Luanda - António Marques Frazão, oficial do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), foi morto a 29 de Agosto de 2008 com um tiro na cabeça, numa altura em que o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, visitava o Lubango. Os assassínios continuam impunes. Entre os suspeitos, há um deputado do MPLA.

Fonte: Jornal O Crime

Deputado do MPLA entre os suspeitos mandantes 

Pior do que o vazio em relação a investigações tendentes a identificar culpados, quando passam sete anos do assassinato de António Marques Frazão, parece ser o facto de familiares da vítima estarem a receber ameaças de morte proferidas por elementos supostamente envolvidos na barbárie. Não há sinais de que venham a ser chamados à razão, conforme apurou «O Crime».

Para melhor entendimento do caso, fazemos um recuo até 29 de Agosto de 2008, data de uma visita do Presidente da Republica, José Eduardo dos Santos, à cidade do Lubango, província da Huíla, onde, entre outras actividades, procedeu à inauguração do Hospital Central, denominado «António Agostinho Neto».

Lubango não fugiu à regra, tendo, em função da visita presidencial, sido «tomada» por efectivos da Unidade da Guarda Presidência (UGP) fortemente armados. Junta-se a este factor a prevenção da Polícia, mas, contra todas as expectativas, foi neste ambiente que António Frazão foi assassinado, com um tiro na cabeça.

O relógio marcava meia-noite e 15 minutos - sexta-feira - quando Frazão, depois de um passeio familiar, estacionou o carro num parque que fica na rua onde residia. Em direcção à sua casa, a pé, ao lado da esposa e de uma filha menor, o oficial foi confrontado com um indivíduo que, tirando proveito do frente-a-frente, efectuou, sem ter usado o silenciador no revólver, o ‘disparo mortal’. Foi atingido no rosto, depois de ter ignorado, conforme dados disponíveis, o factor segurança, tal era o número de agentes que se encontravam em várias artérias da cidade por causa da visita do PR. Terá «baixado as suas guardas», no que pode ter sido um «erro crasso», sabe «O Crime».

Segundo Moisés Gourgel do Amaral, sobrinho do malogrado, o seu tio terá confundido o assassino com um efectivo da UGP. Saudou-o, longe que estaria, na verdade, a «saudar a morte», acrescentou Moisés, que falou em falta de tempo de reacção no «surpreendente ataque» ao tio.

Deputado do MPLA pode ser o mandante

Vários anos depois, não se fez mais do que a abertura de um processo, número 2874-2008. Não há registo da detenção de quem quer que seja, como acontece quando se trata – se é que existe – de um crime perfeito.

No princípio do ano, Moisés do Amaral Gourgel, um dos mais inconformados entre os familiares, foi recebendo ameaças de morte por ter trabalhado no sentido de encontrar pistas para chegar aos autores. Sem ter avançado mais pormenores, revelou que tais ameaças descortinaram elementos conducentes a presumíveis mandantes do crime.

Em Janeiro do corrente ano, Nicolau Matias, oficial do SIC, foi à casa de familiares do malogrado e, alto e em bom som, perguntou: «você sabe como é que o teu tio morreu? E até hoje a polícia não descobriu nada. Conhecem o tio ´Tyova´? Cuidado!». Segundo as nossas fontes, os pronunciamentos de Matias, actual chefe da fiscalização da Administração Municipal do Lubango, colocado no aeroporto da Mocanca, foram feitos em várias ocasiões. Fê-lo primeiramente num contacto com Maria Eliza das Dores Pio do Amaral Gourgel, que tinha a companhia da sua filha, Elizeth Paraíso do Amaral Gourgel, e depois diante de Fernandes Simões e Moisés Gourgel, ambos familiares da vítima.

Colocados os dados nestes termos, é importante realçar, numa perspectiva da já mencionada pista em direcção a supostos mandantes, que o tio Tyova mencionado por Nicolau Matias é o deputado do MPLA Virgílio da Ressurreição Bernardo Adriano Tyova, com quem a vítima tinha um litígio devido a um terreno, sito no município do Lubango.

Em função das ameaças, Moisés Gourgel apresentou queixa ao Comandante e Delegado do Interior, o comissário Albino Francisco de Abreu “Xaxá”, que orientou a um especialista dos Serviços de Investigação Criminal (SIC) a abertura de um processo. Espera-se que este processo, n.º 2327-2014, forneça informações sobre a morte do oficial do SINSE. Já foram ouvidos, para além de Moisés, a sua mãe, Maria Gourgel, e Fernandes Simões.

Ainda assim, Moisés, em nome da sua integridade, defende uma intervenção da PGR e de outros outras de justiça.

O terreno da discórdia

Segundo familiares, o litígio com Virgílio Bernardo, administrador municipal à data dos factos, começa porque o malogrado era visto como uma espécie de «empecilho em certos negócios», realçando-se a venda de terrenos, para os quais era necessária também a assinatura de Frazão. Era necessária, conforme referem, a assinatura de um «indivíduo recto, defensor da legalidade e dos interesses do Estado».

Conforme conta Moisés Gourgel, depois da morte do tio começou a assistir-se a um cenário de venda desordeira e ocupação de terrenos. Há registo, aponta, da ocupação de um lote da vítima, localizado no bairro do Tchioco, na cidade de Lubango, com uma área de 17.887, 50m2.

Fernando Simões dos Santos, legítimo titular do direito de superfície, como se lê nos vários documentos que publicamos, recorreu junto da Sala do Cívil e Administrativo do Tribunal Provincial da Huíla, onde recebeu um despacho favorável, diluído, entretanto, na força do «rei e senhor» Tyova. O antigo administrador, indica a fonte, tratou de ignorar a decisão do tribunal, ao vender um espaço que não o pertencia.

Este jornal tentou chegar à fala com o visado, durante dois dias, mas o deputado não atendeu a nenhuma das chamadas efectuadas. Nem com uma SMS a explicar o assunto tivemos sucessos.

“Não disse nada e não sei de nada”

Se do antigo administrador municipal não obtivemos retorno, o mesmo não se pode dizer de Nicolau Matias, que começou por dizer que tudo era mentira, chegando a apresentar-se como um grande amigo do malogrado, de quem foi subordinado na tropa.

Matias diz que chamou Moisés ao seu gabinete, na presença do sogro deste e de alguns dos seus subordinados, para dizer que ´´não valia a pena levantar mais isto, até porque você é um miúdo e que deixasse as pessoas trabalhar´´.

Por outro lado, manifestou algum desconforto quando confrontado pela nossa reportagem. “Eu não quero ir além disso. O camarada Tyova também foi amigo dele, a família Frazão ficou até com uma viatura de marca Hylux da administração e o tio Tyova disse para não receber”, revelou.

Questionado sobre a suposta ida à casa dos familiares, onde terá proferido ameaças, respondeu que não se lembrava disto. «Isso é uma brincadeira de muito mau gosto, esse miúdo vai arranjar um grande problema e depois vai ter de provar isso. Eu já prestei declarações à Polícia», finalizou.

A biografia de um espião

António Marques Frazão, morto aos 49 anos, é natural do município do Lubango, província da Huíla. Era bacharel de Filosofia no Instituto Superior de Ciência da Educação do Lubango.

Depois de ter exercido vários cargos administrativos, ingressou, em 1983, no Ministério da Segurança de Estado, tendo sido submetido a diferentes cursos de especialidade.

Frequentou, entre outros, cursos como C.I, Contra Terrorismo, todos realizados na ex-U.R.S.S, actual Rússia. Serviu a pátria como militar (foi 1º Tenente) e exerceu vários cargos com grande brio profissional.