Luanda - Com a entrada em vigor da Lei n.º 2/15 – Lei Sobre a Organização e o Funcionamento dos Tribunais da Jurisdição Comum (doravante LESOFUTJU) iniciou o funcionamento de um novo sistema de justiça em Angola que renovou o poder judiciário em matéria de jurisdição comum. Este vinha funcionando desde o remoto ano de 1988, ao abrigo da Lei 18/88 – Lei do Sistema Unificado de Justiça (doravante LESUJ) com o reforço de um conjunto de legislação complementar relacionada com a organização e o funcionamento de todo o sistema de justiça nacional aprovado ao longo da sua vigência. Entre os vários aspectos preliminares para a compreensão da nova lei está o facto de imprimir mudanças significativas ao modelo de organização e funcionamento dos tribunais comuns, i.e., do conjunto de tribunais encabeçados pelo Tribunal Supremo.

Fonte: Club-k.net

Desde logo não faz referências aos tribunais especializados qua tale o Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas e o Supremo Tribunal Militar. A razão é simples. A LESUJ previa um sistema unificado de justiça, i.e., um sistema de jurisdição em que se registava a coabitação de tribunais comuns e tribunais especiais (tribunais militares) encabeçados por um único tribunal superior (Tribunal Supremo). Com a entrada em vigor da Lei Constitucional de 2010 – LC (Constituição da República de Angola, para o legislador), surgiram outros tribunais superiores, retirando ao Tribunal Supremo a hegemonia absoluta sobre todos os tribunais angolanos. Ou seja, a LC suprimiu o sistema de justiça unificado no topo pelo Tribunal Supremo, dando lugar a novos tribunais igualmente superiores correspondendo a hierarquias jurisdicionais próprias e autónomas, resultando em consequência a promoção do Supremo Tribunal Militar da categoria de um tribunal sujeito ao comando hierárquico do Tribunal Supremo a um tribunal igualmente superior e assim elevado de 1ª à 2ª (e última) instância de jurisdição especial. O que levou ao desajustamento normativo e histórico da LESUJ recomendando assim a sua reforma para a harmonização constitucional dos seus princípios e regras.

Se a LESUJ previa um sistema justiça unificado pelos tribunais comuns, não admitindo a independência do tribunais militares, enquanto tribunais especiais, a LC veio impor um sistema de justiça simultaneamente comum e especializado prevendo um sistema de jurisdição comum encabeçado pelo Tribunal Supremo e um sistema de jurisdição especial com outros tribunais superiores encadeados em hierarquias próprias. Ou seja, o legislador constitucional estabeleceu um sistema hibrido em que coabitam os tribunais de jurisdição comum e os tribunais de jurisdição especial desajustando o sistema de jurisdição comum trazido dos anos 80. É a luz dessa previsão constitucional que os tribunais militares libertaram-se da relação hierárquica estabelecida pelo Tribunal Supremo e a partir da qual a LESOFUTJU leva a perceber que os tribunais comuns passam a ter uma base alargada de organização e funcionamento prevendo a existência de 3 níveis de jurisdição (Tribunais de Comarca, Tribunais de Relação e Tribunal Supremo). Os tribunais de comarca são os tribunais de primeira instância que, assim, substituem os tribunais municipais, passando a ser denominados pelo nome dos respectivos municípios (V.g: Tribunal de Comarca da Camacupa) e alargam-se pelo território nacional nos mesmos termos em que são estabelecidos os municípios no plano da organização administrativa do território, com ressalva para situações em que os municípios não tenham densidade populacional e não preencham outros critérios legalmente exigidos para a implementação de um tribunal (art.ºs 41.º).

A novidade é que os tribunais de comarca podem ser desdobrados em Salas exercendo jurisdição em vários outros municípios. Nesses casos, o tribunal de comarca recebe o nome do município em que se encontra instalado. Os tribunais de comarca não apreciam apenas as causas que à luz da LESUJ eram remetidas aos tribunais municipais (casos de policia correcional – nos casos de crime e outras). A esse propósito a LESOFUTJU estabelece que “Compete aos Tribunais de Comarca preparar e julgar, em primeira instância, todas as causas, independentemente da sua natureza e do seu valor, desde que não sejam abrangidas pela competência de outros Tribunais” (art.º 42.º). O que justifica o desaparecimento dos tribunais provinciais. Eis a novidade impressionante! Ora e como fica a organização judicial da província em que se encontram os tribunais de comarca? A resposta da LESOFUTJU vem com a introdução da Comissão Provincial de Coordenação Judicial presidida por um Juiz com a categoria de Juiz de Tribunal de Comarca, indicado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial nos termos do Estatuto dos Magistrados Judiciais (que deve ser alterado para atender essa situação) e é integrada pelos Juízes Presidentes dos Tribunais de Comarca, e pelos representantes provinciais do Procurador-Geral da República, do Provedor da Justiça e do Bastonário da Ordem dos Advogados (art.º 72.º). Assim, a LESOFUTJU estabelece a existência de províncias judiciais coordenadas pelas comissões provinciais de coordenação judicial e desdobradas em Comarcas. A organização judicial angolana passa a contar também com cinco regiões judiciais (compreendendo províncias judiciais) encabeçadas por um Tribunal da Relação cada como tribunais de recurso dos tribunais das respectivas Comarcas. O que obriga a criação da Comissão Nacional de Coordenação Judicial (art.º 69.º) para a coordenação dessas regiões tal como recomenda a lei. Portanto, a novidade aqui é o surgimento do Tribunal de Relação que vem aliviar a enorme quantidade de recursos sobre as decisões dos tribunais provinciais ao Tribunal Supremo sobrecarregando os serviços destes e as actividades dos seus juízes. Ou seja, os Tribunais da Relação têm competência para conhecer os recursos interpostos das decisões de todos os tribunais de Comarca (art.º 40.º) e com eles nasce a figura do Juiz-Desembargador (juiz do Tribunal da Relação) que nunca existiu na ordem judicial angolana.

É questionável a soberania do Poder Judicial devido, inter alias, a intervenção do Poder Executivo na sua organização e funcionamento. O que é sensível pela dependência dos funcionários dos tribunais aos programas administrativos e financeiros estabelecidos pelo Ministério da Justiça e Direito Humanos (regularização de salários, formação e capacitação de recursos humanos, atribuição de benefícios materiais e financeiros diversos, etc.). Não tem sido um assunto fácil de tratar no contexto constitucional e legal vigente, entretanto uma iniciativa que vem certamente mitigar essa interferência do Poder Executivo na vida dos tribunais é aquela que vem estabelecida na LESOFUTJU prevendo a criação da Unidade de Gestão Provincial (art.º 76.º). Se por um lado, temos a Comissão Provincial de Coordenação Judicial que mais não é do que o órgão que executa as competências do Conselho Superior da Magistratura Judicial ao nível da respectiva província judicial, estabelecendo a disciplina sobre a actividade dos juízes em prol da eficácia dos tribunais, entre outras competências, por outro lado temos a Unidade de Gestão Provincial que se ocupa das questões administrativas e financeiras. Esse órgão é responsável pela definição dos planos de necessidade materiais e financeiras dos tribunais da província e pela execução dos respectivos orçamentos e, portanto “a Unidade de Gestão Provincial dispõe de autonomia administrativa e financeira, nos termos a definir em diploma próprio” (art.º77.º). De todo o modo, este órgão é dirigido pelo Presidente da Comissão Provincial de Coordenação Judicial acumulando assim as funções de Juiz-Presidente e Gestor máximo da Província Judicial. Nessa última qualidade é coadjuvado por um Secretário Administrativo que é selecionado mediante concurso público (art.º 79.º). Resumindo: ao nível da província, a novidade marcante é o desaparecimento do Tribunal Provincial e do respectivo Conselho Provincial da Magistratura Judicial e em compensação crescem em autonomia e competências os antigos tribunais municipais como Tribunais de Comarca.

Todo o sistema judicial comum passa a contar com duas novas categorias de especialistas: “Os Tribunais Judiciais dispõem de Consultores e de Assessores, de nacionalidade angolana, que auxiliam os Magistrados Judiciais sempre que o volume ou a complexidade dos serviços o justifiquem em conformidade com as disponibilidades orçamentais” (art.º 19.º), sendo por isso, admitidos dentro da autonomia administrativa e financeira do Poder Judicial. A condição para os Consultores é que sejam Doutores ou Mestres em Ciências do Direito, Economia, Medicina Legal ou Psicologia Forense contratados em regime de avença ou de tarefa (pagos por cada trabalho realizado). Aqui o legislador, foi infelizmente míope em relação a múltipla demanda de profissionais que a actividade forense implica, ao não prever outros especialistas forenses que hoje vão sendo importantes na produção de provas tais como Geólogos (prova da autenticidade de minerais em crimes de falsificação), Técnicos de Informática (produção de provas em caso de crimes no ciberespaço) e outros especialistas que sejam úteis em determinados casos em que a prova produzida deve ter a sua autenticidade qualificada por um “expert”. Uma norma residual admitindo a possibilidade de contratação de todos outros especialistas que não sejam apenas os que se encontram elencados na norma não ficaria nada mal. Nesse caso a falta é grave. E depois, quando a mesma norma admite apenas Médicos-Legistas quer apenas considerar os médicos espacializados em Medicina Legal ou quer admitir as hipóteses em que um Ginecologista, um Pediatra, um Obstetra, um Psiquiatra ou um Otorrinolaringologista é chamado em tribunal para atestar a prova de um facto relacionado com a sua área profissional que esteja directamente implicada na realização da justiça de uma demanda judicial? É claro que o legislador não previu essas últimas hipóteses e como o Direito Judiciário em cuja esfera se coloca a LESOFUTJU é um Direito Público, que afinal assente no Principio da Legalidade, estes especialistas não podem ser contratados nem ocasionalmente como Consultores. Já os Assessores, são licenciados em Direito, contratados como funcionários em regime de exclusividade (art.º 19.º, n.º 3). O que vem a melhorar, inter alias, a qualidade dos pareceres técnicos e a produção de sentenças suportadas por opiniões jurídicas (doutrinas) que melhor interpretem a lei.

Mais do que actualizar e contextualizar as previsões normativas de LESUJ, a LESOFUTJU trás importantes inovações ao sistema de jurisdição comum que implicam um ajustamento a própria realidade organizativa e funcional dos tribunais comuns e, por isso mesmo, em certos casos, promove uma situação inesperada de bloqueio ao sistema de justiça angolano. Levando a que certos casos (processos) não sejam julgados por falta das condições impostas pela própria Lei. Desde logo, a LESOFUTJU obriga a que todos os juízes que trabalham nos tribunais, não importa a categoria, sejam licenciados em Direito. Nesse sentido, a nova lei é eloquente: “ É extinta a figura dos assessores populares, passando os tribunais de jurisdição comum a ser integrados apenas por juízes de Direito” (art.º 102.º). Isso implica a dispensa dos juízes assessores e dos juízes municipais que vinham funcionando sem o grau de licenciatura em Direito ficando apenas aqueles que reúnam esse requisito. O que reduz drasticamente a capacidade humana dos tribunais em atender a demanda dos cidadãos no acesso ao Direito e a Justiça, sendo certo que a admissão de juízes não licenciados em Direito é um imperativo devido a exígua quantidade de juristas exercendo funções de juízes em todo o território nacional que é afinal um problema muito longe de estar resolvido com a entrada em vigor da nova lei. Ao não prever uma norma transitória que preveja um certo prazo de renovação de juízes nessa condição, i.e., que proteja a sua efectividade de funções até que concluam a formação superior em Direito ou deixem de fazer parte do sistema judicial voluntariamente, a semelhança do que aconteceu com os advogados populares, que foram admitidos sem qualquer formação em Direito nos idos anos 80, ao transitarem para a Ordem dos Advogados de Angola que passou a impor a condição de licenciado em Direito para todos os advogados, a lei coloca imediatamente no desemprego todos os juízes sem formação superior em Direito, para além de diminuir o número de juízes em efectividade de funções sobrecarregando os poucos juízes que restarem nos tribunais com a demanda dos cidadãos. O que representa contrassenso a própria lei que pretende alargar o número de tribunais numa realidade em que o número de juristas interessados em trabalhar como juízes ainda não é proporcional a demanda. Não se vê pior erro de interpretação da realidade nessa lei. Entretanto, o legislador parece não ser suficientemente persuasivo quando tenta consolar os juízes não licenciados: “…Os juízes que não forem licenciados em Direito e que, nos termos da presente lei forem considerados inaptos para exercer a magistratura judicial podem ser contratados Assessores se não tiverem atingido a idade de jubilação (reforma).” (art.º 19.º, n.º 4). O erro do legislador alarga-se ao facto de prever casos em que apenas os tribunais colectivos (tribunais com 3 juízes) podem julgar. Ora vejamos: “1. Os tribunais de comarca podem funcionar como Tribunal Singular ou Colectivo. 2.

É sempre obrigatório o funcionamento como Tribunal Colectivo nas causas cíveis de valor superior ao dobro da alçada do Tribunal da Relação ou, em matéria criminal, sempre que o crime seja punível, em abstracto, com pena de prisão superior a cinco anos” (art.º 45.º). Ainda por cima, os tribunais colectivos só funcionam com juízes de Direito (licenciados) quando é certo que existem províncias em que a quantidade de juízes de Direito não chega a dois indivíduos se quer. O que significa que em tais províncias esses processos, existindo, já não podem ser julgados e, havendo réus presos, a prisão destes se mantém indefinida no tempo. Eis uma absurda situação de bloqueio da justiça que resulta em clara denegação da justiça ofendendo o principio da tutela jurisdicional efectiva prevista na LC (art.º 29.º) nos termos da qual é garantida a todos os cidadãos o acesso ao Direito e a Justiça. A denegação de justiça é reforçada pela substituição da figura do defensor oficioso pela do defensor público. O defensor ofícios era indicado pelo Juiz sempre que não houvesse advogado para defender o réu com objectivo de cumprir com o princípio do contraditório e de garantir o direito a defesa do réu. Ora, a nova lei retira essa autoridade dos juízes determinando a proibição de patrocínio judiciário nos termos dos quais estabelece que “Os assessores dos Tribunais Judiciais ou dos Magistrados de jurisdição comum, bem como os demais funcionários judiciais que não sejam Defensores Públicos, não podem exercer patrocínio judiciário, dar consulta ou prestar qualquer auxílio judiciário” (art.º 88.º). Sendo que o Defensor Público é, por sugestão hermenêutica da lei, o advogado estagiário remunerado pelo Estado (tribunais ou Ministério da Justiça?) pelas defesas oficiosas que fizer (art.ºs 86.º, 87.º e 89.º), lá aonde não houver advogados estagiários ou mesmo advogados – o que acontece com frequência nas províncias do interior de Angola - a LESOFUTJU provoca a situação de clara denegação de justiça nos termos já referido acima ao não prever a constituição de defensor oficioso no âmbito da autonomia do juiz da causa. Se por um lado, a intenção do legislador é “empregar” os advogados estagiários que vinham trabalhando, em muitos casos sem remuneração, e concorrendo com quaisquer outros indivíduos que podiam exercer defesas oficiosas, garantindo igualmente que os cidadãos sejam defendidos por profissionais de foro, i.é, por aqueles que entendem efectivamente das leis e da justiça, por outro lado, o número de advogados estagiários não é suficiente para cobrir a demanda da justiça em todo o território nacional. Mais uma vez, a lei não cuida de estabelecer uma norma transitória que acautele essa situação prevendo a constituição de defensores oficiosos lá aonde não seja possível a presença de um Advogado ou Defensor Público.

Os advogados, aliás, estão entre os operadores de justiça mais beneficiados com a LESOUTJU começando por monopolizar, desnecessária e inconvenientemente, o patrocínio judiciário, dantes partilhado com os juízes como vimos acima. Passam a ter acesso ilimitado aos processos – o que inutiliza a necessidade do pedido da confiança do processo até então exigido pelos tribunais – (art.º 89.º) e finalmente passam a ter condições de trabalho nos tribunais: “Em todos os tribunais judiciais devem existir salas onde os Advogados podem, privada e privativamente, consultar os processos e os seus constituintes ou clientes (art.º 90.º, n.º1). É um claro esforço de equiparação com os mais proeminentes operadores do Direito (juízes e procuradores) que não deixa muita margem de dúvidas para perceber que o anteprojecto (ou projecto, conforme o caso) terá sido elaborado por advogados (mesmo que alguns estejam já a exercer cargos de juiz ou procurador). O favorecimento de advogados para um melhor posicionamento na ordem jurídica angolana, concentrando cada vez mais privilégios, começou com a aprovação da LC de 2010 que passou a prever este profissional de foro como um órgão singular de natureza constitucional (art.º 193.º), numa clara novidade sem igual em importantes espaços jurídicos mundiais. É certo que a busca de respeito e prioridade de acesso aos serviços das instituições públicas relacionadas com a justiça (postos de polícia, serviços de investigação criminal, prisões, etc.) obrigam a que o Advogado se sirva de instrumentos de defesa contra os abusos dos agentes destas mesmas instituições. Não são pouco os casos em que o advogado é confundido com o primeiro vadio que vira a esquina em direcção ao agente do Estado sofrendo vexames que levam a questionar a sua superior função de realizar a justiça tal como é reconhecida ao juiz ou ao procurador. Mas não deixa de ser uma clara megalomania certamente inspirada pelos inúmeros advogados que participaram na feitura do texto constitucional, porém sem qualquer efeito práctico na sua actividade profissional visto que a sua postura liberal não é assegurada pelos mesmos privilégios institucionais que protegem os juízes e procuradores dos demais agentes do Estado. Além de que estamos ainda num Estado em que os cidadãos estão longe de serem tratados com a merecida dignidade quando não sejam partes de um órgão de soberania do Estado. Com este andar, não será de estranhar que nas futuras reformas da ordem jurídica angolano os advogados venham a ter acesso a passaportes diplomáticos estando na condição de verdadeiros agentes de órgão de soberania do Estado.

Não há duvidas que a LESOFUTJU, apesar de toda a “bem-aventurada” inovação que procura introduzir no sistema judiciário comum renovando marcadamente toda uma engrenagem obsoleta que vinha funcionando com as dificuldades própria de uma LESUJ arcaica e historicamente inconveniente, peca grosseiramente ao prever apenas a introdução gradual dos tribunais e do seu funcionamento, sem considerar a substituição gradual dos juízes e dos defensores oficiosos de acordo com as condições efectivas do actual panorama judicial angolano. O que provocou um visível bloqueio ao sistema de justiça tendo como consequência a paralisação de certos julgamentos por inexistência de juízes de Direito suficientes, nalguns casos, e por inexistência de Defensores Públicos, noutros. É certo que os processos pendentes por altura da entrada em vigor da LESOFUTJU podem ser julgados pelos tribunais actuais, mesmo que a lei preveja como competente determinados tribunais que ainda não existam (art.º 94.º), mas o que se passa é que esses mesmos processos pendentes já não podem ser julgados pelos mesmos juízes da causa quando não sejam licenciados e tão pouco podem ser julgados por tribunais colectivos que em muitas províncias não é possível constituir por insuficiência de juízes de Direito. Portanto, a LESOFUTJU prevê uma mera implementação gradual da Lei em relação aos tribunais e não aos respectivos juízes, o que resulta na inoperância dos tribunais comuns actuais mesmo que mantenham transitoriamente as suas competências. Ou seja, a consequência drástica da entrada em vigor da LESOFUTJU é a paralisação da própria soberania do Estado em matéria de realização da justiça. O que não deixa de ser um verdadeiro “escândalo” público sem igual ao longo da história da organização e funcionamento do Estado angolano. Esse disparate normativo de tamanho monumental pode ser considerado um erro crasso (de palmatória) que fica muito bem para aprendizes de Direito interessados em organizar todo um sistema judiciário. E tudo parece transparecer a ideia de que os magistrados judiciais e muitos outros funcionários de tribunais não foram consultados pelos especialistas que elaboraram esta lei, tão pouco os deputados a Assembleia Nacional foram suficientemente responsáveis para perceberem que estavam em vias de aprovar uma Lei com tudo para suspender o funcionamento parcial do Poder Judicial. Dixit.