Luanda - Com o fim do mandato parlamentar, são poucos os deputados que conseguem manter um nível de vida que tinham no Parlamento. O Estado atribuiu um subsídio vitalício, mas apenas aos deputados da primeira legislatura que durou 16 anos. Agora, quem termina o mandato só tem direito a ficar com o carro.

Fonte: NG
Em cada legislatura, a continuidade de um deputado na Assembleia Nacional depende sempre da conveniência do partido a que pertence e também do seu desempenho. Às vezes, há quem fique investido na função de ‘representante do povo’ por longos anos. Durante o exercício do cargo, o Estado atribui carros de luxo, altos salários e também subsídios para cobrir diversas despesas. Nem todos têm a “sorte” de permanecer como deputado o resto da vida, sendo apenas indicado para um mandato.

No fim da representação parlamentar, “alguns bens atribuídos aos deputados passam para a amortização, à luz do estatuto do património público. E quem não compra, devolve os bens ao Estado”. Por isso, um dos parlamentares do MPLA, Nuno Carnaval, aconselha que um deputado “tenha uma profissão”. “Temos muitos colegas que são professores universitários ou foram consultores em empresas públicas. Há casos de pessoas que ficam com dificuldades para sustentar as suas famílias quando deixam o parlamento”, recorda.

Nuno Carnaval recomenda mesmo que cada deputado crie a cultura de “ser um profissional liberal, para poder garantir a sua sobrevivência” depois do fim do mandato. “Temos de estar conscientes de que um dia não teremos a mesma confiança do partido que suporta as nossas candidaturas na Assembleia Nacional.

A opinião é partilhada pelo deputado da CASA-CE, Alexandre Sebastião, que reconhece haver “parlamentares da primeira legislatura que estão a sofrer”, por não terem outros empregos. “Os antigos legisladores recebem subsídios equivalentes a metade do salário actual. Com esta crise económica, não há outras fontes de subsistência e estão a passar mal”, revela.

Os deputados da primeira legislatura têm direito a um subsídio vitalício.

A Assembleia Nacional teve em conta, sobretudo, as idades dos parlamentares, porque muitos deles já não conseguem encontrar outros empregos. Excepto esse subsídio, o único bem que o Estado concede aos parlamentares é o carro protocolar, usado durante o mantado. Na legislatura passada, a Assembleia Nacional conseguiu um protocolo que facilitou que os deputados pudessem comprar casas através de um crédito. “Actualmente, temos de ‘desenrascar’ para conseguir certos bens”, sublinha Alexandre Sebastião.

Regresso de Quintino Moreira

Um dos beneficiados com a viatura é o antigo deputado da Nova Democracia-Coligação Eleitoral, Quintino Moreira. “Não sinto saudades de subsídios, mas a ternura de continuar a ser um legislador. Tenho esperança de voltar a ter um grupo parlamentar, depois do próximo pleito eleitoral.” Na semana passada, o Tribunal Constitucional (TC) legalizou o novo partido de Quintino Moreira, denominado Aliança Patriótica Nacional (APN), com o qual o político vai concorrer às eleições de 2017. “É uma formação política nova, cujos objectivos se distanciam da extinta Nova-Democracia. Queremos ser alternância do poder. Temos inteligência e recursos humanos para poder fazer a diferença. Estamos em todo o país e já estamos a trabalhar para alcançar os nossos interesses.”

Em 2010, a Nova Democracia foi a única coligação na oposição que votou a favor da actual Constituição da República, passando, por isso, a ser acusada de ser “um apêndice” do MPLA. “Nunca foi verdade que recebíamos apoio do partido maioritário. Se assim fosse, não podíamos sair do parlamento. Fomos sempre contra as políticas de governação do MPLA.”

Além das funções políticas, Quintino Moreira é formado em ciências jurídico-políticas e tem um mestrado em gestão. Em breve, vai publicar uma autobiografia.

A mais longa legislatura

A primeira legislatura da Assembleia Nacional teve a duração de 16 anos, como resultado das eleições de 1992 e durou até 2008. Considerada a mais longa da história dos parlamentos africanos, chegou a aprovar cerca de 215 leis e 502 resoluções, uma média de 13 leis e 31 resoluções por ano e atribuiu, na altura, um estatuto especial ao líder da UNITA, Jonas Savimbi. Grande parte dos parlamentares desta época continua a receber subsídios vitalícios do Estado para poderem sustentar as famílias, depois de terem passado à reforma parlamentar.

Em cima e em baixo

A jornalista Paula Simons, deputada do MPLA na legislatura passada, não recebeu nenhum bem, quando estava no parlamento. “Além do salário e subsídios previstos por lei, não recebi nada”, esclareceu ao NG que reconhece “não ter sido difícil” enfrentar a vida depois de terminar o mandato. “O cargo de deputada é uma função, não é uma profissão. Tenho uma profissão e toda a vida trabalhei”,explica, admitindo que há quem enfrente dificuldades depois de deixar a Assembleia Nacional.

“Acredito que há muitos deputados que ficam com carência quando saem da casa das leis.” Pela UNITA, Sabino Sakutala foi deputado na primeira legislatura, em 1992. O antigo parlamentar confessou, ao NG, estar desempregado e a passar “dificuldades” para colocar os filhos nas universidades. “Só trabalho no partido. O subsídio que recebo já não chega para todas as despesas.”

O antigo deputado do ‘Galo Negro’ disse que, depois de passar à reforma, só ficou com uma residência que continua a pagar e com uma viatura que lhe foi atribuída pelo Estado. “Não consigo realizar todas as despesas da família.”