Luanda - 1. A TV Zimbo no seu telejornal do dia 17 de Agosto de 2015 reportou a seca na província do Cunene que segundo essa fonte deixou mais de 10.000 crianças sem aulas. Portanto, escolas fechadas! Peguei, então, numa esferográfica e comecei a escrever algo sobre a notícia que trouxe à memória alguns males da guerra fratricida que em 1983 obrigou­ me a interromper o ano escolar porque os cooperantes se tinham ido embora. A comparação que trago à liça por mais injusta que pareça produz consequências para uma ou outra realidade que constituem um entrave aos desafios de desenvolvimento humano e social.

Fonte: Club-k.net

  1. Vários estudos observacionais e de modelagem apontam para maior expressão da seca em África do conjunto de todos os eventos climáticos extremos no mundo. Infelizmente, muitos governantes contiuam a ignorar relatórios científicos sobre os riscos e vulnerabilidades associados às alterações climáticas. O Mecanismo de Acção de Hyogo 2005­2015 está na sua fase terminal e dele não há memória para a maioria dos angolanos cujos índices de percepção ambiental são extremamente baixos. Na prática, pouco ou nada foi feito com esse instrumento. Avise­se: a inação custará muito mais caro em países, sobretudo, em desenvolvimento como Angola considerados mais vulneráveis (IPCC, 2014) aos impactos decorrentes das alterações climáticas. Relata­se que as destruições em bairros de Nova Orleans resultaram de uma falha do Corpo de Engenheiros do Exército dos EUA que mantiveram as defesas de inundação; Que não foi o tempo que transformou a seca em fome no Congo, no Quênia ou no Sudão, mas o conflito armado e debilidades na distribuição alimentar. Reporta­se, também, que os terremotos no Japão matam menos pessoas do que nos países em desenvolvimento pela aplicação de controles de construção, melhor resposta de emergência e um nível elevado de preparação. Não há dúvidas, hoje, que há fome ali onde anda muito alimento escondido.

 

  1. Portanto, a questão é o Homem que fecha os olhos aos apelos e experiências de outros povos. Alguns títulos dos Relatórios de Desenvolvimento Humano são autênticos apelos aos povos e nações: 2006 “A Água para lá da Escassez: Poder, Pobreza e a Crise Mundial da Água”; 2007/2008 “Combater as Alterações Climáticas: Solidariedade Humana num Mundo Dividido”; 2011 “Sustentabilidade e Equidade: Um Futuro Melhor para Todos”; 2014 “Sustentar o Progresso Humano: Reduzir as Vulnerabilidades e Reforçar a Resiliência.” Temos de ler e aceitar que existem várias evidências que o sistema climático, dominado na Homosfera com mais de 99,9% da massa total da Atmosfera pelo N2, O2 e Ar com conteúdo variável de H2O e tempo de residência elevado e em maiores concentrações, e na Heterosfera com o CO2, CH4, N2O, O3, CFCs, Aerossol Atmosférico, alterou os seus ciclos naturais de respostas (Miranda, 2001). Há registo acelerado das alterações climáticas nas últimas décadas de quase 0,2 o C por década, um ritmo de cinquenta vezes mais do que o ciclo natural do glacial­ interglacial (Miranda, 2001).
  1. Angola continua a apostar na ideia clássica, há muito, em desuso do conceito de segurança e, por isso, investe muito no sector da defesa nacional abrindo janela para outras guerras ou vulnerabilidades que nem os canhões nem os últimos aviões de guerra poderão travar. Essa guerra será contra a fúria da Natureza cansada de uma relação conflituosa com o Homem. O pior é que os planos de desenvolvimento de Angola não acolhem o risco, sobretudo, de forma integrada como instrumento de formação e tomada de decisão. Portanto, urge repensar as políticas públicas com base na integração e gestão do risco se se pretende um desenvolvimento de acordo com a racionalidade e critérios de sustentabilidade. Nisso, Freitas (2012) entende que pensar políticas públicas significa pensar o ambiente na estratégia de desenvolvimento que deve, para o efeito, eleger a participação social e a vinculação do discurso ambiental às demais políticas públicas.
  2. A vulnerabilidade em paises em desenvolvimento resulta de limitações decorrentes do seu estado de desenvolvimento tecnológico, humano, socio­ ecónomico e do baixo grau de percepção ambiental. A palavra “vulnerabilidade” – conceito pluridimensional – foi usada pelos primeiros engenheiros em referência aos níveis de resistência de materiais de edificação face aos terramotos, acção do vento ou da água tendo passado na década de 80 do sécul 20 a incluir as questões sócio­económicas e ambientais (MAZZER (2007). De acordo com Eakin e Walser (2008) é a “Vulnerability Science” que teoriza e explora cientificamente o conceito. O conceito “vulnerabilidade” é entendida, aqui, como estado de susceptibilidade ao dano que vem do estresse associado às AC e sociais e da ausência da capacidade de adaptar­se a tais alterações (ADGER, 2006).
  3. Na década de 80 do século XX a vulnerabilidade era entendida como uma ameaça tanto aos agentes químicos quanto a situações de natureza ecológica das comunidades comparada com o grau ou a capacidade de enfrentamento. Eakin e Walser (2008) reconhecem três componentes primáras da vulnerabilidade: a) o grau de exposição à ameaça, b) a sensibilidade do sistema e c) a capacidade de resistir aos impactos ou lidar com as perdas e readquirir funções. Contudo, Gonçalves (2012) entende que a vulnerabilidade transcende a função da existência de práticas insustentáveis tendo­a remetido para as condições sociais estruturais que, historicamente, representam o modelo de desenvolvimento dos contextos sociais.
  4. De outro modo, está presente, aqui, a ideia de que a vulnerabilidade é, de todo, uma produção social e humana o que do ponto de vista epistemológico abre ruptura com as concepções reducionistas que a inscrevem, meramente, no parâmetro de estabilidade/instabilidade dos sistemas naturais. De acordo com Kuhnen (2009) a vulnerabilidade é um termo que se insere no quotidiano enquanto reflexo de uma sociedade que se sente insegura e exposta ao risco. Por isso, é entendida para vária literatura científica como intrínseca ao risco tanto decorrente das condições sociais quanto da sensibilidade dos ecossistemas. Actualmente, deve­se relevar nas condições sócio­políticas produtoras da vulnerabilidade associada às AC a indiferença ou omissões, sobretudo, em sede de governação ambiental responsável, de forma oculta, por desastres naturais, crises sócio­económicas e políticas. Maskrey (1984), contrariamente, à noção secular de vulnerabilidade acolhe factores que configuram diferentes entendimentos de vulnerabilidade. Para o efeito, elenca a falta de consciência, conhecimentos e a falta de percepção ambiental; a desarticulação do sistema de organização social; a falta de acesso a recursos essenciais incluindo a tecnologia; o contraproducente sistema legal e quadro institucional e, finalmente, a exposição a riscos sem acesso à prévia informação, treinos ou preparação como factores estruturantes, respectivamente, da vulnerabilidade cultural, social, económica, institucional e psico­social. Portant e como afirmam Hogan e Marandola (2005) a vulnerabilidade deve, efectivamente, ser entendida para além das suas dimensões causais devendo procurar as condições e recursos para as respostas que se impõem.
  1. Finalmente, temos de aceitar a cruz da vulnerabilidade e mais do que isso construir capacidades de adaptação e resiliência face aos eventos climáticos etremos. Angola recuou da posição 148 em 2013 para 149 em 2014 como país de baixo índice de desenvolvimento humano. De acordo com o Relatório do Índice de Desenvolvimento Humano (2014), por exemplo, S. Tomé e Príncipe e Zâmbia superaram Angola em desenvolvimento humano. Contudo, continuamos a escutar vários discursos políticos platónicos, pior, sem muletas da ciência, a pontarem as metas para caminhos que se desconhecem. Sabemos que a seca no Cunene não é novidade tal como a vulneralibilidade não é novidade. Que políticas vigilantes e operatórias existem quando assistimos a essas tristes notícias? Temos de aprender que se o desenvolvimento alarga as nossas escolhas a vulnerabilidade as destroem e somos um país vulnerável. Pense que entre escola e fome não há outra escolha possível.

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Referências bibliográficas «in Dissertação de Mestrado do Autor»