Luanda - Angola ainda não tem propriamente dita, uma legislação sobre os crimes informáticos. A actuação policial socorre-se do código penal angolano de 1886 para punir quem tenha praticado ou venha a praticar crimes por meio de um computador.

Fonte: Novo Jornal

No entanto, a Polícia Nacional alerta a população de que o crime também existe na internet e deve ser denunciado. O Novo Jornal abordou o assunto em entrevista via email, com o porta-voz da corporação, comissário Aristófanes dos Santos que apela à prudência e vigilância.

Nos últimos tempos tem havido muitos casos de burla na internet, principalmente no que se refere a vendas de viaturas, casas e outro tipo de bens. A Polícia tem conhecimento disso?

Sim, a Polícia vai tendo conhecimento destes e outros casos através das denúncias e queixas dos cidadãos, mas também por via das próprias redes sociais, como por exemplo o famoso caso Prelex que chegou mesmo a levar à condenação dos arguidos.

Também já se fala de grupos organizados e com profundos conhecimentos de informática que estão a criar páginas web semelhantes às de instituições bancárias, através das quais disponibilizam formulários a solicitar dados aos utilizadores, a pretexto de uma suposta actualização de cadastros. Uma vez obtidas as informações pretendidas, servem-se delas para saquear as contas das vítimas.

O que a PN tem a dizer sobre esta forma de actuação?

Sim, de facto temos conhecimento de casos que envolvem crimes dessa natureza e o nosso conselho é que os cidadãos certifiquem-se sempre das páginas que usam. Por exemplo, ao aceder a uma página devemos visualizar bem a barra de endereços, onde por exemplo no canto superior esquerdo aparece a expressão https, ou seja, o S da expressão é um quesito de segurança. E a outra forma é ter atenção aos certificados que ficam no ícone do cadeado que antecede a expressão https. Dando um clique abre uma caixa de opções no botão ligações, aí visualizamos os certificados. É tudo uma questão de atenção. Estas são as formas mais simples de nos certificarmos da veracidade das pá-ginas, mas se quisermos fazer uma análise mais profunda temos de chamar um perito informático.

Quantos e quais os casos de crime informáticos chegaram até à corporação?

São vários os casos que chegam ao nosso conhecimento, mas para a Polícia interessa sim o facto de ter havido uma conduta que viola a lei, ou seja a conduta tem de estar tipificada na lei e como tal carece da nossa intervenção.

A tipificação deste crime não está clara no Código Penal. Como é que a PN tem agido diante desta situação?

Isso não é verdade. A burla está devidamente tipificada no nosso Código Penal como crime, nos termos do artº 450º do nosso Código Penal. Não está em causa o meio utilizado para o cometimento do crime, mas sim a tipologia criminal em causa que é previsto e punível pelo Código Penal e isso aplica-se aos demais casos. O importante é que nos casos dos crimes particulares, ou seja aqueles que dependem de queixa e de acusação particular,os ofendidos apresentem queixas. Nesses outros casos como nos crimes semi-públicos e públicos, basta a simples denúncia.

Que tipo de punição têm merecido os infractores?

A actividade policial começa com o conhecimento da notícia do crime e termina com a apresentação dos suspeitos ao magistrado do Ministério Público que legaliza ou não a prisão. Portanto para a polícia, é irrelevante se houve ou não punição, porque como deve saber, a polícia não é um órgão de justiça, apenas concorre para ela. A justiça cabe sim aos tribunais.

Qual é o desfecho dos crimes que chegam à corporação?

O desfecho é como já disse. O encaminhamento dos casos ao magistrado do Ministério Público e não mais do que isso.

Há um site OLX Angola que promove a venda de produtos diversos a preços aliciantes, desde carros, motas, casas, apartamentos, telemóveis, tablets, animais, sofás, mobílias e todo o tipo de produtos de moda e acessórios. Mas, são várias as reclamações de cidadãos que se queixam de burla por parte do mesmo site. Tratando-se de uma denúncia pública a Polícia já está a trabalhar para desmantelar esta e outras redes?

É importante não fazer confusão e nem podemos sequer afirmar que o site da OLX seja ilegal. Por exemplo, existem sites oficiais de jogadores e de pessoas famosas, mas existem sites destas mesmas pessoas, com fotografias que nos parecem oficiais, mas na verdade são falsificados. O que acontece é que na internet existe sempre a possibilidade de existirem falsificações de endereços electrónicos e por isso a necessidade da certificação dos sites como atrás nos referimos. De resto é termos as cautelas normais que se deve ter na realização de um negócio.

Quantas redes já foram desmanteladas por estas e outras práticas por meio do computador?

Não podemos falar ainda em redes organizadas. Nesses casos a prudência aconselha-nos a falar em casos de burlas e outros crimes que têm contado com a utilização de meios informáticos.

É urgente a criação de uma legislação sobre crimes informáticos

Perante este quadro e na ausência de uma legislação clara sobre crimes informáticos, de que forma as autoridades têm agido, uma vez que o princípio básico é a existência de uma lei anterior ao crime?

Realmente é urgente que se crie uma legislação sobre os crimes informáticos, porquanto o nosso Código Penal é de 1886 e como é óbvio muita coisa escapa aos fenómenos da criminalidade actual. Porém, é preciso ter em conta que o que está em causa é o cometimento de crimes e a maior parte deles está tipificado no Código Penal, logo há sempre a susceptibilidade de punição dos mesmos. Veja por exemplo, uma pessoa que publica numa rede social que alguém cometeu um crime, mas que tal publicação não corresponde à verdade (ex. ele é um ladrão...). Isso é tipificado como calúnia. A calúnia é um crime e está tipificada no artº 409 do nosso Código Penal. Ou seja, pode ser imputada à pessoa responsabilidade criminal, independentemente do meio que utilizou para praticar o ilícito. Outro exemplo que lhe posso dar é o de uma pessoa que reencaminha para várias pessoas um boato electrónico. Comete um crime de difamação que está previsto e é punível no artº 407º do Código Penal.

Então existe sempre a susceptibilidade de punição dos infractores mesmo sem uma lei dos crimes informáticos actualizada?

Pois claro. E posso citar mais exemplos: Enviar emails para pessoas pronunciando-se sobre características delas (gorda, feia, prostituta...). Há aqui um crime de injúrias, previsto e punível no Código Penal artº 410; Enviar um email dizendo que se vai matar uma pessoa, artº 379 do Código Penal; enviar um email para terceiros com informações consideradas confidenciais, dá lugar a um crime de divulgação de segredos, artº 472º do código penal; efectuar um saque electrónico no internet banking com os dados de conta do cliente, trata-se de um crime de furto nos termos do artº 421º do Código Penal; enviar um vírus que destrua equipamento ou conteúdos no computador de outrem, dá lugar a um crime de danos, previsto e punível no artº 472º do Código Penal; copiar um conteúdo e não mencionar a fonte, baixar por exemplo música em mp3 que não tenha controlo como o WMF , dá lugar à violação de direitos autorais, previsto na Lei dos Direitos de Autores e Conexos. Lei n.º 15/14 de 31 de Julho, (ultimamente isso ocorre com bastante frequência com estudantes que na elaboração de trabalhos, às vezes até teses de licenciatura, efectuam autênticos plágios. Mas há mais situações como a incitação ao crime, art.º 483º, falsa identidade, artº 233 do Código Penal. E outros que seria fastidioso estar aqui a citá-los.

Que recomendações têm a Policia para o Executivo em função da insuficiência da lei?

Não há insuficiência de leis, mas sim necessidade de actualização. Temos de reconhecer a necessidade da criação de legislação sobre crimes informáticos, como fez Cabo Verde, por exemplo, porquanto o nosso Código Penal data já de 1886 como atrás afirmamos. Mas a maior parte dos casos que ocorrem na internet e que consubstanciam crimes estão tipificados no nosso Código Penal e demais legislação. Veja por exemplo, entrar na rede da empresa ou de concorrente e mudar informações (mesmo que com uso de um software), trata- -se de adulteração de dados em sistema de informações está previsto no artº 57 da Lei 22/11 da protecção de dados pessoais. Também enganar, suprimir, alterar, eliminar ou suprimir dados em sistema informático, ou interferir no tratamento desses dados, por forma a dar origem a dados falsos, que se traduz em falsidade informática, consta da Lei do Branqueamento de capitais (Artº 26º da Lei nº 3/14, de 10 de Fevereiro.

Que outros meios fraudulentos o preocupam neste caso?

Outra situação que ocorre com bastante frequência é a utilização de logomarca de empresa com um link na página da internet, em comunidades, com material, sem autorização do titular, no todo ou em parte, ou imitá-la de forma que a possa induzir à confusão. Aqui estamos perante um crime de usurpação que está previsto na lei dos Direitos de Autores e Conexos. Lei n.º 15/14 de 31 de Julho. Mas podemos citar mais casos, como por exemplo, empregar meios fraudulentos, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem, por exemplo, uso da marca do concorrente como palavra-chave ou link patrocinado em motor de busca. Estamos perante um crime de concorrência desleal, previsto e punível pela lei 6/99 - Lei dos Crimes contra a Economia.

 

Até aqui estivemos a falar sobre a utilização da internet no geral, mas hoje fala-se muito das redes sociais, nomeadamente o facebook, twiter, wathsap. O facebook é a mais utilizada cá em Angola. Também nos oferece algum perigo?

É muita gente a usar o Facebook. Tem cerca de 1.6 biliões de usuários. 89% dos seus utilizadores têm entre 18 e 49 anos de idade, 45 % têm entre os 50 e 60 anos de idade. Em Angola o número de utilizadores tem estado a aumentar significativamente, pois já temos cerca de 2 milhões e 600 mil utilizadores. É já um número considerável a ter em conta.

Diga-nos concretamente quais as desvantagens da utilização das redes sociais que acaba de citar?

Ela apresenta várias desvantagens, e eu posso enumerar algumas: o roubo de informações pessoais que podem ser utilizadas por criminosos para cometer algum delito; a alta possibilidade de transmissão de vírus nos computadores provocando dados; invasão à privacidade das pessoas; o anonimato e ilegalidade, possibilitando a muitas pessoas esconderem-se atrás de falsos perfis para cometerem diversos crimes. Outro problema que cerca as redes sociais é o excesso no seu uso que pode provocar dependência. E quando assim é estamos perante uma patologia, às vezes com consequências graves. Estes e outros aspectos acabam por ser uma grande desvantagem das redes sociais.

A Polícia tem recebido muitas denúncias, por via das redes sociais?

Não diria muitas, mas temos recebido já um número considerável de denúncias e temos sabido dar resposta célere às questões que nos são colocadas. Mas apesar das críticas procuramos melhorar, porque hoje não podemos fugir à informação. Não se trata nem se coloca a questão se devemos ou não usar as redes sociais, pois está provado que são importantíssimas num mundo global como o nosso. O importante mesmo é saber como usá-las.

Cautelas na internet

Que conselho dá aos utentes das redes sociais face aos perigos que ela apresentam?

O que digo é que é preciso haver muitas cautelas na utilização da internet, embora reconheça que nem sempre é tarefa fácil distinguir entre aquilo que é, ou não, perigoso/ilegal. Veja por exemplo que dos vários riscos que saltam à vista, a pornografia é, desde logo, o mais conhecido, mas também os sites de conteúdo racista, xenófobo, ou de puro incitamento à violência. Por vezes o perigo pode vir de uma conversa aparentemente inocente tida num programa de conversa à distancia, um chat. O que pretendemos é alertar a população de que o crime também existe na Internet e está configurado na lei, logo é importante denunciá-lo.

Que cuidados a ter então na utilização da internet?

São várias as cautelas a ter na utilização da internet. Vou apenas citar algumas que julgo serem importantes: Não dar dados de morada, escolas, local de serviço, itinerários a estranhos; não expôr fotografais pessoais ou de familiares na internet, (infelizmente as pessoas de forma emocional colocam imensas fotos pessoais e de familiares na net, sem noção dos riscos de exposição a que estão sujeitas); não dar os contactos telefónicos ou códigos de endereços electrónicos a estranhos; alguns entre outros cuidados a ter em conta. Digo tudo isso porque as pessoas on-line nem sempre são o que parecem, pois podem inventar os nomes e histórias para prejudicar. Daí que todo o cuidado seja pouco para prevenir.