Luanda - Permita-me escrever na primeira pessoa para tentar explicar resumidamente aquilo que eu vi, vivi e conheço por ter participado minimamente na luta pela independência de Angola.

Fonte: Club-k.net
Nasci a 05 de Abril de 1948, na aldeia Yenga, na comuna de Kinsimba, municipio do Tomboko, província do Zaire, em Angola, (antigo Conselho administrativo do Ambrizete). Cresci na aldeia de Luangu, zonas anexas de Matadi, no antigo Congo-Belga.

Com a Independência do Congo Belga resultante de Table Ronde de Bruxelles, Belgica, Joseph Kasa-Vubu foi eleito como Presidente da República e Patrice Emery Lumumba, Primeiro-Ministro. O eco dos discursos inflamatórios de Lumumba, defendendo os indígenas e negros, atravessou as fronteiras do seu pais e o vento independentista atingiu a Angola.

Em consequência disto, o colono português começou a perseguir todas as pessoas que suspeitava de ser “terroristas” – como as chamava. Prendeu e decapitou os assimilados e sobas, o que levou as populações indígenas a fugirem para as matas e mais tarde para o exilio no Congo-Belga.

Na altura, o Congo, ex-Zaire, e o Congo-Brazzaville eram os únicos países vizinhos de Angola que eram independentes. A Zâmbia era chamada Rhodesia do Norte e a Namibia, South West African, ambos eram ainda colonizados.

A guerrilha da UPA começou nas matas com o nome de Jeunesse (Juventude) dirigida por Mabuatu, Luis Inglês, e Margoso – este lutou mais ao lado de Pedro Afamado, na área de Beca Monteiro (Kindezi) e em Nambu-a-Ngongo, na actual província do Bengo.

Com a intensificação de bombardeamentos aéreos por parte do exercito colonial português, que usava as vezes as bombas de Napalm – os guerrilheiros acompanhados das populações fugiram para o Congo Democrático, ex-Zaire, estabelecendo uma das suas bases militares na aldeia de Luangu.

A base de Luangu foi uma das mais operacionais da UPA/FNLA, se não a mais operacional de todas. Havia outras bases como as de Nkamuna, Nkuyi, dirigidas respectivamente pelos comandantes Mpanzu chamado por wa Buza e Pedro Afamado, etc. No Luangu, a base era dirigida sucessivamente pelos Comandantes Kindoki e Joao Ngingi a Ndembi a Lukeni, nome de guerra Ketuyoyiko.

Esta base integrava os comandos de guerrilha, nomeadamente de Tomboko, dirigidos sucessivamente pelos comandantes Madueta, Afonso Nkuadi, Nlangu com o nome de guerra Agua-Agua, Matias e Kolua ; de Lufiku com o comandante Panaki – tombou num ataque contra uma coluna de tropa portuguesa em Kimuinza, e substituído por Rafael chamado por Munguzunga; do Nzeto pelo comandantes Timoteo com nome de guerra Bakavioka e Konka; do Noki, pelo comandante Mavinga e do Soyo, pelo comandante Penalto – nome de guerra Kioto – foi mais tarde um dos comandantes do Batalhão Búfalo. A unidade do comandante Pedro Afamado, do Beca Monteiro, hoje Kindezi, instalou a sua base na aldeia do Nkuyi.

São estas bases que estremeceram o colo português em Angola. Eu cresci na base de Luangu e as vezes dormia em casa do Comandante João Ngingi, razão pela qual refiro-me a esta base.

Eu estudava em Matadi, capital da província do Baixo-Congo e em tempos livres colaborava, na sede da UPA que era situada no Quartier Nord, e outro gabinete no Sud, atrás do bar Ngoma Wata, com os responsáveis Mendes Manguala e António Sebastião. Eu fui criado por estes destemidos e aguerridos comandantes acima citados; conheci quase todos eles que estavam sob o comando de João Ngingi a Ndembi a Lukeni, Ketuyoyi ko.

Quando foi aberta uma representação do GRAE (Governo Revolucionário de Angola no Exilio) cuja sede estava no Building Dragage, em Matadi, trabalhei como Secretário dos delegados Francisco Xavier Lubota, Arturo da Costa Nkosi e Pedro James Ngimbi, sucessivamente. Éramos três secretários, nomeadamente Pedro Manzenza, Nelson Filipe, estes como permanentes, e eu – que trabalhava também no governo Congolês.

Hoje, assisto boquiaberto na TV Zimbo num programa que apresenta todas as Quintas –feiras denominado “Memorias da Independência” a um desfile de varias figuras que são chamadas nacionalistas pela independência de Angola.

A TPA (Televisão Publica de Angola) seguiu estes passos com um outro programa similar, apresentado às segundas-feiras, também com seus nacionalistas, heróis e presos políticos pela independência. No exilio, nunca ouvi a falar destes ditos nacionalistas. Eramos poucos e nos conhecíamos uns aos outros.

Quanto aos comandantes, não eram generais na altura, do nosso lado da UPA/FNLA, havia duas categorias (de comandantes militares): os comandantes de gabinete que não participavam em combates no campo de batalha – era comandantes elitistas, e os comandantes operacionais.

A maioria dos comandantes que fizeram cursos militares na India, Tunisia, etc. eram chefes militares de gabinetes; quando os que combatiam com bravura no terreno eram na sua maioria analfabetos ou semi-analfabetos. São estes destemidos comandantes e seus guerrilheiros operacionais e aguerridos que faziam estremecer o colono português em Angola.

Os raros comandantes intelectuais que fizeram as academias militares na Índia e que participaram nos combatentes em Angola são aqueles que foram fuzilados em Kinkuzu, nomeadamente Londres, Matumona (que veio do MPLA), Gourgel (Filho do ministro da Defesa do GRAE, Fernando Pio do Amaral Gourgel e primo do actual ministro angolano da Economia), Benedito, Kindoki, etc.

São estes comandantes martirizados em Kinkuzu que criaram a COBA (Base Operacional) numa das florestas da Provincia do Bengo, onde resistem ainda ate hoje alguns antigos guerrilheiros que recusam sair do maqui.

Mesmo os comandantes militares que vieram com a FNLA em Angola em 1975 eram oficiais de gabinetes. Apenas participaram nas guerras pós-independência, ou na guerra civil. Não são eles que fizeram a guerrilha por parte da UPA. Pergunta aos que ainda vivem em que batalhas participaram em Angola?

Eu também não era militar, apenas declamava poesia nas cerimonias festivas da UPA/FNLA na Base de Luangu e mais tarde servi como secretario de todos os Delegados do GRAE em Matadi.

Por duas vezes, fui igualmente, indicado como chefe-adjunto das delegações da FNLA de Matadi (da Região do Baixo Zaire) que foram ah Base militar de Kinkuzu para comemorar, primeiro, o Natal do soldado, presidido pelo papa Eduardo Pinnock, e, em segundo, o ultimo 15 de Marco no exilio, pelo Presidente Holden Roberto. O chefe da delegação era Mvemba Joachim, secretario para as Finanças da FNLA no Baixo Zaire.

Por outro lado, no exilio – sempre falo do nosso lado da UPA/FNLA - os militares ou guerrilheiros não faziam a politica. Havia uma separação entre as partes militares e politicas. Muitos guerrilheiros da UPA nem sequer frequentaram uma única vez um gabinete do movimento. E muitos destes não foram treinados na Base central de Kinkuzu.

A Independência de Angola não resultou do trabalho dos políticos ou diplomatas, nem tão pouco daquilo que hoje se chama “luta clandestina” no interior de Angola ou nas Universidades europeia – que eu não ouvi falar no exilio.

No exilio, nem todo o mundo se identificavam com a luta pela independência de Angola. O epiteto refugiado ou guerrilheiro era pejorativo. E poucas são as tribos que participaram nesta luta que era chamada como sendo de Basolongo. Os que se faziam passar por congoleses, mais tarde zairenses, são hoje os melhores angolanos e antigos combatentes.

Também em Angola, muitos antigos bufos, soldados do exercito português que bombardeavam os indígenas com bombas de napalm, filhos de colonos portugueses ou de chefes de postos, enfermeiros e catequistas cabo-verdianos, santomenses, moçambicanos, entre outros, viraram todos heróis, nacionalistas e presos pela independência de Angola. E falso, arqui-falso! Mas a verdade será conhecida um dia.

Dos que se apresentam ou são apresentados como tendo participado na luta clandestina dentro de Angola e nas Universidades europeias ainda não ouvi deles o que de concreto faziam. Apenas contam historias banais das vidas deles que não amedrontavam os colonos.

Leiam os livros e artigos de jornais escritos sem paixão pelos próprios antigos soldados do exercito portugueses que participaram da guerra nas antigas colónias de Portugal, nomeadamente em Angola.

Os verdadeiros guerrilheiros e heróis pela independência de Angola são abandonados, esquecidos e empobrecidos e, muitos deles, frustrados, apanharam trombose e morrem como cães na terra dos seus ancestrais e que eles libertaram.