Luanda - Impulsionado pela curiosidade  jornalística-intelectual e também pela necessidade histórica, decidi embrenhar-me na leitura das abundantes páginas de um documento, denominado “Treze Teses em Minha Defesa”.

 


Fonte: Club-k.net

“Revolta Activa” e “Revolta do Leste”

Este documento que foi durante muitos anos omitido do conhecimento público, é um delicado enunciado  escrito por Nito Alves, o militante do MPLA, que foi acusado, como o protagonista duma intentona, que ficou conhecida como Fraccionismo e oficialmente apontado de tentar  fazer um Golpe de Estado, contra Agostinho Neto, o presidente de Angola em 1977.  A razão da censura, fez parte durante muito tempo da sequência da punição que se abateu sobre todos os que haviam sido considerados envolvidos  nessa  controversa conspiração.

 

Naturalmente, não sendo possível ver-se extinto por completo na memória nacional, um acontecimento de proporções tão  profundas, para um Povo e para uma nação ainda muita nova, essa lembrança foi-se tenuamente libertando das tensões e dos vetos políticos presentes durante os anos da contenção, devido também  à guerra civil, que sufocava essa angústia.


Foi assim que muitas pessoas afectas  aos numerosos mortos e desaparecidos, por força da maior represália política tida em Angola, conhecida como “27 de Maio”, resolveram evidenciar de modo vivo tais perdas e  formaram a Fundação Vinte e Sete de Maio. O  objectivo principal, foi o de honrar a memória,  exigindo das autoridades um funeral simbólico e certidões de óbito, aos milhares de pessoas desaparecidas e mortas.  É essa organização que trouxe à luz, o embaraçante enunciado escrito por Nito Alves.


Pela importância da análise, mesmo se pouco apreciável no seu decurso, avancei no desafio e fui lendo os curiosos documentos, que durante muito tempo, haviam sido misteriosamente tabú – As treze teses de Nito Alves!

 


As teses elaboradas pelo homem que se entregara à revolução - primeiro como guerrilheiro e depois com a ideologia comunista como arma política que ousou  utilizá-la até para corrigir desvios de companheiros, que ele considerava pernicioso ao curso glorioso do Movimento. Viu-se por isso,  acusado de manobras divisionistas e catalogado para a História angolana, de fraccionista!


No entanto, as teses que pretendiam explicar a sua intrasigência contra os “desvios políticos” e refutar a classificação de fraccionista, não foram usadas, porque jamais existiu a oportunidade  de fazê-lo.

 


Da leitura das “Treze Teses em Minha Defesa”, destaquei dois pareceres que retive basilares na impulsão do  documento e que permitem obviamente conclusões importantes, que podem ser extraídas - quer sob a perspectiva da leitura da doutrina marxista e suas subtilezas, quer sob a perspectiva da sua absorção e da utilização  pelos revolucionários de um movimento em África e particularmente Angola - donde evidencio algumas aspectos pertinentes. O primeiro, é a existência duma acuidade apreciável na retórica e na explanação  dos conceitos que Nito Alves defendia e da concetualização dos princípios ideológicos considerados nessa época.


O segundo parecer, é de que, a interpretação geral desses escritos, me forçaram também à uma irónica tese:  - Que a ingenuidade humana, está na mesma proporção, que a utopia dum pensador!
Para uma explicação, que  talvez não seja suficiente para fundamentar  integralmente esta ilação acrescentaria dizendo:
As ideias e intenções exprimidas por qualquer indivíduo, serão sempre, expontânea e naturalmente de considerar-se boas ou para bem, desde que não contenham nenhum pressuposto racional de perversidade ou de mal em relação ao outro! No entanto a classificação da positividade ou não,  da ideia, depende do desenvolvimento externo e objectivo dela e dos efeitos ocorridos no transcorso da realização. Depois se tivermos em consideração que o processo, implicará, necessáriamente uma multiplicidade de agentes activos e passivos, que podem responder integralmente à originalidade da ideia, alterar ou modificá-la completamente, é lógico, que a ingenuidade será decorrente, se considerarmos como absolutamente íntegro do mesmo valor original, o tal pensamento ou intenção.


Assim, o desenvolvimento político e ideológico de Nito Alves, parece ter-se pautado pela motivação e o entusiasmo resultante da entrega numa causa considerada amplamente benéfica. Donde a realidade social e política  da época que se vivia, se prestou até certo ponto,  para servir de  justificação do ímpeto férreo, que este imprimira na sua acção de militante político.


No entanto a incandescência desenvolvida  acabou  por ser inevitavelmente tomada pelo romantismo ideológico, que não lhe permitiu rever os exemplos dos fraccionismos anteriores imputados a outros companheiros e denunciados, pela direcção do Movimento, que ele com veemência defendeu na célebre Conferência  de Lusaka, onde se discutia o excesso de “presidencialismo” e o  relativo abandono das “Regiões-Militares” no interior do território, pela direcção de Agostinho Neto.


Seria talvez aqui, que Nito Alves, teria que reconsiderar alguns aspectos das suas teses, pois que a “Revolta Activa” e “Revolta do Leste”, eram antecipadamente uma similitude do fraccionismo, cuja autoria lhe seria mais tarde atribuída, e que serviriam  de razão para a elaboração dessas teses.


Um outro aspecto que  me suscitou grande curiosidade, foi notar as referências que Nito Alves, faz acentuadas vezes ao então Secretário Administrativo do Bureau Político, Lúcio Lara. Nisso fica claro o desconforto de Nito, na sua relação com um dos dirigentes mais importantes do Movimento. Pela abundância dos reparos que  faz a sua acção de militante marxista e tendo em que conta ainda, a inquestionável  experiência política do militante de esquerda, de quem  se podia de certo modo, definir como um percursor do Movimento comunista nacional, se fica obrigado a perguntar:
- Seria falsa ou intencionalmente desviada dos seus fundamentos originais, a aplicação do marxismo-leninismo e toda a dinâmica da ideologia comunista, de Lúcio Lara?
- Que dizer dos outros dirigentes  e dos membros do Bureau Político?
- Teria o Movimento alguma ignorância em relação à profundidade da linha  ideológica a seguir, ou desenvolvera apenas um mero exercício de oportunidade de usufruto, dado pelo abraço comunista?!


Nestas questões, que mais do que encontrar respostas para a autópsia de um processo ideológico que pareceu ter sucumbido por morte natural ou de exumar ossaduras duma explicação que ficou por ser dada, resta principalmente a intenção intelectual da necessidade histórica, de se eliminar as lacunas sombrias e estranhas que subsistem.


A referência às teses de Nito Alves, são por isso mesmo, no fundo, um exemplo da necessidade de se reorganizar a  História e as suas verdades, cujo desafio, todo intelectual verdadeiro, consciente da responsabilidade patriótica em relação à Angola, deve necessariamente encarar.