Luanda - Integra da Carta Aberta da presidente da AJPD, Lucia da Silveira dirigida ao diretor dos serviços prisionais a fim de respeitar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos detidos ou presos, conforme os artigos 2.°/2 e 198.° da CRA.

Fonte: AJPD

CARTA ABERTA
AO DR. ANTÓNIO JOAQUIM FORTUNATO
DIRECTOR GERAL DO SERVIÇO PENITENCIÁRIO

C/C
- Ministro do Interior, Dr. Ângelo Tavares
- Procurador - Geral da República, Dr. João Maria de Sousa
- Provedor de Justiça de Angola, Dr. Paulo Tjipilica
- Corpo Diplomático Acreditado em Angola.

N/Refª. Nº23/DG-AJPD/2015 Luanda, 24 de Julho de 2015


Assunto: Direito dos Arguidos à visita e à defesa.


Senhor Director,


A Associação Justiça, Paz e Democracia, no âmbito das suas atribuições de promoção e defesa dos Direitos Humanos, depois de ter tomado conhecimento da detenção dos 15 jovens activistas cívicos, nomeadamente, José Gomes Hata, Hitler Jessy Chivonde, Albano Evaristo Bingo, Benedito Jeremias, Nelson Dibango Mendes dos Santos, Domingos da Cruz, Sedrick de Carvalho,Arante Kivuvu Italiano Lopes, Inocêncio António de Brito, Henrique Luaty Beirão, Manuel C. Nito Alves, Afonso Mahenda Matias “Mbanza-Hamza, Fernando António Tomás “Nicola”, Osvaldo Sérgio Correia Caholo e Nuno Álvaro Dala, decidiu, nos termos da Constituição, visitar os referidos detidos nas respectivas cadeias onde se encontram detidos.

Senhor Director,

Como é do Vosso conhecimento, nos termos da Constituição da República, Angola é um Estado Democrático de Direito fundado na Dignidade da Pessoa Humana, no respeito pela Constituição e demais legislação e na efectivação dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e na promoção e respeito dos valores e costumes que não ofendam a dignidade da pessoa humana.


Neste sentido, entendemos que os jovens activistas detidos gozam de direitos previstos na CRA, na legislação ordinária e nas convenções internacionais de direitos humanos ratificados pelo Estado angolano. Constituem exemplos destes direitos: «o direito de não ser sujeito a quaisquer formas de violência por entidades públicas e privadas e o direito de não ser torturado nem tratado ou punido de maneira cruel, desumana ou degradante». [Artigo 36.º n.º 1,3 a) e c)]; o direito a presunção de inocência e a defesa [n.º 3 do art. 67.º, artigo 7.º da Carta Africana e 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos].

Sendo o mais importante, o preceito constitucional segundo o qual «os arguidos presos têm direito de receber visitas do seu advogado, de familiares, amigos e assistente religioso e de com eles se corresponder (…)» [n.º 4 do art. 67.º da CRA]. O que significa que eles podem receber visitas, deixando-se visitar por familiares, amigos e instituições que sejam do seu interesse em horas e dias estipulados para visitas pelo estabelecimento prisional.

Senhor Director,

Contra o que dispõe a Constituição e a vontade dos 15 detidos, advogados e familiares (que não sejam pai, mãe ou, de vez em quando, irmãos) têm sido submetidos a humilhações e só depois de vários obstáculos e burocracias anormais ao serviço penitenciário de um Estado Democrático de Direito conseguem ver os seus entes queridos, nas cadeias de Kalomboloca, Central de Luanda, S. Paulo, de Kakila e no Hospital Penitenciário Psiquiátrico de Luanda.

De acordo com informações que a AJPD obteve dos familiares dos 15 detidos, as Direcções das respectivas cadeias alegam que só estão autorizados, por ordens superiores, «a permitir a visita de famílias directas, nomeadamente, pai, mãe e irmão depois de comprovado documentalmente».

Este acto viola a Constituição e valores inerentes à nossa cultura africana. Impedir um tio e uma tia de visitar o seu sobrinho na cadeia, uma sogra ou um sogro de visitar o genro preso, ou um primo ou uma prima, ou ainda um cunhado ou uma cunhada de dar conforto e alento ao parente privado da liberdade, exigir que famílias entreguem uma lista dos tios ou familiares que vão fazer a visita e sem nada dizer, configuram um desrespeito aos nossos valores tradicionais africanos, capaz de pôr em causa no futuro laços e relações familiares e, nos exactos termos do direito, trata-se de verdadeiro Abuso de Poder.

Neste âmbito, e de igual modo, a AJPD também constatou que amigos e membros de organizações de direitos humanos, diferentemente do que acontece com os outros presos, têm sido proibidos de visitar os 15 jovens detidos com fundamento nas «ordens superiores», contrariamente ao que está previsto na CRA.

Para comprovar tal realidade, e por diversas vezes, activistas de direitos humanos ligados à AJPD, estiveram nas Cadeias de Kakila, Calomboloca, Hospital de S. Paulo, Central de Luanda (CCL) e Hospital Penitenciário Psiquiátrico de Luanda a fim de se inteirarem da situação penitenciária dos referidos arguidos, prestarem solidariedade e disponibilizar apoios jurídicos e outros necessários, caso eles declararem querer ser ajudados. Neste contexto, nos dias 5 de Julho membros da AJPD estiveram nas cadeias de Calomboloca e Kakila, não foram bem sucedidos. Nos dias 7 de Julho voltaram às referidas cadeias e novamente não lhes foi permitido visitar os arguidos por «ordens superiores». No dia 17 de Julho, de igual modo, os responsáveis das referidas cadeias violaram a Constituição. Já no dia 22, procurou-se fazer as visitas a CCL, a cadeia Hospital de S. Paulo e Hospital Penitenciário Psiquiátrico de Luanda e, mais uma vez, os responsáveis das referidas cadeias alegaram que não estão autorizados a permitir visitas aos arguidos do "processo dos 15" por orientação superior.


Por várias vezes, advogados de alguns arguidos também denunciaram burocracias desnecessárias, inconstitucionais e ilegais que os impedem de contactar os seus constituintes ou potenciais constituintes, quando o Estado-administração tem a obrigação de providenciar o acesso dos arguidos a advogados que os queiram defender e o estabelecimento prisional deve providenciar um local reservado de maneira que as conversas não sejam ouvidas por funcionários da cadeia.

Por outro lado, até à data presente, alguns arguidos não conseguem assinar as procurações para os seus advogados por causa de burocracia que estão a ser impostas aos advogados e aos familiares. Nos termos da CRA, «os advogados têm direito de comunicar pessoal e reservadamente com os seus patrocinados, mesmo que estes se encontrem presos ou detidos em estabelecimentos civis ou militares» (n.º 1 do artigo 194.º).

Neste contexto e sobre o assunto, a AJPD diligenciou junto do senhor Procurador-Geral da República, o senhor Dr. João Maria de Sousa, que respondeu em ofício datado de 16 de Julho de 2015, que « (...) qualquer detido, salvaguardados os casos disciplinares previstos na lei Penitenciária, tem direito a receber visitas, desde que o queira.

Deste modo, não foram colocadas restrições aos 15 detidos, em matéria de Direitos consagrados na Constituição».

Então, por qual razão não se respeitam os direitos dos arguidos do " processo dos 15"?
A Associação Justiça, Paz e Democracia gostaria de saber se o direito de visita (por familiares, amigos e advogados) constitucionalmente conferido aos arguidos pelo n.º 4 do artigo 67.° carece de autorização de Vossa Excelência, na qualidade de Director Geral do Serviço Penitenciário?

Não estará Vossa Excelência, senhor Director, obrigado, mesmo quando na prossecução do interesse público, a respeitar os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos detidos ou presos, artigos 2.°/2 e 198.° da CRA? Ainda que houvessem razões de facto, informadas pelo direito, no que à restrição de direitos, liberdades e garantias do cidadão diz respeito, não estaria o senhor Director Geral, obrigado a respeitar o princípio da proporcionalidade, artigo 198.°/1 da CRA?

Não faz sentido que o mesmo Estado que acusa os detidos de violarem a Lei, sejam os seus Agentes e Funcionários a desrespeitarem as leis vigentes. Os referidos detidos têm direito à visita e ao contacto com os seus defensores em local reservado. E o gozo destes direitos, constitucionalmente previstos, não pode ficar à mercê de caprichos da Direcção Geral do Serviço Penitenciário e de critérios políticos ou partidários.

Senhor Director,

Nesta conformidade, depois dos contactos estabelecidos consigo, e à luz do que dispõe a Constituição e demais leis em vigor em Angola e em harmonia com os Tratados de Direitos Humanos ratificados pelo Estado Angolano, vimos, por este meio, reiterar o nosso pedido para emitir uma recomendação aos Directores dos referidos estabelecimentos penitenciários no sentido de que não impeçam os detidos de gozarem dos seus direitos consagrados no n.º 4 do artigo 67.º, artigos 23.º e 40.º da CRA e 20.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Concretizando, é importante fazer saber aos órgãos competentes das cadeias acima referidas, revogada a Vossa ordem, que os membros da AJPD ou outras pessoas singulares ou colectivas interessadas devem poder visitar aqueles cidadãos sem entraves administrativos, políticos ou de qualquer outra natureza, desde que eles, os detidos, não obstem a ser visitados.

Reiteramos os protestos da nossa mais elevada estima.
A AJPD,
Maria Lúcia I. da Silveira (Presidente da AJPD)