Luanda - Assinala­s e no próximo domingo, dia 31 de Maio 2015, mais um aniversário dos Acordos de Paz para Angola (Acordos de Bicesse­Portugal), celebrados em 1991, entre o Governo dirigido pelo MPLA e a UNITA, movimento beligerante, depois de sucessivas rondas de negociações com a mediação do então Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação de Portugal, José Durão Barroso e de observadores dos EUA e da Rússia. E, infelizmente, muitos jovens desconhecem esta importante dada para história da instauração da democracia em Angola.

Fonte: Club-k.net

O referido acordo marcou a transição político­ econômica do País. E, pela primeira vez, deu­se fim a guerra civil iniciada depois da independência em 1975, depois várias tentativas de diálogo e de efémeros acordos de paz, como sejam, os Acordos de Nova Iorque (22 de dezembro de 1988) celebrados entre Angola­Cuba­ África do Sul e SWAPO­Namíbia, que previa e regulava a retirada das tropas cubanas e sul­africanas de Angola e a independência da Namíbia; e os Acordos de Gbadolite (ex­ Zaire), celebrados no dia 22 de junho de 1989, que contou com a presença de dezoito Chefes de Estado africanos e com o patrocínio do presidente Mobutu, mas não resultou no fim do conflito.

Os Acordos de Bicesse continham essencialmente, entre outras, duas componentes. Uma militar (por exemplo, cessar­fogo e desmilitarização total da UNITA) e outra política. Falaremos apenas de uma parte da componente política, ou seja, a transição de um regime monopartidário para o multipartidário, ou dito de outro modo,, de um regime autoritário para um regime democrático, de uma economia centralizada/planificada para economia do mercado e a propriedade privada.

Para que essas mudanças acontecessem concorreram fatores externos (internacionais) e internos (nacionais).

Quanto aos fatores externos, pode­se afirmar que a guerra em Angola também foi espaço de continuidade de batalhas e de lutas ideológicas entre as superpotências mundiais durante a Guerra Fria, isto é, enquanto o MPLA, partido governante, era apoiado pela URSS, Cuba e alguns países do leste europeu de orientação comunista (ou marxista); a FNLA, até aproximadamente aos finais da década de 90, e a UNITA eram

apoiadas pelos Estados Unidos da América (Vide: ANSTEE, Margaret Joan. Órfãos da Guerra Fria. Radiologia do calopso do processo de paz angolano 1992/93. Porto: Campos das Letras Editora, 1997; PEZARAT,

C. P. Angola: do Alvor a Lusaka. Lisboa: Hugin Editores, 1996; VALENTIN, Jorge. 1954/1975 Esperança, época de ideias da independência e dignidade. Luanda: Nzila, 2005, e Caminho para a paz e reconcialiação nacional: de Gbodolite a Bicesse, 1989­1992. Luanda: Mayamba, 2010).

Assim, com base na divisão bipolar do mundo entre os países aliados ao bloco capitalista liderado pelos EUA e ao bloco socialista liderado pela URSS, intensificou ­se, cada vez mais, o conflito civil em Angola.

Neste contexto, o MPLA era conotado como movimento de esquerda, progressista e pro­comunista e a UNITA era identificada como movimento de direita, capitalista e pro­democracia.

A China e a África do Sul também não firam de lado neste contexto. Deste modo, « [...] a África do Sul e, com menor intensidade, a China envolveram­ se na crise angolana. O regime sul­ africano interveio diretamente na guerra civil, ao lado da UNITA, sob pretexto de defender a Namíbia contra os guerrilheiros da SWAPO, em ação a partir do território angolano, e mediante a alegação de intuir diminuir a influência do marxismo na região. O MPLA, de ideologia marxista, aceitou rapidamente a ajuda oferecida pelo mundo socialista, por sua vez, a UNITA, formada por guerrilheiros pró­ ocidentais, recebeu a ajuda do Ocidente e da África do Sul com o objetivo de retirar o poder do MPLA. Além das motivações ideológicas, as potências estrangeiras estavam interessadas pelas jazidas de urânio e pelas reservas de petróleo de Angola [...] Finalmente, em virtude de sua posição geográfica, da sua face atlântica e dos seus portos, Angola representava um primordial desafio estratégico, notadamente, em virtude da rivalidade naval entre a OTAN e o Pacto de Varsóvia.» (Vide: Iba Der Thiam e James Mulira, A África e os países Socialistas. In: MAZRUI, Ali; WONDJI, Christophe. História Geral da África: África desde 1935, vol. VIII. São Paulo: Cortez; UNESCO, 2011, p.994)

Esta realidade também foi descrita por José Manuel Imbamba quando assevera:

« A independência de Angola, tal como foi conquistada, não podia ser aquele ponto de viragem substancial para a liberdade e desenvolvimento sócio­político, econômico e cultural que todos os angolanos sonhavam. O país estava, praticamente, condenado a precipitar­se perigosa e vertiginosamente, para os abismos da ruina total e isto por duas razões principais: a política marxista leninista assumida pelo MPLA e a guerra de guerrilha levada a cabo pela UNITA, incentivada e nutrida pelos Estados Unidos de América e pela África do Sul, contra tal política.» (Vide: Uma nova cultura para mulheres e homens novos...Luanda: Paulinas, 2010, p. 93)

Assim, pode­se constatar que internamente, além das divergências ideológicas entre os movimentos de libertação, interesses político­estratégicos e econômicos estrangeiros internacionalizaram e ditaram os longos anos de conflitos em Angola.

Como consequência desta realidade, ao nível interno, o processo político angolano ficou bipolarizado entre o MPLA e a UNITA, realidade esta que, de uma forma ou de outra, ainda continua em Angola e que, infelizmente, se pretende transmitr para as novas gerações.

Surpreende­me o modo como jovens, adolescentes e a nova geração de políticos, sobretudo filiados nos partidos, divergem sobre as questões de política ou de participação cívica. Não poucas vezes, constato nos seus discursos um radicalismo e ódios, muito parecido (algumas vezes mais elevados) dos da geração beligerante. Ainda impedem a inserção social e económica dos outros jovens por não serem do seu partido.

Tudo indica que as novas gerações não estão a ser educadas para uma nova realidade política do país, ou seja, a realidade democrática, que requer aceitação das diferenças, da diversidade de opinião e de opção política e a promoção da meritocracia.

Por outro lado, com o cenário internacional resultantes do final da Guerra Fria na década de 80, da queda do Muro de Berlim em 1989 e os efeitos da “Perestroika” nos anos 90, os regimes socialistas e/ou o bloco comunista e a ideologia marxista­ leninista começaram a desmoronar­se e os novos acontecimentos internacionais influenciaram positivamente no conflito angolano.

Neste contexto, internamente, não restava outras opções políticas­ideológicas. Mais tarde ou mais cedo, o multipartidarismo ou a democracia seria adoptada em Angola. Deste modo, foram produzidas alterações legislativas que conduziram à abertura democrática e, consequentemente, o nascimento da II República, através da odapção de um novo regime político, de um novo sistema económico e social.

Fruto das negociações, antes da assinatura dos Acordos de Paz de Bicesse já tinham sido aprovadas alterações à Lei Constitucional da República Popular de Angola através da Lei n. 12/91 de 06 de Maio, que introduziu as premissas fundamentais necessárias para abertura democrática, para um Estado de direito e pluripartidário (art. 1o e 2o), para a ampliação, reconhecimento e garantias dos direitos e liberdades fundamentais, direitos social, econômico, culturais e para uma cidadania inclusiva (Título II), bem como as premissas básicas para economia do mercado cujo “sistema econômico assenta na coexistência de diversos tipos de propriedade, pública, privada, mista, cooperativa e familiar” (art. 10). O país também deixou a designação República Popular de Angola para se tornar República de Angola.

Logo depois outras leis foram, igualmente, aprovadas no sentido do reforço formal do Estado de Direito Democrático como, por exemplo, a Lei da Greve, a Lei de Reunião e Manifestação, Lei das Associações, Lei da Nacionalidade, Lei dos Partidos Políticos, do Direito de Antena, de Resposta e Réplica Política.

Por último, promulgou­se novamente uma Lei de Revisão Constitucional (Lei n. 23/92 de 16 de Setembro) que, juntamente, com as outras leis, criaram as bases legais para a convocação e realização das primeiras Eleições Presidenciais e Legislativas na nova República de Angola (Preâmbulo). Assim, nasce em Angola uma nova realidade que rompe, na sua essência, com a realidade instaurada depois da independência em 1975.

E as primeiras eleições multipartidárias foram realizadas nos dias 29 e 30 de setembro de 1992. E, apesar desses esforços, a abertura política e democrática foi mais formal do que real.

E, hoje, o MPLA retarda em se adaptar a nova realidade democrática. A título meramente exemplificativo, este partido mantém os mesmos Símbolos Nacionais (bandeira e hino) do tempo do partido­Estado, partidariza e controla os Órgãos de Defesa e Segurança nacionais e os utiliza para controlar e reprimir os seus oponentes democráticos e criminalizar o exercício das liberdades fundamentais e da cidadania em geral, continua a usar crianças para fins políticos através da OPA ( apesar das mudanças cosméticas efetuadas no seu estatuto), continua a controlar a mídia pública, etc.

Em conclusão, pode­se afirmar que resultantes e graças aos fatores internos e externos acima citados, Angola não é Cuba, Angola não é Coreia do Norte, Angola não pode ser a China ou, ainda, assemelhar­se a Rússia...

Os angolanos têm a oportunidade de olhar a história e construir um futuro de maneira diferente... Já existem as bases legais para o efeito. Todavia, é preciso estar em alerta e reforçar o exercicio da cidadania democrática. Para o efeito, as novas gerações precisam de ser educadas para esta nova realidade democrática ao invés de torná­las depósitos dos passivos da geração da independência e que promoveu a gerra até 2002.

Por António Ventura