livremente com suas mercadorias (das fronteiras até ao interior do País)sem qualquer obrigação, sem chatice e sem pagar taxas nenhumas.

Em contraste, os Camionistas Angolanos são perseguidos constantemente pela Polícia Nacional, aplicando-lhes taxas severas e pesadas, impondo a lei da gasosa, forçando-o afastar-se do mercado e parquear os seus camiões nos quintais.

Na realidade, a economia do mercado exige o equilíbrio; facultar a competitividade leal no mercado; gerado lucro; apostar na produção quantitativa e qualitativa; potenciar e salvaguardar os interesses nacionais; e estimular os investimentos estrangeiros. Nenhum Governo do mundo, que pauta pelo patriotismo, é capaz de sacrificar os seus nacionais a favor dos interesses alheios.

A este respeito, levanta-se algumas interrogações bastantes sérias, que merecem uma reflexão profunda. A nossa independência pela qual pegou-se em armas e custou o sangue dos Angolanos, serviu para QUEM? Qual é a diferença entre o Colonialismo Português e o Regime actual do MPLA? Será que a Geração actual não tenha a mesma aspiração fervorosa do patriotismo e da liberdade, como foi a nossa Geração que enfrentou o Colonialismo Português?

Portanto, os que estão no Poder, sobretudo os Mais Velhos do MPLA, devem meditar-se e reflectir-se seriamente sobre esta questão. Sei bem que há muitas patriotas e muitos patriotas no seio do MPLA, que não contentam-se igualmente com aquilo que se passa hoje no País. Todos nós, sem excepção, temos o dever e a obrigação de cuidarmos bem da «Paz frágil» que possuímos hoje.

O mal é estarmos iludidos com os tabus utópicos da eternidade do Poder. Por conseguinte, na Historia da Humanidade nunca houve e nunca haverá o Poder político eterno. Tudo passa! Por isso, sejamos humildes, patriotas, realistas e pragmáticos. Dedicando-se fielmente aos esforços da construção da democracia, da fortificação das Instituições do Estado, da construção da economia e da manutenção da Paz.

Noutras palavras, isso passa necessariamente pela dignificação do Povo Angolano, para sentir-se dono da sua Pátria, com oportunidades iguais e plenas, de poder realizar-se de forma justa e efectiva – na plenitude. Foi exactamente isso que nos inspirou e nos moveu para encetar o combate sério e sem trégua contra a Colonização Portuguesa.