Luanda - A abolição (06.12.1865) definitiva da escravatura dos negros afro-americanos, nos Estados Unidos da América, foi sucedida por uma luta intensa e prolongada em busca da liberdade, da igualdade e dos direitos civis, através de vários movimentos cívicos, uns pacíficos, outros violentos; sob a liderança de personalidades carismáticas, na pessoa de Martin Luther King, Jr., Rosa Parks, Al-Haij Malik Al-Shabazz “Malcom X,” Stokely Carmichael, Daisy Bates, Andrew Goodman, Huey Newton, Bobby Seale, etc. Muitos desses líderes negros terminaram por ser assassinados pelos activistas brancos que defendiam a continuação da escravatura, que era, naquela época, a fonte principal da mão-de-obra barata, sobretudo para as plantações de algodão, nos Estados Federais do Sul.


Fonte: Club-k.net


Tenho dúvidas se Dr. Agostinho Neto estivesse vivo ter-se-ia trilhado este caminho prolongado e sangrento

A 13.ª Revisão da Constituição dos Estados Unidos, de 06 de Dezembro de 1865, promovida pelo Presidente Abraham Lincoln, pôs fim definitivo a escravatura dos negros afro-americanos. Porém, antes da entrada em vigor desta Emenda, a 14 de Abril de 1865, Presidente Abraham Lincoln foi brutalmente assassinado em Washington D.C., devido o seu activismo cívico que defendia, de modo intransigente, a abolição definitiva da escravatura.


No percurso desta luta perseverante, empreendida pelas comunidades negras, com apoio resoluto de alguns círculos brancos, havia uma doutrina, defendida pela comunidade branca, que dizia assim, em Inglês: «separate but igual». A traduçao literal, «separados mas iguais». Esta política defendia a tese de que, embora os negros ficaram libertos da escravatura, mas não podiam misturar-se com os brancos e ter os mesmos direitos de frequentar as mesmas escolas, os mesmos hospitais, os mesmos teatros e os mesmos restaurantes; de usar as mesmas casas de banho, as mesmas carruagens de comboio e os mesmos autocarros; de usufruir os mesmos salários, as mesmas condições de trabalho e os mesmos seguros sociais; de ter o mesmo acesso aos júris, às mesmas legislaturas e a mesma igualdade perante a lei, etc. etc.


De facto, se tratava de um processo transitório, do regime esclavagista para o sistema da segregação racial – de jure e de facto. Este conceito da discriminação racial nos Estados Unidos da América e noutras partes do Mundo não ficou definitivamente superado, embora o seu impacto social tenha sido reduzido drasticamente.


Esta questão vem a superfície devido uma intervenção virulenta e tendenciosa, com uma dose forte de exclusão social e politica, de carácter racial, etnocêntrico e regionalista, protagonizada pelo Deputado João de Almeida Azevedo Martins, Membro do Bureau Politico do MPLA, durante o Debate Parlamentar, do dia 24 de Julho de 2015, subordinado ao tema: Os Processos Eleitorais: Transparência e Estabilidade.


Em relação aos fundadores do nacionalismo angolano, Álvaro Holden Roberto, António Agostinho Neto e Jonas Malheiro Savimbi, o Deputado João de Almeida Azevedo Martins, soltara a língua afirmando, nesses termos: “Embora estivessem juntos, mas não estavam misturados”, continuando a elogiar o Dr. Agostinho Neto em desprezo total dos outros dois nacionalistas. Convém realçar o facto de que, nesta altura, de forma espontânea, a Bancada do MPLA levantou-se em ovação e em aplausos, num gesto de desdém e de desprezo total da Oposição, numa postura clara de segregação e de exclusão politica e social, manifestando o delírio do poder. Esta teoria, «de não mistura», é bem assumida ideologicamente pela linha dura do MPLA, do circulo interno do poder, e detentor de mais de 85% da riqueza de Angola.


Este assunto suscita muitas interrogações e limita a minha disposição de aprofundar este tema por se tratar de defuntos (Holden, Neto e Savimbi) e de figuras notáveis que marcaram, de modo indelével, a História revolucionária do nosso País; e aos quais deve a nossa independência. Um Povo que não reconhece os protagonistas do seu passado histórico; ou escamoteia-a deliberadamente para fins pessoais e partidários, dificilmente será capaz de construir um lar comum em que caiba todos os membros da sociedade, em plena igualdade e dignidade, que sirva de património para as gerações vindouras.


Neste caso específico, tenho dúvidas se Dr. Agostinho Neto estivesse vivo ter-se-ia trilhado este caminho prolongado e sangrento; e o país estivesse nesta condição de exclusão, de insensibilidade, de desonestidade, de sectarismo exacerbado, de corrupção generalizada e da desvalorização dos angolanos a favor dos interesses alheios?


Também não é menos verdade o facto de que, as matanças sistemáticas do 27 de Maio de 1977, que tocaram duramente em todas famílias angolanas, representam o maior holocausto (com a excepção do genocídio de Ruanda) que o Continente Africano conheceu, nesta era contemporânea. Por outro lado, desde 1975, na altura da independência, até agora, registaram-se massacres constantes e cíclicos no País, que foram perpetrados pelo MPLA, nomeadamente: O Genocídio tribal de 1992, contra os Ovimbundos; a Sexta-feira sangrenta de 1993, contra os Bakongos; e o Genocídio recente do Monte Sumi, no Huambo, contra uma comunidade religiosa, da Etnia Ovimbundo.


Afinal, em que reside esta arrogância e orgulho de ser modelo ou exemplo para o nosso País e para África? Para merecer ovação e aplausos, por uma Bancada Parlamentar, que representa todos os angolanos, defendendo a política de discriminação, de exclusão, de intolerância e de dividir os angolanos!


Nesta senda, o Dr. Marcolino José Carlos Moco, antigo Dirigente do MPLA, fez uma entrevista exclusiva com Agora, número 932, de 10 de Julho de 2015, na qual fez um diagnóstico interessante sobre a problemática angolana. Para não correr o risco de má interpretação, obriga-me trazer aqui o extracto desta entrevista, sobre o cerne da problemática angolana, cita:
“Aqui, em Angola, o problema é étnico. E serei frontal: o problema é que kimbundus, mestiços e algumas populações do litoral estão a ser mobilizados para um falso problema que a UNITA, os Ovimbundus e os Bakongos são perigosos, são gentios, atrasados e, se tomar o poder, tudo vai ficar de patas para o ar. Isso é que é o problema, e o resto, estamos a escamotear as coisas.” Fim de citação.


Este texto, tirado de um trabalho extenso do Marcolino Moco, escusa qualquer comentário. Pois, os factos falam por si, e são da autoria assumida de um Dirigente destacado do MPLA, que ocupou com brilho Cargos eminentes no Partido do MPLA (Secretário Geral); no Governo (Primeiro Ministro); e na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (Secretário Geral Executivo).


Por analogia, as afirmações, acima referidas, do Deputado João de Almeida Azevedo Martins, Dirigente do MPLA, confirmam as revelações do Dr. Marcolino Moco. Isso conjuga-se com a doutrina, acima referida, que inspirava e impulsionava a segregação racial nos Estados Unidos da América. Embora tivera tido antes o conhecimento desta teoria de «não mistura», mas o que mexeu com a minha consciência patriótica é o facto de ter sido feito em pleno plenário da Assembleia Nacional e ter sido protagonizado por um Dirigente de Proa do MPLA, com uma dimensão de influência enorme no Bureau Politico, do Comité Central do Partido, muito próximo do Presidente José Eduardo dos Santos, que serve de elo de ligação entre a Cidade Alta e o Grupo Parlamentar do MPLA.


Analisando um pouco a base ideológica dos negros afro-americanos, na luta contra a segregação racial, convém constatar que havia duas correntes principais – distintas e complementares: Uma corrente que defendia métodos pacíficos, que era encabeçada pelo Martin Luther King, Jr. Outra corrente, que era inspirada por Stokely Carmichael, abraçava métodos mais contundentes, pacíficos e violentos. No auge das reivindicações dos direitos civis, consubstanciadas nos protestos, manifestações, marchas de repúdios, acampamentos, greves, acções passivas e boicotes, vinham mergulhar os Estados Unidos da América em chamas e em distúrbios, que incluíram os assassinatos do Presidente Abraham Lincoln (14.04.1865); Malcom X (21.02.1965) e Martin Luther King, Jr. (04.04.1968).


 Convém destacar o facto de que, a ala militante e radical do Stokely Carmichael, defendia a conceito de que, os direitos civis não bastavam se não reconhecer o “poder negro”, para que os povos da raça negra tenham acesso ao poder soberano. Esta tese, do Poder Negro, foi interpretada, naquela época, como sendo uma manifestação do racismo.


Porém, a aspiração pelo «poder negro» é que levou os negros afro-americanos a sonhar mais alto, com a aspiração de atingir a Casa Branca, que hoje é uma realidade concreta nos Estados Unidos da América, com Barack Obama no Poder. Esta doutrina, do «poder negro», não só libertou a raça negra do complexo de inferioridade, mas desmistificou igualmente a superioridade da raça branca, e libertou-a da utopia incivil. Além disso, o conceito do «poder negro» (distorcido deliberadamente pelos círculos racistas) impulsionou igualmente a luta pela independência do Continente Africano. Neste respeito, Malcom X, afirmava:
“Europa é para os Europeus, Africa é para os Africanos.”


Por isso, na época contemporânea a igualdade da espécie humana já não se põe em causa. Mesmo pessoas com perturbações mentais já não meditam sobre a possibilidade da existência da superioridade racial ou étnica, como era antes, no tempo da escravatura e do colonialismo europeu. Pois, os descendentes de escravos de ontem, dos negros afro-americanos, hoje estão entre os astronautas e cientistas de alto calibre, dos centros de pesquisa, da tecnologia de ponta. 
Para dizer que, a ilusão do MPLA de manter-se definitivamente no poder, de pensar que é melhor que todos outros angolanos; manipulando a consciência dos angolanos menos atentos; criando fissuras no mosaico étnico-cultural do país; incentivando o racismo velado e semeando a exclusão e a intolerância politica, não colherá frutos desejados. Pois, a Política é a Ciência e é a Arte do Poder, que consiste em vitórias e em derrotas alternantes. Por isso, as forças políticas devem habituar-se tanto em conceder derrotas, quanto a celebrar vitórias, de acordo com a vontade expressa dos eleitores.


Quando esta lógica, de alternância do poder, não estiver respeitada ou estiver desvirtuada, é difícil alcançar a estabilidade e a paz duradoira. Nesta lógica, a comunidade branca dos Estados Unidos da América, no fim, reconhecera o mérito da igualdade entre as diversas comunidades raciais e entre vários estratos sociais da sociedade. É efectivamente isso que hoje permitiu edificar uma América poderosa, unida, próspera, igual e respeitável em todo Mundo. 
Parece que, o MPLA tem dificuldades enormes de reconhecer este facto e pensa que, só ele é que tem o direito de governar e os outros têm a obrigação de estar inertemente na Oposição. Este tipo de pensamento é a causa principal da instabilidade politica e social que se vive no país, e que vai incentivando e temperando o espirito de revolta e de resistência popular, sobretudo nas franjas juvenis. A mudança em Angola já atingiu os níveis irreversíveis. O maior desafio é de como conduzi-la para que seja feita de modo pacífico, ordeiro, responsável, positivo e construtivo.


Logo, para que este processo seja pacífico e responsável, é necessário que haja a alteração profunda de mentalidade. Isso passa necessariamente pela sensibilização de toda sociedade, sobretudo dos militantes do MPLA de que, a democracia reside na alternância do poder soberano. Não basta manipular os processos eleitorais para exigir a consciência e a necessidade de credibilizar o poder politico. Dando o facto de que, a credibilidade resulta-se de fair play (jogo limpo), de tolerância, de igualdade e de respeito mutuo, isto é, de factos reais, que se consubstanciam em processos eleitorais transparentes, justos e verificáveis. Só assim que se torna possível a legitimidade do poder e a credibilidade das Instituições do Estado.


Por isso, não é justo, na época contemporânea, urdir intrigas, calúnias, mentiras, conspirações e espantalhos no sentido de fomentar a instabilidade, a fim de perpetrar de novo um 27 de Maio de 1977, que visava essencialmente dizimar o escol da juventude intelectual negra, que era visto como um obstáculo à supremacia dos elementos mestiços, brancos e crioulos no seio do MPLA. As revelações do Dr. Marcolino Moco devem ser tidas em consideração séria por todas e todos patriotas angolanas e angolanos, respectivamente.


Neste contexto, nós os angolanos, devemos opor-se fortemente à restituição do sistema colonial português, de dividir os angolanos entre os brancos, os negros e os mestiços; entre os brancos da metrópole e os brancos de Angola; entre os mestiços do asfalto e os mestiços da sanzala; entre os cafuzos e os cabritos; entre os negros do litoral e os negros do interior; entre os assimilados e os indígenas; entre os Kimbundus de Catete e os Kimbundus de Malange; entre os Bailundos do Sul e os Bailundos assimilados. Enfim, entre os civilizados da cidade e os matumbos e gentios do mato.


Tudo isso visava dividir, reinar, oprimir e explorar. Por isso, nós, os Angolanos, sem excepção, não devemos nos deixar cair na armadilha dos novos colonizadores, que buscam dividir os Angolanos, distraí-los, com vista a perpetuar a ditadura, a repressão, a exploração, a corrupção e a pilhagem da riqueza do nosso País, que pertence-nos todos.