Luanda - As Organizações da Sociedade Civil, nomeadamente, a Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD) e a Associação Construindo Comunidades (ACC), em parceria com a OSISA-Angola, realizaram a 1.ª Conferência sobre “ o Direito à Verdade e à Memória Colectiva como Direitos Humanos na Construção do Estado Democrático de Direito”, nos dias 14, 15 e 16 de Abril de 2015, em Luanda, com os seguintes objectivos:

Fonte: Club-k.net

  • Promover um espaço público, aberto e inclusivo para análise do Direito à Verdade e à Memória Colectiva no contexto pós-conflito em Angola;
  • Identificar os problemas que possam perigar a paz e que necessitam de intervenção de diversos profissionais e remédios para a cura de traumas bem como promover um espaço de aceitação e perdão mútuo;
  • Propor medidas para mitigar os actuais e potenciais conflitos resultantes de actos de intolerância política, da violência e repressão institucional, sobretudo, da polícia.  
  •      Iniciar a construção duma agenda comum de Memórias Colectivas que fortaleçam uma justiça restaurativa e contribuir para história de Angola.

Com esta conferência pretendeu-se atingir os seguintes resultados:

  • Propostos mecanismos de recuperação da Memória Colectiva com base na verdade, na justiça e cura dos traumas do passado de conflito;
  • Criada uma Plataforma ou Observatório Nacional para Paz, Justiça de Transição e Reconciliação em Angola;
  • Criados mecanismos institucionais para resolver e/ou responsabilizar os actos de intolerância política.

Durante os três dias, os participantes analisaram os seguintes temas em seis painéis:

O Direito à Verdade e à Memória como Direitos Humanos;

Transição para a independência em Angola à luz dos Acordos de Alvor: O que é como foi? Quais as lições futuras?

O Direito à Verdade e à Memória à luz dos vários Acordos de Paz: Gbadolite de 1989, Bicesse em 1991, Lusaka de 1994, Luena em 2002 e do Namibe em 2006;

Experiências de Intolerância, de violência e o Direito à Verdade e à Memória Colectiva: Testemunhos sobre os acontecimentos do 27 de Maio de 1977,   Queima das “Bruxas” na Jamba, a Sexta-Feira Sangrenta em Luanda e sobre o direito à verdade e Justiça no caso de violência contra as mulheres no período da ditadura no Brasil.

Justiça Transicional em países pós-conflito e a construção da Verdade e Memória Colectiva: Experiência Regional.

O Direito à Verdade e à Memória no Contexto Bíblico/Teológico cristão.

Memória e Verdade no Contexto de Paz: os Direitos Humanos e a Cidadania como espaço de afirmação da Reconciliação Nacional e da Democracia.

Mesa Redonda: Direitos Humanos, Justiça, Memória e Verdade no contexto de Transição Política, Social e Económica. Que Modelo para Angola?

No final da apresentação dos temas e dos debates, os participantes chegaram às seguintes conclusões e recomendações:

CONCLUIU-SE que:

O direito humano à verdade e à memória é aquele que um indivíduo tem de falar sobre o que lembra, viveu, sente e pensa sobre o passado brutal ou repressivo sem que, por isso, seja perseguido, coagido ou eliminado;

O Acordo de Alvor teve como essência a transferência de poder dos portugueses para os angolanos e a sua principal fraqueza foi a inexistência de uma agenda nacional que unisse os Movimentos de Libertação para a independência de Angola;

Os acordos de paz de Gbadolite e Bicesse tiveram o mérito de despertar as partes para a necessidade de diálogo e entende-se que o diálogo é uma perspectiva fundamental para garantir a verdade e a memória numa sociedade democrática;

A rigidez dos movimentos de libertação (constituídos a posterior a partidos políticos) e a cultura do medo inviabilizaram o diálogo inter e intra-partidário e isso, não contribuiu para o desenvolvimento da cultura do diálogo e nem sequer para o exercício da cidadania plena;

Os vários acordos assinados também fracassaram por causa da ingerência estrangeira e se referiam, sobretudo, a componente militar, tendo a sua materialização ficado muito dependente da acomodação dos interesses das partes;

Nenhum dos três movimentos de libertação nacional, hoje partidos políticos, está isento de meias verdades, responsabilidade ou omissões no que se refere aos retratos apresentados sobre vários momentos da história de Angola;

Ainda continua a ser contada de forma deturpada os factos que ocorreram na história de Angola, o que pode impedir a constituição de uma versão consensual sobre tais factos, razão pela qual, ainda constitui um verdadeiro desafio a realização de um debate continuado e inclusivo sobre memórias colectivas e verdade em todo o país;

É necessário pesquisar e documentar os testemunhos vivos do processo de libertação, dos acordos e dos diversos processos de repressão e violações de direitos humanos, sobretudo dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977, a "queima das bruxas na Jamba" e da Sexta-feira sangrenta, sob pena de se perder partes significativas e fundamentais para a construção da Memória Colectiva e da história de Angola;

Apesar das mulheres terem estado presente e sofrido as atrocidades dos processos de repressão e da guerra, ainda não são referenciadas e divulgadas a sua participação e militância nos movimentos de libertação com a devida justiça e dignidade;

Ainda não estão criadas as condições para se escrever a história verdadeira ou versão consensual da história de Angola porque, até ao momento, ainda não se obteve uma agenda comum para um debate inclusivo, despartidarizado, participativo e plural sobre a verdade dos factos;

Os acontecimentos 27 de Maio 1977, a "Queima das Bruxas" e a Sexta-feira Sangrenta em 1993, pela sua magnitude e marca histórica, não devem ser entendidos como problemas internos dos partidos políticos, mas sim de interesse público;

A perspectiva bíblica e teológica apresenta o direito à memória e à verdade como a necessidade de tornar presente um momento do passado histórico que deve nos fortalecer em termos de referências e nos inspirar para o futuro;

O desrespeito pelos direitos humanos e a partidarização das importantes instituições públicas constitui um impedimento para reconciliação nacional e o exercício pleno da cidadania;

Os Direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos previstos na Constituição da República de Angola continuam a ser desrespeitados e permanece o uso frequente de um discurso intimidatório de que a reivindicação dos direitos humanos e exercício da cidadania são uma ameaça para a democracia e a paz tão duramente conquistada;

Recomenda-se que:

O Direito à verdade e à memória sejam promovidos no quadro da construção do Estado democrático de direito em Angola, como um direito humano;

A selecção de assuntos e criação de um índice de temas relacionados aos momentos marcantes da história de Angola para memória colectiva, sobretudo, desde a criação dos movimentos de libertação, aos acordos de paz assinados e os processos de repressão devem figurar no curriculum escolar desde o ensino de base;

A criação de um mecanismo de Justiça de Transição que melhor se adapte ao contexto angolano para consolidação do processo de construção de um Estado de Direito e de modo a evitar a repetição da violência vivida no passado;

A realização de conferências, seminários ou workshops sobre o direito à memória e à verdade nas várias províncias do país como mecanismos de garantia da reconstituição da história de Angola, a preservação do direito à verdade e à memória, a consolidação do processo de reconciliação nacional e a manutenção da paz;

Se advogue no sentido de se cumprir o que ainda é possível no âmbito dos acordos de paz assinados, sobretudo, no que concerne à redução da exclusão económica e social de forma a permitir maior transparência, bem como contribuir para a pacificação dos espíritos dos diversos actores políticos e sociais;

A criação de um Observatório no qual se possam registar as causas da violência do conflito angolano, suas verdades e memórias, que promova a cultura dos direitos humanos e da paz a fim de se evitar que se repitam os erros e a violência do passado;

No processo de reconciliação nacional e aprofundamento da democracia, sejam fortalecidos os espaços de diálogo inter e intra-partidário, incluindo a participação da sociedade civil, dos académicos como forma de chegar-se às soluções mais dignas para os problemas político-militar, socio-económicos e culturais de Angola;

Se estimule a elaboração e efectivação de pesquisas para documentação e preservação das memórias, incluindo a compilação dos temas e abordagem proferidos nesta conferência, estudos académicos, recolha de depoimentos, com vista a contribuir para a abertura do debate público sobre o direito à verdade e à memória, bem como para o acervo histórico da memória colectiva;

Os vários países que se debateram com o dilema do pós-conflitos e a Justiça Transicional sirvam de referência para Angola, no sentido de analisar se estamos no momentos certo e com as condições criadas para se falar do direito à verdade e à memória, o perdão e cura dos traumas do conflito e dos processos de repressão e de violência;  

Se respeite, promova e garanta os direitos humanos, bem como se despartidarize as instituições públicas como condição para a efectiva reconciliação nacional, manutenção da paz e aprofundamento da democracia;

As autoridades públicas e governamentais não olhem as organizações da sociedade civil, activistas cívicos ou defensores de direitos humanos como inimigos da paz ou anti-governamentais, mas sim como grupos e cidadãos que, no âmbito da democracia participativa, pretendem contribuir para a construção de uma sociedade justa, democrática e de progresso social.

Os Participantes

 

Luanda, aos 16 de Abril de 2015.