Luanda - O Ministério do Ensino Superior pode confrontar-se, nos próximos dias, com actos de contestação (greves dos professores do ensino público) e de promotores e gestores das instituições privadas do sector. Em causa está o pacote das normas gerais e reguladoras do Ensino Superior, aprovadas recentemente pelo Conselho de Ministros. Para os docentes, gestores do ensino superior, as novas medidas “não passam de um documento bastante confuso, contraditório, incoerente, inconsistente, e que belisca muitos direitos e garantias constitucionais”.

Fonte: Matondo Livungo José

Se para os docentes, as novas medidas apresentam uma vocação para o policiamento das instituições e do corpo docente, podendo conduzir o subsistema de ensino superior a um desastre, para os gestores e promotores de instituições de ensino superior, ao invés de se incentivar a criatividade e a promoção de competências, as normas ora aprovadas vêm asfixiar o sector que se pretende mais inovador dentro de uma autonomia administrativa e científica à luz dos padrões internacionais. “As novas medidas espelham uma verdadeira apetência de o Ministério querer gerir directamente as instituições, interferindo de forma grosseira na autonomia administrativa, científica e pedagógica das universidades. Isso não pode acontecer num sector que deve promover a democratização do país”, asseveram.


Com as movimentações a serem preparadas, os docentes (representados em Sindicato), os gestores e promotores de instituições privadas pretendem inviabilizar a aplicação das medidas,que eles consideram impopulares e desajustadas à realidade angolana. “É um autêntico retrocesso”, atiram os docentes que qualificam a nova tabela salarial, a carreira docente e a nomeação de reitores uma acção bastante retrógrada de um ministro que não considera as opiniões opostas ao seu pensamento sobre o ensino superior que se pretende para Angola.

O novo estatuto remuneratório situa o salário para docentes em regime integral e de exclusividade, incluindo os subsídios de produtividade e desempenho, em Kz. 545 967,28, para o professor titular; Kz. 500 559,36, para o professor associado, Kz. 477 855,40 para o professor auxiliar; Kz. 447 583, 46 para o assistente; Kz. 341 831, 46 para o assistente estagiário e Kz. 281 087,77 para o monitor. O salário base para os docentes em regime parcial, com base em oito horas de trabalho por semana, está calculado em Kz. 70 634,53 para doutor; Kz. 63 907,44 para mestre e Kz. 40 406,99 para licenciado.

Ao contrário do estatuto remuneratório que vigorava desde 2003 (ver Diário da República de 5 de Setembro, I Série 70), o novo estatuto elimina os demais subsídios a que os docentes do ensino superior tinham direito, nomeadamente os subsídios de renda de casa, de exposição directa aos agentes biológicos, químicos e físicos, para falhas, de orientação de teses, de regência, de investigação, de exame, de acumulação, de instalação (para os docentes transferidos para fora da província da sua residência), entre outros suplementes e gratificações. O novo estatuto remuneratório baixa em mais de 20 por cento os subsídios de direcção e chefia, passando a 30 por cento para reitor, 25 por cento para vice-reitor, director-geral adjunto e decanos, 20 por cento para directores de serviços e executivos e de apoio e vice-decanos ou directores adjuntos; 15 por cento para chefes de departamento de ensino, de curso, produção ou de outros serviços especializados e 10 por cento para chefe de secção. À luz do antigo estatuto, por subsídio de chefia, o reitor recebia 50 por cento do salário base, o vice-reitor e pró-reitor 40 por cento, o decano 30 por cento, o vice-decano 22 por cento e os chefes de Departamento de Ensino e Investigação 18 por cento.


Note-se que, na última acção reivindicativa do Sindicato do Ensino Superior, já se propunha um salário de 10 milhões de kwanzas para o professor titular, facto que o Ministério terá ignorado completamente no novo estatuto remuneratório. “Afinal, o que o Executivo pretende para o Ensino Superior em Angola? Continuar com professores descontentes?”, interrogam-se os docentes que se manifestam dispostos a apoiarem qualquer acção que vise inviabilizar a aplicação das normas aprovadas.

A par disso, as fontes contestam o Estatuto da Carreira Docente que consideram um “reflexo de quem quer transformar o ensino superior num exército de descontentes, com a exigências absurdamente exageradas”.
Para se chegar Professor Titular, o candidato deve preencher o seguinte: seis anos de permanência na categoria anterior (Professor Associado); ter no mínimo um livro científico na respectiva área do saber, como autor; um livro científico como co-autor; um livro didáctico como autor; um livro didáctico como co-autor; quatro artigos científicos como autor e cinco artigos científicos como co-autor; dois manuais como autor e três manuais como co-autor; duas sebentas como autor e três sebentas como co-autor; seis fascículos como co-autor; pelo menos seis comunicações em eventos científicos nacionais e internacionais.


O candidato a Professor Auxiliar deve preencher, entre outros, os seguintes requisitos: ter permanecido cinco anos na categoria anterior (Professor Auxiliar) e ter no mínimo um livro científico na respectiva área do saber como autor e um livro científico como co-autor; um livro didáctico na área do saber como autor e um livro didáctico como co-autor, dois manuais como autor e três manuais como co-autor; duas sebentas como autor, três sebentas como co-autor, cincofascículos como co-autor, bem como quatro comunicações em eventos científicos nacionais e internacionais. “Não acreditamos que os ministros que compõem o Conselho de Ministros, muitos deles docentes universitários, tenham lido com atenção às armadilhas que o pacote do Ministro Adão do Nascimento contém”, duvidam os docentes que admiram a capacidade de o actual ministro de induzir todos para as suas aspirações pessoais através de uma orquestra de “lobbies” junto de quem tem o poder de influenciar as decisões.

Nomeações com cunho tribalista (?)

A lista dos novos reitores das oito universidades pública, nomeados em Conselho de Ministro sob proposta do ministro do Ensino do Ensino Superior, é outro objecto de contestação da comunidade académica. Muitos dos contestatário encaram na atitude do ministro uma veia tribalista contra os bakongo. As nossas fontes não compreendem por que dos quatro reitores exonerados, três sejam da província do Uíje – KianvuTamu, Carlos Diakanamwa(ambos antigos vice-reitores da UAN no tempo de João Teta) e Samuel Carlos Victorino”. Carlos Diakanamua foi exonerado do cargo de reitor da Universidade KimpaVita que cobre as províncias do Uíge e Kwanza Norte, KianvuTamu, da Universidade 11 de Novembro que compreende as províncias de Cabinda e do Zaire e Samuel Victorino da Universidade LuejiAnkonda (Lunda-Norte, Malanje e Lunda Sul). O quarto exonerado é Abrão Mulanje, antigo decano da Faculdade de Direito e delegado dos serviços de segurança na província da Huíla, que passou a reitor da Universidade MandumeYandomufaia (Huila, Namibe e Cunene) na sequência da morte do seu primeiro reitor há quase quatro anos.

Os critérios (étnicos do ministro) tomam evidência quando se constata que, além de a maioria dos nomeados serem oriundos da região Kimbundu, de que é originário o próprio ministro, da lista dos novos reitores não consta nenhum nome de quadros nascidos nas províncias do Uije e do Zaire, região com mais doutorados,. “O pior é que não se encontram razões palpáveis para o afastamento dessas feras do saber, em Angola”, dizem. KianvuTamu, por exemplo, é um quadro respeitado, com curriculum administrativo invejável e um dos poucos professores titulares com publicações na sua área do saber. Foi substituído por um professor associado, sem nenhuma publicação e com um histórico de gestão danosa. Trata-se do etnólogo João Fernando Manuel, natural de Malanje, o problemático decano da extinta Faculdade de Letras e Ciências Sociais da UAN, que se demitiu do cargo por pressão dos seus colegas de gestão que o acusaram de desvio de fundos. Fontes bem posicionadas dizem que Kianvu Tamu e Carlos Diakanamwa foram expurgados por estarem ligados à antiga ministra do sector, Cândida Teixeira.

Do trio dos uijenses rejeitados pela caneta de AN, talvez se safe o médico Samuel Carlos Victorino que se gaba de ser o ideólogo do pacote das novas medidas do Ensino Superior. Diz ele que ao ser exonerado, foi-lhe prometido o cargo de director de gabinete do ministro com amplos poderes só equiparáveis aos de um secretário de Estado. Aliás, já se aventa mesmo nos círculos de amigos de SV que o ideólogo vai ser preparado para vir a ser o ministro do sector nos próximos anos.

Para as fontes d’ A Capital, questionam ainda a opção do ministro Adão do Nascimento em propor Miranda Lopes (doutorado em engenharia agrónoma e Economia em Moscovo) para reitor da Universidade KuitoKuanavale depois de o ter exonerado do cargo de director do INAGBE (Instituto Nacional de Gestão de Bolsas de Estudo por declarada incompetência, ao ponto de essa instituição que contribuiu para a formação dos milhares de quadros de que Angola se orgulha estar vestida de uma autêntica tanga.

De resto, a lista dos novos reitores evidencia novos nomes como a de Maria do Rosário Bragança Sambo, doutora em Medicina, para a Universidade Agostinho Neto (Luanda e Bengo); João Fernando Manuel, doutor em etnologia,para a Universidade 11 de Novembro (Cabinda e Zaire); Carlos Pedro Yoba, doutor em ciências pedagógicas, para Universidade LuejiA’Nkonda (Lunda-Norte, Lunda-Sul e Malanje); João Francisco de Sousa Gastão para Universidade KimpaVita (Uíje e Kwanza-Norte); Miranda Lopes Miguel (antigo director do INABE), doutor em engenharia agrónoma e economia, para a nova Universidade KwitoKwanavale (KuandoKubango).

Orlando da Matta (antigo reitor da Universidade Agostinho Neto), doutor em nutrição vegetal, vai desterrado no Lubango, na Universidade Mandume (Cunene, Huíla e Namibe), enquanto Cristóvão Simões, doutor em medicina, permanece na Universidade José Eduardo dos Santos (Huambo, Bié e Moxico) e Albano Ferreira, doutor em medicina, é mantido na Universidade KatyavalaBwila (Benguela e Kwanza-Sul).