Lisboa - As trapalhadas em que, ultimamente, se têm traduzido alguns actos do Presidente da República não deveriam ser tomadas como falhas circunstanciais sem quaisquer consequências.

Fonte: Club-k.net

Não! É preciso tomá-las como eventuais indícios de algo muito sério que pode estar a ocorrer por detrás das cortinas presidenciais.

Mesmo porque começam a transformar-se em rotina.

Com poucos meses de distância, José Eduardo dos Santos (JES) protagonizou actos que deveriam despertar alarmes.

Em Maio do ano passado, o Presidente José Eduardo dos Santos promoveu ao grau militar de Brigadeiro o então delegado de Luanda do Serviço de Inteligência e de Segurança do Estado (SINSE), António Manuel Gamboa Vieira Lopes, que à data se achava detido em prisão preventiva pelo crime de rapto e homicídio dos activistas Alves Kamulingue e Isaías Cassule.

Em virtude dessa decisão presidencial, no dia 08 de Setembro daquele ano o Tribunal Provincial de Luanda declarou-se incompetente para continuar um julgamento que envolvia um   oficial general.

A sociedade viu na decisão que promovia António Vieira Lopes uma manobra do Presidente da República para blindar o responsável provincial do SINSE dos graves crimes de que era acusado.

Mas, incomodado com a repercussão negativa da sua decisão, no dia 22 de Setembro JES assinou uma ordem através da qual revogava a promoção de António Vieira Lopes. O Presidente da República qualificou a sua decisão anterior como “inconveniente e inoportuna”.

Além de revogar a promoção de António Vieira Lopes, o Comandante-em-Chefe ordenou a abertura de uma investigação à instrução do processo que levou à promoção de um oficial que àquela altura já se encontrava detido e respondia em tribunal.

Revogar a decisão a controversa promoção tranquilizou a sociedade, mas a gafe presidencial fez soar o alarme: como pode o mais alto Magistrado do País promover alguém que respondia em tribunal por crime de rapto e homicídio e pelo qual acabou condenado na pena de prisão de 17 anos?  

É certo que o PR deu a mão à palmatória, ao criar uma comissão para investigar como foi parar à sua mesa uma tal proposta. Nunca vieram à tona os resultados produzidos por essa comissão. Seja como for, ficou claro que, mais uma vez, José Eduardo dos Santos recorreu a uma manobra rotineira: sacudir a água do seu capote.

Mas endossar toda a responsabilidade aos assessores não eximiu o Presidente da República de culpas no cartório. Enquanto Comandante-em-Chefe, ele tinha a obrigação de saber em que situação se achava o então delegado provincial de Luanda do SINSE. Numa pessoa com as elevadas responsabilidades de um Chefe de Estado não são toleráveis falhas como essa. José Eduardo dos Santos tem obrigação de ler prévia e atentamente toda a papelada a que apõe a sua assinatura. Tem tempo e é (generosamente) compensado para e por isso.

Mas rol de trapalhadas presidenciais tinha apenas começado.

Há poucos dias, este portal tornou público um facto que assusta pelo seu ineditismo e total despropósito: o Presidente da República nomeou o Subcomissário André Kiala “Comandante Gato” para o cargo de conselheiro do Comandante Geral da Polícia Nacional.

Sucede que André Kiala, nomeado em Maio, faleceu no dia 29 de Abril passado e o seu corpo ainda deve estar quente visto que foi enterrado no principio do mês em curso.

Gafe como essa é mais do que perturbadora.

Não pode ser normal que o Comandante-em-Chefe ignore a morte de um oficial superior da Polícia. Há algum parafuso fora do lugar.

Ignorar a morte de um oficial general da Polícia significa que José Eduardo dos Santos não está a par de coisas importantes que ocorrem neste País.

Não ter ido a funeral do Comandante Gato, que morreu e foi enterrado em Luanda, já foi um acto de descortesia para com a Polícia, mesmo porque é conhecida a permanente disponibilidade de José Eduardo dos Santos para ir a eventos como o Miss Angola.

Nomear um falecido para um cargo que só pode ser desempenhado por pessoa de carne e osso pode indiciar alguma confusão.

Entre os dois episódios (promoção de um militar que se encontrava à contas com a Justiça e nomeação de um defunto), José Eduardo dos Santos deu a cara a duas operações que, no mínimo, sugerem grave descompasso com os tempos que vivemos.

Através do Despacho Presidencial nº 32/5, José Eduardo dos Santos aprovou a compra de uma aeronave de fabrico canadiano no valor equivalente a 62.500.000.00 de dólares.

A milionária transação, feita em tempos de acentuada crise económica e financeira, pode ser um indício de que José Eduardo dos Santos começa a ter dificuldade de discernir entre o certo e o errado.

Comprar uma aeronave de luxo de apenas 12 lugares, o que significa que não procura fins comerciais, significa que o dito Executivo mente aos angolanos quando diz que a queda do preço do petróleo esvaziou os cofres públicos. Significa que programas sociais não são amputados por falta de dinheiro; são amputados porque o Executivo capitaneado por José Eduardo dos Santos não abre mão da extravagancia e do exibicionismo.

A opinião pública não tinha ainda digerido a extravagancia que consiste na compra de uma aeronave de luxo quando foi agredida pela informação segundo a qual pelo punho de costume, o Executivo está autorizado a despender mais de 5 milhões de dólares para comprar três apartamentos.

A semana passada a agência noticiosa portuguesa teve acesso a um despacho de JES que autoriza o Governo a comprar três apartamentos a uma empresa gestora de fundos e investimentos do antigo Banco Espírito Santo Angola (BESA) por 4,4 milhões de euros.

A operação é justificada com a “necessidade de comprar três apartamentos de função para membros do Governo”.

Para cidadãos nacionais vender ou arrendar imóveis tornou-se quase um milagre. No entanto, o Governo não hesita em despender mais de 5 milhões de dólares para acudir e tirar do sufoco aqueles que saquearam o Banco Espírito Santo Angola.

As mais recentes e extravagantes aquisições do Governo sugerem que a sociedade civil precisa de reforçar e aperfeiçoar os mecanismos de monitoramento dos actos do Presidente da República. Alguns deles começam a ser marcados pela falta de bom senso.

O MPLA e o exército de sanguessugas que se acotovelam e prosperam financeiramente em torno e por escolha dele até podem não querer, mas José Eduardo dos Santos é humano como qualquer um de nós e aos 74 anos é normalíssimo que já não tenha o controlo total de todas as suas faculdades. A medicina sustenta que nessa idade as mudanças físicas são acompanhados, via de regra, por transtornos depressivos, transtornos cognitivos, fobias e outros.

Por isso, é mais do que chegada a hora de encarar a verdade de frente. Ou seja, aceitar que JES tem de "largar o osso". Queira ou não.

Para ludibriar o inevitável desgaste provocado pelo tempo, JES fez-se rodear de gente que o tem como se fosse uma frágil peça de cristal. Essa gente blindou-lhe os ouvidos contra certas verdades e vendou-lhe os olhos para algumas realidades. Donde, resulta um Presidente da República que parece viver em outra galáxia. Daí a promover oficiais militares em conflito com a lei ou a nomear pessoas acabadas de morrer vai distância nenhuma.

Aqueles que são seus verdadeiros amigos deveriam ser capazes de alertar o Presidente da República para o facto de se ter deixado aprisionar por gente apostada em cobrir de ridículo o pouco que já falta do seu já longevo consulado.

E agora, Sr. Presidente?

Em Setembro de 2014, José Eduardo dos Santos ordenou a abertura de uma investigação para apurar responsabilidades no processo que culminou com a proposta de promoção ao grau militar de Brigadeiro do então delegado provincial de Luanda do SINSE, António Manuel Gamboa Vieira Lopes.

À data da sua promoção, no dia 27 de Maio do mesmo ano, António Viera Lopes encontrava-se detido preventivamente por suspeita de envolvimento num crime de rapto e homicídio de dois activistas.

Pressionado pela “voz da rua”, José Eduardo dos Santos não só revogou a promoção do aludido funcionário, uma decisão que ele próprio reputou de “inconveniente e inoportuna”, como ordenou a abertura de um inquérito.

Esgotados os 60 dias que o Presidente da República atribuiu aos integrantes da comissão para concluírem o inquérito, a opinião pública não sabe se alguém foi responsabilizado pela enorme gafe que foi a promoção de um oficial militar que estava em dívida com a lei.

Exactamente um ano depois, o Comandante-em-Chefe e Presidente da República superou-se: nomeou para o cargo de conselheiro do Comandante Geral da Polícia um oficial superior que morreu não faz um mês!

Nas duas “banderas” do Comandante-em-Chefe há a mão visível da Casa de Segurança do Presidente da República. E por ela que passa toda a papelada de ordem militar.

Sendo a Casa de Segurança liderada pelo poderosíssimo General Hélder Manuel Vieira Dias “Kopelipa” é caso para perguntar: e agora, Sr. Presidente da República? Vai punir ou, mais uma vez, empurrará o lixo para debaixo do tapete?

Este País está cheio de exemplos de casos de servidores públicos que foram defenestrados por muito menos. Se o General Kopelipa sobreviver às duas trapalhadas em que envolveu o Comandante-em-Chefe tornar-se-á num intrigante quanto interessante “stude case”.

Paulo Alvés