Lisboa - Vi hoje, pela primeira vez, um extracto do vídeo produzido por angolanos e outros, de dentro e fora do país, a exigir a libertação de um conjunto de rapazes por alegadamente, sendo disso acusados pela PGR, quererem provocar alterações no regime. Algo entre o golpe de Estado e o “deixem-nos dizer o que queremos, porra!”.

Fonte: Club-k.net

Aqueles rapazes, alguns deles com discursos interessantes, outros nem por isso, mas nenhum sem a mais esguelhada razão para estar preso. Muito menos nas condições em que foram detidos.

No vídeo, surgem quase só angolanos, alguns conheço bem, a falar para angolanos. Não vem mal ao mundo por esse lado. Querem aqueles rapazes fora das cadeias. Eu também!

Mas o problema em Angola está longe de ser esse. Em 40 anos de independência, o pais cometeu erros. Alguns são de bradar aos céus. Os mais importantes são a não diversificação da economia, claramente sustentada no petróleo, e não criou estruturas na sociedade civil e na área política capazes de garantir uma transição política sossegada.

A principal razão para a não diversificação da economia está directamente alinhada com a não criação de capacidade de gerar alternativas de poder ao MPLA: os fundos provenientes do petróleo, desenquadrados do orçamento do Estado, foram utilizados para gerar fortunas, é certo, mas, essencialmente, para produzir controlo social a uma escala que na Europa já não se consegue perceber, com estruturas de poder onde o MPLA domina do quelho mais esconso do musseque mais pobre à Cidade Alta, que é de onde JES domina o país.


Em 40 anos, provavelmente até com mais viço que durante a guerra que terminou em 2002, Angola está a gerar as primeiras brisas de um furacão que ninguém, repito, ninguém sabe as consequências. E, se o petróleo não voltar aos 100 dólares nos próximos meses, estas brisas vão engordar na forma de furacão, não por causa do vídeo nem dos seus protagonistas, mas porque o regime de JES não vai ter com que alimentar a máquina trituradora de milhões que gerou para garantir a continuidade do poder, desde o mais ínfimo comité de bairro à refinada elite constituída por generais e homens do aparelho empresarial sustentado nas escorrências do petróleo.

Eu estou convencido que José Eduardo dos Santos e a sua mais chegada equipa, a superestrutura do regime, querem o mesmo que os rapazes agora detidos: mudança! Só que não é a mesma mudança… Enquanto JES & Co querem garantir uma transição de continuidade, do outro lado quer-se a substituição do regime do MPLA sem rodeios nem titubeações. Uma impossibilidade! Para ambos…

A verdade é que fora de Angola pouco se sabe do que está a acontecer no país, os triliões que foram gastos em escolas, hospitais, estradas, cidades inteiras reconstruídas, etc etc. (este capítulo fica para a próxima...)
Mas o mais sério está para chegar, se chegar… é quando o regime se sentir pressionado por dentro. O rastilho para a tragédia!

Eu acho que há dois caminhos em Angola:

1 – O regime domina estes pequenos focos de instabilidade sem grande violência, com severidade controlada, e depois inicia um processo lento de transição que deverá ter início com a criação do poder local eleito (autarquias), onde o MPLA, a UNITA e outras forças terão palcos para exercerem o poder, e dentro de 10 anos o país viverá num estado político de alternância entre o MPA e as restantes forças políticas coligadas, ou;

2 – forças internas do MPLA, militares e civis, não resistem a tomar a Cidade Alta, contando com o apoio nas ruas do povo que acreditará nestes grupos mais corajosos para os guiar rumo à mudança.

Com o pragmatismo que consigo, entendo que a primeira hipótese é má, a segunda será uma tragédia de dimensões pouco vistas.
Mas o que é que pode influenciar as coisas para um lado e para o outro?

Alguma importância terá o posicionamento da China nisto e os EUA-Europa e alguns países africanos, onde a África do Sul não deve ser ignorada. Aparentemente a China está a dar sinais de que o petróleo já não é o que a move com mais afinco em Angola, como é disso sinal, a ser verdade, a garantia exigida em terras no Kuando-Kubango (???) aráveis (???) para o recente empréstimo de 25 mil milhões. Os EUA, e alguns países europeus, não gostam mesmo nada da supremacia que Pequim está a ganhar em África.

O que está em causa?

O petróleo, o refazer do mapa de influências e, quanto a mim, essencialmente, as novas riquezas africanas, onde assumem destaque coisitas como o coltão e as chamadas areias pesadas (que são tudo e nada ou ainda mais que isso). E a paz no continente. Com tantos barris de pólvora e rastilhos prontos a incendiar, como os Congos, os Grandes Lagos, a Nigéria, o Magrebe-Sahara, etc etc., é importante ter uma Angola sossegada.
E Portugal?

Sem petróleo, Angola não gera negócios e, a prazo, não dá trabalho aos milhares de portugueses que lá estão e que estão a caminho… que pode ser de casa! É chegada a altura do sangue em comum e da decência, porque no tabuleiro dos minérios estratégicos, Lisboa não tem power para isso.

O futuro?
Espero o melhor, receio o pior!

Ricardo Bordalo, antigo correspondente da Lusa em Angola