Luanda - Integra da versão do angolano   Kadi Mixinge relativamente aos acontecimentos de segunda-feira, na Igreja de São Domingos, na Paróquia da Nossa Senhora de Fátima, como forma de apresentar o seu testemunho sobre o que realmente aconteceu e que o diretor da órdem publica de Luanda, Mateus André nega não ter acontecido.

Fonte: Club-k.net

"Os jovens eram violentamente arrastados do adro da igreja para o carro da polícia"

Naquela segunda-feira, o cenário nos arredores da paróquia era de arrepiar. A Igreja de São Domingos, na Paróquia da Nossa Senhora de Fátima estava sitiada. Literalmente. À vista, estavam muitos polícias, supostos agentes secretos, carros patrulhas e cães, no que parecia ser, em “prontidão combativa”.

 

Tal era o posicionamento da forças de segurança, que pareciam que iam desmontar alguma quadrilha de traficantes de droga. Pensei até que, se calhar, agora descobririam quem colocou aqueles dólares no avião da TAAG. Tristemente, não era nada disso. Era mesmo para tentar encarcerar traficantes de orações e louvores que iam orar pela preservação da vida humana. Qual loucura!

 

Entrei para a igreja e deixei para trás todo aquele panorama de intimidação. E sentei-me num dos últimos assentos.

 

No conforto da igreja, no consolo das palavras do padre, na inexplicável sensação de paz que um templo nos brinda, tudo parecia normal e aprazível, até que…

 

De repente, a missa foi interrompida por gritos e vozes que vinham do adro da Igreja de São Domingos. Eram cerca de 15 polícias que rodeavam quatro jovens que iam assistir ao culto e mais tarde, se calhar, participariam na vigília em prol dos presos políticos. Os supostos agentes secretos só observavam, e olhavam para todas as direcções, procurando não sei o quê.

 

Sem mais delongas, os agentes da ordem pública começaram a empurrar os jovens e a exigir que os acompanhassem até aos carros patrulhas. Com as suas pretensões negadas à partida, os polícias tentavam, recorrendo à força, deslocar os jovens de um ponto para o outro. Como sempre, só mesmo uma presença feminina para pôr algum travão no meio de tanta testosterona. Era a Lacerda Van-dunem, que, como boa esposa, estava a impedir que a PN levasse o seu esposo, o Tó Martins. Depois de alguma refrega com os policiais, finalmente, o Tó Martins foi solto. No entanto, assustados com aquela inesperada atitude, os jovens Adolfo Campos, Baixa de Cassange e o Mário Sebastião resistiam como podiam às investidas dos homens da farda azul. Como resultado, os seus corpos já tinham sido “profanados” pelas mãos dos agentes azuis. Quais trapos!

 

No mínimo, esperava-se alguma pedagogia, mas para quem já foi admoestado pela nossa polícia, sabe muito bem que pedagogia não é algo que se vê frequentemente nas suas abordagens. E tratando-se de potenciais contestatários do regime, a ciência da educação e do ensino é simplesmente deletada. Pedagogia? Isso não importa. O que importa mesmo é a intimidação e a violência gratuita.

 

No portão principal da igreja, reparei que havia um senhor fardado de azul, posicionado estrategicamente, qual mestre de cerimónia. Supus que fosse o comandante, e questionei-lhe o que se estava a passar e o porquê daquele desrespeito no adro da igreja do São Domingos.

Foram exactamente três, as minhas perguntas:

- Senhor comandante, até aqui não se pode ter um pouco de paz?

- Na igreja, mas já não se respeita a missa?

- Que polícia é essa que nem respeita um lugar onde se busca paz espiritual?

Ele, o suposto comandante, com uma cara de quem sabe que está errado, mas teima em reconhecer o erro, disse:

- É assim mesmo, esses miúdos são muito teimosos.

Fiquei estupefacto e tremendamente triste com esta saída do suposto comandante.

Ao lado deste suposto comandante, havia outros dois agentes que só pediam calma enquanto eu mostrava de forma vigorosa a minha indignação perante aquela selvajaria policial e pela pobreza de espírito do suposto comandante.

Enquanto os jovens eram violentamente arrastados do adro da igreja para o carro da polícia, o adro apinhava-se de gente. A missa ficou paralisada por alguns momentos, porque as pessoas abandonaram os seus assentos para assistir o “show” da Polícia Nacional.

Sem medo de errar, diria que, todo mundo ali presente ficou indignado com aquele triste e hediondo espectáculo de brutalidade policial.

Minutos depois, os jovens admoestados já estavam instalados na carrinha da Polícia Nacional, algemados e doridos. O carro patrulha partiu. Os restantes agentes continuavam a “vigiar” a igreja. 

No meio da tanta indignação, e contendo a minha raiva, educadamente, perguntei a um dos agentes para que esquadra da polícia estavam a levar os jovens, com o que ele arrogantemente retorquiu:

- Quem é o senhor?

Respirei fundo e respondi:

- Um simples cidadão angolano.

Foi isto que testemunhei naquele dia. Portanto, o adro da igreja faz parte da igreja, logo, se a Polícia Nacional invadiu ou cercou o adro da igreja, e usou a força para impedir que pacíficos cidadãos pudessem assistir à missa ou participar duma vigília, podemos e devemos concluir que a igreja de São Domingos teve o seu espaço invadido, violado e desrespeitado. Salvo outro entendimento, eventualmente semântico, esta é a minha conclusão: Sim, a Polícia Nacional invadiu e desrespeitou a igreja de São Domingos.

É ABSOLUTAMENTE INACEITÁVEL E CONDENÁVEL ESTA POSTURA DA POLÍCIA NACIONAL. 

Kady Mixinge