Luanda - A vinda à tona do caso de um grupo que se autoproclamou revolucionário e tinha nos seus planos derrubar o regime democrático angolano merece alguns comentários.

Fonte: Jornal de Angola

Efeitos perversos de uma visão determinista 

Em primeiro lugar, devemos interrogar-nos sobre a qualidade e maturidade dos membros do grupo.

Ao que se conhece, até hoje, a primeira irrupção pública do “carismático” membro do grupo, um rapper conhecido por “mata frakus”, consistiu em usar um palavrão muito feito, próprio de crianças, ao referir-se ao Presidente da República. Por aí se vê o carácter do indivíduo e a sanidade do grupo.

Depois vieram as manifestações de provocação, que se fizeram para a fotografia e o vídeo irem parar aos sites terroristas na Internet. Politicamente, o valor das manifestações foi equivalente ao insulto. Pelo meio, foram mostrando que, afinal, contestam os anos em que o MPLA – é isso que de facto lhes dói – está no poder. O Presidente foi eleito e o voto do povo tem de ser respeitado. Por aí também não têm qualquer razão.

Ora, nada disso justifica uma revolução. Quem estudou alguma coisa sabe quem foram os verdadeiros revolucionários na nossa História mais próxima. Eles surgem-nos como homens e mulheres dignos e de elevada consciência e formação. Os verdadeiros revolucionários angolanos defenderam causas nobres e só enveredaram pela luta de libertação violenta depois de esgotarem os instrumentos de diálogo com o sistema colonial-fascista, o mais hediondo crime contra a Humanidade que já existiu à face da terra. Os ditos “revus” passam à agressão para depois reivindicarem.

De igual modo, temos o exemplo do movimento dos capitães de Abril em Portugal. A Revolução dos Cravos não se deu por caprichos da moda. Reflectiu a onda de insatisfação que atravessava a sociedade portuguesa, a revolta dos povos colonizados e a condenação internacional sobre o regime fascista de Lisboa.

Os revolucionários de Abril, muitos deles camaradas de armas dos actuais dirigentes angolanos, construíram um ideário sólido, consubstanciado em obra produzida e exposta, inclusive, no livro do general de direita que chefiou o Estado depois do triunfo da Revolução, mas quis manter a colonização em Angola. A vontade de mudança à época era transversal a classes e povos, muito longe dos disparates lançados hoje por pouco mais de uma dúzia de aventureiros que, sem uma ideia consistente, decidem passar à rebelião. Em segundo lugar, é muito estranho que um revolucionário considere necessário que um país como Angola, que acabou há pouco de sair de uma guerra prolongada e destruidora, cujo povo recebeu de braços abertos a via da paz, da reconciliação nacional, da democracia e do respeito pelos direitos humanos, um país que é conhecido como um mar imenso de oportunidades de todo o tipo e dispõe de condições para combater a pobreza e diminuir as desigualdades, precise de uma revolução e de mudar de regime. Só mentes doentias podem defender uma coisa dessas. Mas pessoas dessa estirpe existem em todo o lado. O mais grave é haver quem as acolhe.

Na realidade, aquilo que os chamados “revus”, seus mentores e financiadores, não digerem é o facto de estar no poder em Angola um Governo que rompeu com o paradigma dos regimes que os poderes e os “mass media” mundiais se habituaram a ver em África. Essa ruptura começou com as lutas revolucionárias e as independências dos povos das antigas colónias portuguesas e continuou com a libertação do Zimbabwe e da Namíbia do jugo colonial e com o fim do apartheid. Esse novo paradigma teve continuidade com a subida ao poder de líderes populares que souberam conciliar a independência política com a liberalização económica e a modernidade, tal como é praticada no mundo avançado. Isto não é a minha opinião, está claramente expresso em estudos de sociologia política de África elaborados por grandes académicos.

A visão determinista ocidental de que todos os regimes em África são todos iguais aos que foram implantados por Mobutu, Bokassa e IdiAmin é injusta, mas infelizmente encontra eco e é absorvida por uma boa parte das elites africanas, principalmente aquelas que estudaram por manuais europeus e americanos de uma forma acrítica. Essa visão interioriza que não resta outra saída em África senão o totalitarismo, tudo no nosso continente é uma imposição, não há diálogo, nem consulta popular. Os nossos políticos impreparados caiem nessa ratoeira ideológica, assumem uma prática consentânea com essa visão e correm para Washington e Bruxelas fazer queixinhas sempre que discordam de algo, não vendo que se descredibilizam, eles próprios, para sempre. Essa ideologia elimina o debate e tolhe a iniciativa, porque é o lixo dominante nas redes sociais. Os políticos impreprados não percebem que os Estados democráticos africanos precisam de instituições democráticas fortes e que tanto a imaturidade política como a falta de ideais sustentados numa avaliação rigorosa e construtiva da realidade produzem um efeito contrário à intenção propalada pelos revolucionários de pacotilha.

A subversão, a desestabilização e o caos apenas servem àqueles que pretendem fazer recuar a normalização da vida constitucional e democrática, conseguida há 13 anos e a muito custo, e prejudicam os que, mesmo na oposição e com ideias divergentes, querem fazer valer os seus pontos de vista dentro das regras do jogo democrático. Servem apenas aos que estão mortos por verem instalada uma ditadura dócil aos especuladores internacionais interessados no petróleo e nos imensos recursos naturais de Angola.

Em terceiro lugar, o nosso país tem muito mais que fazer do que estar obcecado com o processo que está a correr na Procuradoria-Geral. Cabe à justiça instruir e decidir se cada um dos arguidos vai a julgamento ou não, dentro daquilo que são os preceitos legais e os direitos dos cidadãos. Os órgãos de investigação e o Ministério Público fizeram o seu trabalho, mas em outros sectores da sociedade há muito trabalho por fazer. Não podem todos os cidadãos acordar a pensar todos os dias em revolucionários quando o país tem ainda os grandes problemas do ensino, da saúde, do emprego, da habitação, dos salários, do saneamento básico, da pobreza e do atraso económico para os mobilizar, estes sim, a todo o momento e sem descanso.

Angola só consegue manter a sua firmeza na via do desenvolvimento se continuar a haver esse esforço conjunto de cada um no seu posto e cada organismo na sua função, a realizarem o trabalho necessário para que o país produza bens e serviços e progrida. Lembro que quando o conflito armado estava no auge o Governo adoptou um inteligente plano de medidas sérias para a saída da crise que incluia acções simultâneas nos variados sectores da vida nacional, da política à diplomacia, das forças militares à sociedade civil, sem nunca abdicar dos princípios democráticos e do Estado de Direito. O país conquistou a paz e temos hoje um conjunto de programas que formam um verdadeiro plano de progresso. É esse plano que temos de levar para diante. É esse o caminho do desenvolvimento que temos de seguir sem vacilar.