Luanda - É, na actualidade, uma das referências do minúsculo núcleo de compositores angolanos de sucesso. Com apenas um disco editado, Kyaku Kyadaff detém o que de melhor existe de reconhecimento da actividade artística em Angola. Em entrevista à Angop, o cantor revela que nunca tinha sido levado a sério enquanto artista.

Fonte: Angop
Kyaku Kyadaff, já notou a dificuldade que muitos têm em pronunciar o seu nome?
(Risos) Notei e acho falta de vontade para o correcto, pois é muito simples.

E o que significa?
Kyaku é um nome kikongo e significa “teu”. Já Kyadaff resultou da junção do meu primeiro nome (Kyaku), do nome da minha mãe (Fineza) e do meu pai (Fernandes). Foi a designação que escolhi ao princípio da carreira para me apresentar enquanto artista.

Estamos a falar de que ano?
Entre 2007 e 2008.

E foi nessa altura que concorre ao “estrelas ao Palco”?
Penso que sim. Infelizmente, não fui mais longe que a primeira fase do concurso.

Porquê?
Porque a segunda etapa de avaliação do concurso foi agendado no mesmo dia em que tinha prova de Estatística, cujo professor não perdoava a deslizes. Preferi, na altura, pôr em primeiro lugar a formação.

E arrepende-se da escolha?
De modo algum.

Mas “as hormonas” da música não lhe surgiram nessa altura, pois não?
Não. Sempre gostei de cantar. Acredito ter nascido com o dom da música. Mas, até ter me superado, muita história rolou. Na região em que nasci, em Mbanza Congo, valorizava-se, na altura, ofícios como a carpintaria e pedreira. Nunca se falava de música como actividade laboral. É neste contexto, de desvalorização da música enquanto trabalho, onde cresci.

E foi este aspecto que lhe “empurrou” para o seminário?
De certo modo, sim. Tinha de ser alguma coisa, mesmo que fosse paralelamente à música. Aos 21 anos candidatei-me ao seminário na Lunda Norte. Cumpri uma longa viagem de Mbanza Congo para esta cidade com o objectivo de ser padre. Ao longo da minha formação no seminário, compunha músicas religiosas e acompanhava os cultos, tocando violão ou piano. Durante a minha permanência naquele local, fui igualmente regente e co-fundador do grupo coral da igreja. Feliz ou infelizmente, questões pessoais tiraram-me de lá antes mesmo de assumir um compromisso mais sério com a Igreja Católica.

Quando chega a Luanda, em 2004, vem com o propósito de encarar a música de forma mais séria e conquistar espaço na capital?
Não. Chego a Luanda com a intenção de me candidatar ao curso de Psicologia da Faculdade de Letras da Universidade Agostinho Neto. Durante esta fase, olhei para a música enquanto terapia. Nunca coloquei a formação em segundo plano, embora tenha sempre levado as duas coisas em paralelo.

Mas surge uma altura, pós-licenciatura, em que resolve dar uma oportunidade à música...
Foi em 2010, por altura do Campeonato Africano de Futebol que se realizou no país. Fui convidado, por intermédio de amigos, a cantar músicas do cancioneiro angolano para os integrantes de uma selecção de futebol concorrente, hospedada numa unidade hoteleira de Luanda. Foi uma forma de demonstrar a nossa cultura. Depois desta fase, o gestor deste espaço cultural convidou-me a cantar todas as sextas-feiras naquele local. Permaneci ali durante três anos e aproveitei este período para apresentar músicas escritas por mim.

Durante a sua permanência neste espaço, o público já o encarava como um músico sério?
De modo algum. Recebia alguns elogios, mas via-se claramente que para eles não passava de mais um aventureiro. Era, se calhar, reflexo do que eu apresentava na altura. Porém, ao meio deste processo e durante uma sessão na União dos Escritores Angolanos, onde passei igualmente a apresentar-me, a professora Rosa Roque, o professor Jomo Fortunato e a escritora Kanguimbo Ananás admiraram o meu trabalho e manifestaram interesse em apoiar a minha carreira. Foi igualmente nesta fase em que passei mais frequentemente a disputar alguns concursos de música. Perdi em quase todos, infelizmente.

Mas o cenário veio a alterar-se quando vence o Concurso Nacional de Trovadores...
Exactamente. Foi em 2011, ao meio dos melhores trovadores do país, que me consagrei vencedor. Lembro-me de ter ganho dez mil dólares. O meu primeiro prémio ao fim de longos anos de muita luta no campo musical. Fiquei muito contente e as pessoas mais próximas também. Com isso, granjeei algum respeito que serviu de combustível para continuar a viagem. As minhas esperanças rejuvenesceram ainda mais quando, no Huambo, conquistei também, naquele ano, o primeiro lugar no concurso de Música Popular Angolana (Variante).

Lembra como usou o dinheiro?
Deu para cobrir algumas despesas lá em casa e fechar alguns furos (risos).

Já naquela altura, sob a liderança do produtor Adão Filipe, tinha um disco em forja que nunca chegou a ser editado...
Sim, tinha. Comecei, juntamente com o Adão Filipe, a preparar um disco desde 2010. Esperei pela conclusão deste trabalho até 2013 e infelizmente não saía. Enquanto esperava por isso, fui ter com o produtor Chico Viegas, respondendo a um convite para participar no seu disco. No primeiro contacto que tive com o Chico apresentei a música “Entre Sete Sete Rosas” e ele gostou. Começamos assim a trabalhar nela.

Quando compôs este tema tinha noção que viria a se tornar no sucesso que é?
Tinha boas perspectivas, mas nunca pensei que fosse chegar no que é. Lembro-me de ter participado numa actividade no Chá de Caxinde, em 2012, e, enquanto aguardava pela remuneração do contrato (50 mil kwanzas), pus-me a fazer uns acordes no violão. E a primeira frase que emiti ao som dos acordes que fazia no violão era “não quero saber da dor, de ilusões e paixões”…E o resto da história é isso que todos assistimos.

Existem duas músicas "Me Chamam de Pacheco" e "Bibi", que também tiveram o seu público. Considera estes temas como as verdadeiras peças que impulsionaram a sua engrenagem musical?
Fazem parte da minha trajectória artística. Ajudaram-me a ser o que sou hoje, enquanto compositor. Sem dúvidas, as duas músicas fizeram com que o público descobrisse o Kyaku Kydaff.

Quando em Dezembro de 2014 esgotaram, num só dia, as 15 mil cópias que levou à Praça da Independência tinha noção de que um maior número de pessoas lhe esperava no local?
Sabia que as pessoas aguardavam com certa ansiedade o meu disco, uns porque gostaram das músicas de promoção do disco, outros porque queriam provar até onde ia a minha capacidade criativa. Porém, não esperava que estes dois grupos fossem superar o número de discos que levamos para a Praça da Independência. Tivemos de reeditar o disco urgentemente para responder à procura. Não podemos deixar mal os que respeitam e admiram o nosso trabalho.

E durante o período de formação artística do Kyaku, quais foram as suas referências?
Tive várias. Desde Teta Lando a James Brown. Ouvia muita música antiga, como a do cantor Cononô Molende - um artista angolano de raiz de quem nunca se fala, mas que compôs muita boa música.

Lançadas que estão as bases, está psicologicamente preparado para enfrentar o percurso artístico, incluindo o insucesso?
Não sinto receio algum em relação à carreira. Não gosto de ser famoso, mas sim do sucesso. A fama é um mero pormenor do sucesso. O amanhã não me incomoda.

Quais são os aspectos da fama que não caem bem para o Kyaku?
A falta de privacidade é para mim um grande problema.

E como faz para distanciar a sua esposa e a filha, de seis meses, deste grande problema como o chamou?
Tento preservar ao máximo a integridade das duas. Eu sou o músico e deve ser eu a suportar os encargos da carreira. Tenho recebido inúmeros convites de meios de comunicação social para participar, juntamente com a minha esposa, em programas de entretenimento, mas não aceito, pois julgo não ser o momento.

E ela concorda com isso?
Ela é filha de um pastor de igreja e a sua conduta moral não lhe deixa muito à vontade aos holofotes da fama. Ela concorda com a minha postura e apoia-me.

O que sentiu quando uma música trabalhada por si, “Paga que Paga”, consagra Ary como vencedora do Top dos Mais Queridos 2014?
Fiquei feliz por ela. A Ary é uma cantora super, uma voz linda, uma estrela no verdadeiro sentido do termo. Ela deu alma à música “Paga que Paga”, com a fidelidade que eu e o Camané Silva imaginamos quando juntos escrevemos este tema.

Após vários investimentos na carreira, já sente o retorno?
Sim, não posso mentir. Eu vivo da música. Com o que ganho dela, sustento a minha família e pago a continuidade da minha formação. Estou a fazer mestrado em “Governação e Gestão Pública”, na Universidade Agostinho Neto e sustento isso com o que vem da música.

Que avaliação faz ao percurso da música angolana durante as últimas três décadas?
Vejo um progresso significativo neste aspecto. Penso que estamos de regresso aos anos 60, que, para mim, foi o melhor período que a música angolana já viveu. Além de haver produção musical considerável, há também muita qualidade. Vejo todos os dias músicos amadores muito talentosos e que aguardam apenas uma oportunidade. Uma coisa muito importante nisso é que já há rendimentos que dão para sustentar quem aposta neste tipo de actividade. Ademais, a música angolana possui qualidade suficiente para continuar o seu processo de internacionalização, embora exija também muito mais trabalho.

Que mensagem deixa a quem queira se "aventurar" no mercado musical angolano?
Que continuem a trabalhar arduamente, pois a sorte é uma ilusão. É preciso persistir e manter-se digno aos bons princípios da vida.

PERFIL

Kyaku Kyadaff é natural de Mbanza Congo, província do Zaire, a 29 de Junho de 1982. É formado em Psicologia pela Universidade Agostinho Neto (UAN).

Foi eleito em 2014 artista revelação do Top dos Mais Queridos, realizado em Malanje, bem como do Angola Music Awards. Venceu ainda as categorias Melhor Kizomba e Música do Ano, com “Entre 7 e 7 Rosas”.

É autor do tema “Paga que Paga”, que consagrou Ary como Artista Mais Querida e sucede-a na lista de mais representativos nas categorias do Top Rádio Luanda 2015 que se realizou em Janeiro.

Kyaku Kyadaff tem no mercado "Se Hungwile", cuja publicação ocorreu em 2014 e numa única sessão viu esgotarem 15 mil cópias, editadas na primeira tiragem.