CARTA ABERTA DOS CABINDAS AO PRESIDENTE BARACK OBAMA

Sr. Presidente, somos daqueles muitos milhões que seguiram a sua difícil ascensão: gélido diante da calúnia; impávido diante da provocação, imparcial diante da tentação racial, seguro nas convicções, batalhador diante dos desafios e humilde diante da vitória.
Sim, aqueles dos muitos milhões que, no dia 20 de Janeiro, ouviram, como som de outro planeta, o seu discurso em que todos nós, abandonados pelo mundo, nos revíamos totalmente. Escutámos com os nossos ouvidos: todos são iguais, todos são livres (…)

Nós, Sr. Presidente, somos aqueles que o mundo não conhece, mas Cabinda, que se situa entre os dois Congos é, no entanto, uma das Províncias portuguesas, segundo a organização administrativa portuguesa de 1933.
Três Tratados estão na base desta especificidade histórico-jurídica: o de Chikâmba, o de Chimfuma e o de Simulambuco (1.02.1885). Em 1956, por motivos meramente administrativos é associado a Angola, com um governador-geral, como foi com Rwanda, Burundi e o Congo-Belga.
A ex – OUA jamais reconheceu esta dependência, porque em 1965, Cabinda figura no mapa dos territórios a descolonizar, sob o nº 39. A descolonização portuguesa, desastrosa como foi, nos Acordos de Alvor, a única preocupação foi a de fazer de Cabinda parte integrante de Angola, sem nunca termos sido ouvidos, como seria normal. Falou alto o comunismo e os interesses obscuros.

Ao saírem em debandada, estes portugueses, míopes como sempre foram; vilões como sempre pensaram e sádicos como sempre actuaram, venderam-nos, não sei com que preço, aos ANGOLANOS.

Estes, como os portugueses, deram-nos também um bilhete de identidade e um passaporte.
No bilhete, somos negros, mestiços e brancos e massificados nos municípios Cabinda, Kakongo, Mbuku-Nzau e Belize. Não temos paradeiro!
Com o epíteto de negro, mestiço ou branco, retiraram-nos da universalidade e nos circunscreveram a um gueto que não consegue conter-nos, porque o nosso húmus não tem fronteiras.

Mataram-nos a buala específica, a origem dos avós, de cada um de nós, para nos transformarem em estrangeiros de origem desconhecida.
O passaporte está e nunca está connosco. Tornou-se um nãopassaporte! É deles! Retiram-no, quando bem entendem; humilhando-nos nas fronteiras e nos aeroportos e, quando o pretendemos renovar, levam séculos! Somos simplesmente objecto!

Já passam 34 longos e pesados anos de destruição: do Povoquesomos (nomes, língua e história); do Homemquesomos (dignidade e ser-político) e do território que pertencemos (tentativa em tornar-nos minoria e militares apinhados em tudo que é canto, até nas portas das nossas casas). Tudo isto sob a indiferença do dito mundo internacional e de Portugal, que a este drama, acrescenta o caricato: inventa histórias para contradizer a sua própria história, bate palmas, quando nos transportam para os campos de fuzilamento e predispõem-se para justificar a tirania sobre nós!

Tornámo-nos cobaias, onde a síntese de todas as teorias de manipulação-genética, experimenta como se perpetua a dependência: dividem-nos, difundindo o tribalismo, promovem líderes que não nos representam; incrementam associações com a face e o cheiro do poder instituído, atribuem cargos de poder virtual; infernalizam a vida de todos que não são do partido-da-situação; arrancam até o pão que mastigamos e obrigam-nos a dobrar os joelhos diante de Belzebu, tirando-nos a sede e a liberdade de orar e a força de sonhar!

É esta a nossa História, Sr. Presidente. Disse-lhe que não nos conhecia. Mas se for procurar na Internet onde houver petróleo, vendidos e hipotecados, encontrará também CABINDA e a carta que coassinou, aquando da prisão da SARAH WYKES.

Isto não significaria nada para si, se não estivessem AMERICANOS E EMPRESAS AMERICANAS, movidos pela cupidez do petróleo, não olhando a meios, a reforçar as GRILHETAS do nosso drama.

Recordamo-nos, ainda menino e moço, quando víamos, naquele tempo, os americanos da GULF COMPANY confraternizarem-se com os cabindas em plena noite dentro. Eram amados e amavam os cabindas. Agora, com a CHEVRON, depois de construir a sua little América, chamado MALONGO, cercado de minas, importou-nos a América da prepotência, da arrogância e do KU KLUX KLAN.

Neste Malongo da CHEVRON, Sr. Presidente,

- Os cabindas são presos pela Segurança angolana, por exemplo Fernando Lelo, e condenados, à margem da lei, anos a fio, sem nunca a CHEVRON saber da sorte dos seus trabalhadores.

- Os cabindas trabalhadores da CHEVRON, presos por serem cabindas, são despedidos ou sofrem restrições de circulação no interior de Malongo e de salários. Tudo isto urdido pela própria CHEVRON, como que não só a caucionar mas também a colaborar na perseguição política dos cabindas.

- Os cabindas são permanentemente discriminados no que toca a promoções. Os angolanos (não têm culpa), que vêm de Luanda, sem experiência de trabalho, são logo promovidos, passando despudoradamente acima dos seus mestres. Isto a todos os níveis. Foi mais fácil um negro ser presidente da USA do que um cabinda tornar-se um responsável da CHEVRON, com poder real.

- A CHEVRON tem poluído permanentemente o nosso mar, matando todos os nichos ecológicos e dando-nos a comer um peixe envenenado.

- A CHEVRON, nestes últimos tempos, depois de construir um enorme edifício em Luanda, e em Cabinda um casebre, tem, paulatinamente, retirado de Cabinda todos os sectores da administração. Não leva os poços, porque não pode. Paralelamente a isto, tem compulsivamente transferido todos os quadros de Cabinda para Luanda em condições precárias.

- A CHEVRON tem colaborado no debilitar de associações cabindas que se batem pelo meio-ambiente e despedido trabalhadores por exigirem melhores salários ao mesmo tempo que vai fechando os olhos aos maus-tratos que as subempreiteiras infligem aos cabindas.

Sr, Presidente, poderá nos perguntar: COMO TUDO ISTO FOI POSSÍVEL?

É verdade. A CHEVRON tem gozado da maior liberdade e protegida pela impunidade institucionalizada, porque tudo isto se enquadra no âmbito do amordaçar do Povo de Cabinda.

Por outro lado, a teologia do eixo-do-mal do Presidente Bush, de fúnebre memória, veio instilar na CHEVRON tanta falta de pudor que, às vezes, nos interrogamos se ela é mais do que uma simples companhia-petrolífera.

Ela tem sido, nestes anos todos de exploração desenfreada do nosso subsolo, a embaixadora daquilo que jamais devia identificar a maior potência do mundo: a cooperação directa na opressão do Povo de Cabinda e na violação dos Direitos Humanos.

Temos plena consciência que os lobbies do petróleo são poderosíssimos. Alegra-nos, contudo, saber que pretende controlá-los e fechar GUANTÁNAMO. Mas, nós, os cabindas temos também ARTHUR TCHIBASSA, que é um prisioneiro-cabinda da CHEVRON. Encontra-se numa prisão de alta segurança perto de Chicago, onde, Sr. Presidente, foi senador.

TCHIBASSA foi raptado pela CIA, em Kinshasa, condenado a 24 anos de reclusão, por alegadamente ter participado na prisão de um americano, Brent Swan, da Petroleum Helicopters em 19.10. 1990. Tudo falso. Apenas mediador para a sua libertação, sendo os culpados agora ministros do governo do Mpla.

Queremos que volte a ser julgado não segundo a lex Bush, mas em nome da justiça e da nova imagem que pretende imprimir a América, tão odiada não por causa do seu nobre povo, mas por causa da «cobiça e irresponsabilidade de alguns», como bem disse.

Sr. Presidente, não temos um Alexandre Soljetsyne para descrever o nosso GULAG; um Elie Wiesel para contabilizar os nossos DEPORTADOS e um Dalai Lama para denunciar o nosso COLONIALISMO, acreditamos, todavia, que a nossa pequenez é grande, na medida em que formos morrendo para que as futuras gerações de cabindeses tenham a dignidade e a liberdade que nos são negadas!

Temos a plena confiança que, no seu mandato, como declarou: «aqueles que se apegam ao poder pela corrupção, burla e repressão dos dissidentes estão do lado errado da História» . Daí que não terão o mesmo apoio do passado. Sentimos como tremem!
Não lhe pedimos milagre, nem isto esperamos, mas que use do seu carisma para ir humanizando todos aqueles que impedem a nossa plena EMANCIPAÇÃO e, finalmente, que a medida da nossa DIGNIDADE não seja aquela da flutuação do preço do barril de petróleo.

Cabinda, 30 de Janeiro de 2009.

Pela ex-Mpalabanda-ACC e Sociedade Civil

AGOSTINHO CHICAIA

Fonte: Ibinda