Luanda - Nenhum país desde os mais democráticos aos mais ditatoriais assume oficialmente que tem presos políticos nas suas cadeias, pela simples razão que nenhum código penal consagra a existência dos mesmos, sendo este um refúgio mais do que perfeito para negar a sua existência.

Fonte: Morrodamaianga

Como é evidente há outras razões menos formais e mais relacionadas com imagem que os governos querem vender de si próprios. Nelson Mandela foi o preso político mais famoso do nosso tempo, mas nunca o regime do apartheid o considerou como tal já que ele foi condenado a prisão perpétua por terrorismo, suponho.


Pelo que julgo saber (nunca confirmei) Mandela chegou a figurar mesmo nas listas das personas não gratas dos EUA, também como terrorista. Os portugueses que em Angola colonial tinham as cadeias cheias de presos políticos tratavam-nos a todos de também por terroristas.


Em 1960 e na sequência da prisão de Agostinho Neto em Portugal , a Amnistia Internacional que fez campanha pela sua libertação definiu o preso político como “qualquer indivíduo fisicamente impedido de expressar qualquer opinião que honestamente tenha e não advogue a violência pessoal. Excluíam-se aquelas pessoas que haviam conspirado com um governo estrangeiro para derrubar o seu”.

A condição de preso político não tendo uma dimensão jurídica convencional/consensual pois cada governo em função das suas conveniências age em conformidade, é mais um juízo de valor que a liberdade de expressão/opinião nos permite fazer diante de determinada realidade sócio-política.

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Sobre os presos políticos (conceito) 2...

Quando olhamos para a realidade sócio-política concreta de Angola o que é que vemos (admitindo desde já a possibilidade de não estarmos a ver muito bem)?


Vemos um Estado que tarda em despartidarizar-se e que, portanto, muito dificilmente é aceite como sendo a tal "pessoa de bem" em que todos devemos confiar. (Percebe-se que assim seja, num país pós-conflito, que praticamente já desistiu da componente identificada nos acordos de paz como sendo a reconciliação nacional)

Vemos um poder judicial quase colado ao poder político, com alguns dos seus representantes a fazerem declarações controversas do ponto de vista da própria interpretação/cumprimento da lei nomeadamente em relação ao segredo de justiça e a presunção da inocência.

Vemos uma Segurança mais preocupada em vigiar/controlar a sociedade civil do que em proteger o país das reais ameaças internas e externas, como os diferentes tráficos e lavagens de dinheiro sujo.
Vemos, qual cereja em cima do bolo, uma comunicação social pública completamente governamentalizada, que faz o resto do filme, contando-nos "estórias da carochinha"
Esta realidade só pode produzir "presos políticos", porque as pessoas com alguma legitimidade são levadas pensar que o processo judicial é meramente instrumental e é usado/manipulado para fazer calar e atemorizar todos quantos pensam de forma diferente da "cartilha oficial".

O facto de eu estar a escrever isto aqui o que seria mais uma das provas da existência da liberdade de expressão em Angola como um dos direitos fundamentais, em abono da verdade só prova que eu (ainda) não estou preso e pouco mais.

A tolerância embora seja importante (já) não é um valor estruturante da democracia, sendo mais uma necessidade da chamada paz social.  Há ditaduras muito mais tolerantes se comparadas com outras mais agressivas.
A aceitação sim. Estou a falar da aceitação do outro como ele e não como nós queremos que ele seja.  Se ainda temos o défice que temos na primeira disciplina, imaginemos o que se passa com a segunda.


No meu caso, toda a gente sabe que eu fui saneado em 2011 da RNA/TPA por razões políticas e com base em ordens superiores.  Os direitos fundamentais são abrangentes e não excepcionais e só funcionam com as garantias dadas pelo próprio Estado Democrático de Direito em que os cidadãos acreditam piamente, não tendo por isso receios de sofrer consequências/retaliações (cada vez mais silenciosas), onde estão incluídas as dificuldades do acesso ao emprego em instituições públicas ou o afastamento de cargos de responsabilidade.


Toda a gente sabe que em Angola não há garantias reais para nada e muito menos de protecção de quem pensa pela sua própria cabeça e assume publicamente as suas convicções e opiniões. Sinceramente custa-me ouvir na rua as pessoas elogiarem-me dizendo-me que eu sou "corajoso", quando eu apenas digo o que penso no exercício da minha "magistratura".
Para quê coragem se as liberdades existem?

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