Luanda - O Ministério do Ensino Superior reconhece que cometeu algumas falhas na classificação de cursos ilegais, mas avisa que as universidades têm sido negligentes. A lista das alegadas ilegalidades deveria ser para consumo interno, mas vazou. Só que há responsáveis das universidades a desmentir a versão ministerial. Há quem exija despedimentos.

Fonte: NG
Depois de um alvoroço que durou quase uma semana, um alto responsável do Ministério do Ensino Superior (MES) reconhece que cometeu “erros” ao acusar algumas instituições do ensino superior privadas de estarem a leccionar cursos não regularizados e, noutros casos, “ilegais”. A lista dos supostamente irregulares foi divulgada através de uma brochura lançada pelo Instituto Nacional de Avaliação, Acreditação e Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior (INAAREES).

Em declarações ao NG, o responsável ministerial justificou que o referido documento do INAAREES estava destinado apenas às instituições do ensino superior para que tomassem conhecimento e começassem a regularizar a situação. “Não era um documento para ser divulgado publicamente. Alguém de má-fé terá deixado vazar e, daí, resultou nessa agitação toda.”

No entanto, a reitora da Universidade Óscar Ribas (UÓR) desmente esta versão e acusa a tutela de “abandalhar” os responsáveis académicos quando se dirigiram às instalações do MES. “A situação foi tão degradante que eles até fecharam as instalações do MES. Desligaram os elevadores e mentiram que estavam avariados. Não nos queriam receber para resolver o problema porque sabiam o erro grave que tinham cometido.” Segundo Adélia de Carvalho, “nenhum dos cursos apontados são ministrados na instituição” e todos os outros estão legalizados e publicados em Diário da República”.

A mesma falha constataram Ilídio Simão, da UTANGA, e Luís Rocha, da Universidade Gregório Semedo (UGS). Este último acusa o Ministério de “estar inventar cursos” e entende que deveria haver “maior seriedade por parte da tutela para divulgar informações susceptíveis de criar convulsões sociais”. Ilídio Simão, decano na UTANGA, desafia o MES a “retratar-se, a repor a verdade e o bom nome” que a sua instituição duramente “trabalhou para construir”.

A responsável do MES lembra que “há instituições que não possuem o dossiê completo, não reuniram todos os documentos e, por isso, os seus cursos são considerados irregulares”. E acrescenta ainda que há, de facto, outras instituições que ministram cursos ilegais. “Criaram tais cursos e estão a formar estudantes sem a autorização do INAAREES.” Nestes casos, as instituições têm até 45 dias, a contar da data de publicação do referido documento, para regularizar os cursos.

Por outro lado, Adélia de Carvalho culpa o MES de ter uma forma de trabalhar “anormal”, por não ter chamado os parceiros na altura em que notou que havia “alguma irregularidade ou incorrecção”. Sem ‘papas na língua’, Adélia de Carvalho aconselha o MES “a ter cuidado” quando o assunto é universidade. E vai mais longe: “Os governantes devem aprender que quando alguém comete um erro como esse, um erro nacional, deve logo ser posto na rua.” E acrescenta: “Mesmo que tiver de justificar, que justifique já fora do trabalho”.

EMPURRA-EMPURRA

As universidades Privada de Angola (UPRA), Óscar Ribas, Técnica (UTANGA) e Gregório Semedo são apenas algumas das 27 instituições do ensino superior privadas acusadas pelo Ministério do Ensino Superior (MES) de estarem a funcionar com cursos ilegais e não regularizados. Nem a Universidade Católica de (UCAN), que em 2009 surgiu numa lista das 100 melhores de África, foi poupada.

Nessa lista, 25 instituições tiveram a autorização do extinto Ministério do Ensino Superior Ciência e Tecnologia para começarem com os cursos, mas com a condição de os regularizarem pouco tempo depois. “No entanto, por desleixo e falta de responsabilidade, muitas delas adormeceram e, por isso, os seus cursos são tidos hoje como irregulares”.

De acordo com a fonte ministerial, as duas únicas instituições do ensino superior privadas que leccionam cursos ilegais e não autorizados pelo INAAREES são as universidades Metodista de Angola (UMA) e a Privada de Angola (UPRA).

Contactada pela NG, a UMA mostrou-se indisponível para prestar quaisquer esclarecimentos. Um responsável da UPRA admitiu ao NG que os cursos de Engenharia Mecânica e de Medicina estão ainda em processo de regularização. No entanto, acusa o MES de ser “burocrático” na resolução do problema. “A UPRA reuniu todos os documentos necessários para o devido efeito. A solicitação durou três anos, mas nunca obteve qualquer resposta, nem positiva, nem negativa”.

A notícia forçou a que a Associação das Instituições do Ensino Superior Privadas de Angola (AIESPA) se reunisse, à porta fechada, na passada semana, em Luanda, com os reitores e promotores de universidades e institutos superiores.

BUROCRACIA

Maria Helena Miguel, vice-reitora para os Assuntos Académicos da UCAN, entende que a publicação do documento do INAAREES constitui uma “incoerência”, porque desde 2009 a UCAN espera que o MES publicasse, em Diário da República, os cursos para lhes dar a legitimidade que a tutela reclama. A UCAN já lançou vários licenciados, em vários anos. Muitos desses diplomas e certificados já foram reconhecidos pelo próprio Ministério do Ensino Superior. “De repente, em 2014, o INAAREES diz que não existe no Diário da República e, portanto, os cursos são ilegais, mesmo depois de o próprio INAAREES já os ter publicado no Jornal de Angola.”

Maria Helena Miguel lamenta que a atitude do MES tenha deixado a UCAN numa situação “extremamente embaraçosa” com os estudantes e encarregados de educação. Desde o ano passado, muitos estudantes, que já terminaram as licenciaturas, não conseguem prosseguir com as pós-graduações porque o INAAREES não reconhece os documentos dos cursos que começaram em 2007 e têm a duração de quatro anos. “Foi o próprio secretário de Estado – o actual ministro do Ensino Superior – que inaugurou as nossas instalações e até tem participado nas nossas cerimónias de outorga de diplomas e hoje considera-os ilegais. Isso constitui uma incoerência”, remata Maria Helena Miguel.

O NG sabe que, na passada semana, todos os cursos da UCAN – incluindo os visados pelo INAAREES – foram publicados em Diário da República, o que torna a situação regularizada e legal.

O MES explica que o processo só se tem revelado “moroso” porque “há muitas instituições que não colaboram”. “O INAAREES não pode receber apenas o documento e aprovar. É preciso fazer vistoria para aferir se estão criadas as condições técnicas didáctico-pedagógicas e científicas para a criação de certos cursos”.

Contradições ministeriais

O Ministério do Ensino Superior publicou, a 22 de Janeiro de 2015, os cursos e instituições em que os candidatos podiam fazer inscrições e matrículas. Nesse documento, com o título ‘Inscrições para as provas de acesso abertas até o dia 23 de Janeiro’, aparecem algumas instituições com cursos que hoje são considerados ilegais. São os casos das universidades Católica (UCAN), que aparece na lista do INAAREES a leccionar irregularmente Engenharia de Telecomunicações, e Privada (UPRA) que aparece com Medicina e Engenharia Mecânica. No ano passado, o ministro Adão do Nascimento lançou o Anuário Estatístico do ensino superior em que constam todas as instituições reconhecidas e respectivos cursos.

Algumas das instituições visadas aparecem com os cursos que hoje são considerados ilegais. Para o responsável da UPRA, o facto de se ter colocado as instituições nesse documento, mesmo sem serem apresentadas em decreto, o ministro garante um parecer “favorável” às instituições para leccionarem tais cursos. A UÓR, à semelhança de outras, tem bolseiros de várias instituições e do INAGBE – instituição tutelada pelo MES. Essa situação é descrita por Adélia de Carvalho como “contraditória” e que “só colocaria algumas instituições em ‘maus lençóis’ se essas não tivessem os decretos”. “Não podemos desestabilizar o país que já está por uma meada, é preciso ter-se muito cuidado”.