Luanda - O director do INAR reconhece que é “muito complicado” encerrar igrejas porque afecta a vida das pessoas, mas garante que tem havido mão pesada sobre locais de culto. Em vésperas de levar à discussão pública um anteprojecto, Manuel Fernando reforça que a actual lei está desajustada e que isso “cria dificuldades” no controlo do fenómeno religioso.

 

Fonte: NG

Director de Assuntos Religiosos reconhece que “a lei está desajustada”


Como encara o fenómeno religioso?
A partir do momento que Angola ficou em paz, o fenómeno ganhou uma dinâmica. O país registou uma abertura e fruto disto surgiram muitas igrejas, provenientes de outros países. Estas trouxeram novas formas de sociabilidade que chocaram com a forma de ser das nossas sociedades e este é o cuidado que o Estado tem tido com o fenómeno. Temos tomado algumas providências com a publicação de uma serie de instrutivos no sentido de estancarmos a proliferação.
Mas o fenómeno religioso é extremamente complexo e problemático, estamos a falar de um fenómeno que tem que ver com as crenças e convicções e que não são objectos palpáveis, estão no âmago. Quando as pessoas acreditam, acham que acreditam em Deus e que isso dá sentido à própria vida do cidadão e das comunidades, portanto, é extremamente complicado encerrá-las. Quando se diz que se deve fechar igrejas, não estão a falar exactamente de Igreja, mas sim do local do culto. Com as denúncias que temos recebido de que há pessoas a fazerem cultos em residências, terraços e noutros locais inapropriados temos tomado medidas prudentes. O Governo tem feito bem em atacar o fenómeno com ponderação. Os locais não apropriados ao culto têm sido encerrados.

 

O que se faz para estancar a proliferação?
O Governo ataca através de algumas medidas que vamos tomando, nomeadamente com encerramentos de alguns locais de cultos, cujos líderes realizam práticas que não combinam com a Constituição. Sobretudo aquelas que não vão de acordo com a nossa matriz cultural, como acorrentar e acusar crianças de feitiçaria.
Se uma igreja quer ser respeitada pelos vizinhos deve também respeitar o silêncio dos vizinhos. Quando isto não acontece, somos obrigados a encerrá-las.

 

Como se explica que pastores acusem crianças de feitiçaria?
É um comportamento desviante numa primeira fase. A problemática da feitiçaria é complexa e os bantu também acreditam muito.
É um fenómeno que, também entre nós, precisa de ser estudado do ponto de vista científico, para darmos também respostas científicas.
O instituto tem diferentes projectos que pretende desenvolver, entre os quais o das crianças acusadas de feitiçaria, procuraremos dar respostas científicas.

 

Quando uma igreja isola crianças dos familiares, que medidas o INAR toma?
Quando estes factos surgem, é necessário que haja denúncia. Quando isto acontece, atacamos de imediato. Temos casos em que encerramos os locais de culto porque os pastores tomaram uma atitude de acorrentar crianças e solicitamos ao Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos e à Polícia Nacional para tomarem medidas. É preciso que as comunidades também denunciem.
Como justifica que, depois encerrada uma igreja, esta mude de nome, as mesmas pessoas voltem a realizar cultos no mesmo espaço…
É preciso perceber o conceito de igreja e de culto, são coisas diferentes. Quando falamos de igreja estamos a pensar em pessoas que fazem a igreja, definida como conjunto de pessoas reunidas em torno de uma mesma fé.
Quando pensamos em locais de culto, estamos a pensar na estrutura física, no edifício. É complicado dizer que estamos a encerrar igrejas, porque as pessoas se movimentam, quando encerramos um local de culto, vão abrir outro, noutras zonas, por isso é que devemos entender os conceitos. Não conheço locais de cultos que mandamos encerrar e que tenham reaberto.

 

A Igreja Mundial foi encerrada, mudou de nome e continua a funcionar no mesmo local…
O nosso conhecimento sobre a situação dessa igreja é que está encerrada, por decisão do Governo. As informações que possuímos são de que a comunidade religiosa procurou uma outra denominação para que continuasse a cultuar na estrutura. É bom também lembrar que os espaços da maior parte das igrejas são arrendados. O que nos parece é que a Missão Evangélica, antiga Igreja Mundial, foi arrendar o mesmo espaço para a realização de cultos. A lei não permite que igrejas não reconhecidas trabalhem sob a capa de uma reconhecida.

 

E pode ter os mesmos dirigentes?
Não. Já não pode ter os mesmos dirigentes. A lei não permite que pessoas pertencentes a igrejas encerradas criem uma outra e funcionem nas mesmas estruturas, também não vamos permitir que assim seja.

 

Que tipos de trabalhos estão a fazer no âmbito da nova proposta?
Estamos neste momento a recolher contribuições para a melhoria do anteprojecto que vai alterar a lei de 2004. A proposta dará resposta ao constrangimento sobre a impossibilidade de reconhecimento de igrejas.

 

Porque não actuam já?
Este é o problema. Para actuarmos temos de ter uma base legal. A lei actual está completamente desajustada, em muitos aspectos, por isso é que estamos a apresentar um ante projecto-de-lei, para suprir as lacunas que a própria lei não contempla.

 

Porque é que as igrejas ilegais não são encerradas?
As ilegais ainda não foram encerradas por existir complexidade. Vamos tomando medidas paulatinas. Acho bem que o Governo reflicta neste problema. A proliferação de igrejas não é problema exclusivo de Angola, como muita gente pensa. Existe noutros países, desenvolvidos ou não. Estamos a encerrar locais de cultos, mas encerrar uma igreja é difícil, porque está ligada às pessoas. Para encerrarmos devemos ter ponderação e as igrejas não são iguais, temos de reconhecer o importante papel que as igrejas jogam na sociedade, por isso é preciso não as misturarmos no mesmo saco.
Nessas instituições há pessoas boas e más.

 

A Igreja Tocoista é legal?
Claro que é reconhecida. O que se passa é que o Governo reconheceu três lideranças e a seu tempo deverá existir uma. Tivemos um problema muito grave dentro da igreja e, naquela altura, pensou-se melhor reconhecer as três partes como forma de resolver o problema que se vivia, mas não se resolveu.

 

Não seria uma obrigação para quem pretenda abrir igreja ter preocupação social (escolas, hospitais e centros de formação profissional)?
O novo anteprojecto-de-lei já define estas coisas e um dos objectivos é a normalização do exercício da liberdade religiosa. Este anteprojecto clarifica uma série de conceitos, porque tem havido várias confusões na interpretação.

 

Como olha para aquelas igrejas que prometem fundos e mundos?
O anteprojecto também já define isso. Há muitas zonas cinzentas existentes na actual lei. O anteprojecto defende que nenhuma confissão religiosa pode cobrar bens, serviços ou valores a troco de promessas e bênçãos divinas. As igrejas deverão declarar os bens que recebem a título de doação, os quais devem registar e por último devem adoptar medidas transparentes de gestão e aplicação dos fundos arrecadados.

 

Porque é que o Islão ainda não é reconhecido?
Quem reconhece as igrejas é o Ministério da Justiça, depois o Ministério da Cultura dá um parecer favorável e não sei porquê, até agora, ainda não foram reconhecidos. A seu tempo haverá respostas sobre está problemática.