Lisboa - O músico Bonga considerou que a prisão dos 15 activistas, detidos a 20 de Junho por tentativa de golpe de Estado, “é uma vergonha”, argumentando que “a situação é triste para a democracia”.

 

Fonte: RE/Publico

"Parar com aquela campanha sistemática de dizer que quem critica Angola é contra Angola"

Em entrevista ao jornal português Público, publicada no último domingo e com o título “Coração angolano, voz de musseque”, o cantor recorda o período da ocupação colonial em Angola, os anos de exílio e termina com um apelo: no ano em que se assinalam os 40 anos de independência nacional, “precisamos de conviver. Precisamos do reencontro”.

 

Questionado sobre a prisão dos 15 activistas, Bonga responde: “Não estou a gostar nada dessa brincadeira. Já viu qual é o aparelho necessário para dar um golpe de Estado em Angola? Estamos a ser ridículos. Engrenaram estas prisões para servir de exemplo, que é o que têm feito. A imagem que Angola nos está a dar é que reprime para que outros saibam que é assim que age, para outros terem medo de reagir. Isso é uma vergonha. E eu tenho de perguntar: onde está a comunidade internacional quando acontece isto? A situação é triste para a democracia”.

 

Estão em prisão preventiva, há dois meses, os activistas Henrique Luaty Beirão, Manuel Nito Alves, Afonso Matias “Mbanza-Hamza”, José Gomes Hata, Hitler Jessy Chivonde, Inocêncio António de Brito, Sedrick Domingos de Carvalho, Albano Evaristo Bingo-Bingo, Fernando António Tomás “Nicola”, Nélson Dibango Mendes dos Santos, Arante Kivuvu Lopes, Nuno Álvaro Dala, Benedito Jeremias, Domingos José da Cruz e Osvaldo Caholo (tenente das Forças Armadas Angolanas).

 

Na entrevista, Bonga afirma ainda que “não é maltratando, aprisionando que chegamos a lado algum. Onde está o diálogo? Então as pessoas não falam entre si? E a nossa casa fica assim, desarrumada? Tem de se dar de comer a quem tem de comer, dar instrução e dar saúde. Esse é o caminho. E parar com aquela campanha sistemática de dizer que quem critica Angola é contra Angola. Já foi assim noutro tempo, no da outra senhora. Então e agora? Como é que estamos a conviver entre nós? Até fizemos uma guerra que nunca devia ter existido. Veja o que diminuímos do ponto de vista humano. Uma tristeza. Não é por aí, tenham paciência”.

 

Falando sobre os versos “Proibido cantar, para não alertar / proibido voar, para não informar” e o significado que terão actualmente, Bonga pergunta-se “como é que vamos falar para sermos escutados e sermos entendidos? Já fomos mais unidos. Noutro tempo, a gente encontrava-se nas ruas. Agora estamos cada qual para o seu lado. As pessoas não estão a falar, não se estão a visitar. Eu não quero que a mundialização nos transforme dessa forma. Até porque é o povo que se está a lixar”.

 

O músico faz um balanço dos últimos 40 anos explicando que é preciso “mudar, mas não temos de perguntar a ninguém como se muda, vamos ter de ser nós próprios. Qualquer que seja o teu clube, somos todos mwangolés. Vamos falar e vamos consertar, porque os problemas são da nossa responsabilidade. Quarenta anos depois, ainda vamos condenar o colono? Foram 40 anos nossos e 500 com outros, mas não conseguimos mais do que isto com os nossos 40? Prendemos, matámos, trucidámos, roubámos. Quando fazemos o stop? Precisamos de conviver. Precisamos do reencontro”.