Luanda - CARTA ABERTA AO PGR DA REPÚBLICA DE ANGOLA SENHOR JOÃO MARIA DE SOUSA

 Fonte: Club-k.net

Luanda, 12 de Outubro de 2015

 

Senhor Procurador-Geral da República de Angola,

 

Até quando continuará Vossa Excelência a não responsabilizar criminalmente governadores provinciais, comandantes e agentes da polícia nacional de Angola, ministros do Interior e contra-manifestantes que violando o artigo 14.°/2/4 da Lei de Reunião e Manifestação têm praticado os crimes de abuso de poder e desobediência, respectivamente?

 

No dia 11 do mês em curso, no adro da Igreja da Sagrada Família, foi interrompida a quarta vigília pacífica em solidariedade para com os jovens revolucionários (revús) detidos, sob o pretexto de uma queixa de responsáveis dessa paróquia. Essas vigílias podem ser consideradas manifestações espontâneas sob a forma de concentração em lugar aberto ao público, ainda que esse espaço seja privado. As manifestações-relâmpago e/ou espontâneas não estão proibidas pela Constituição. A este respeito permita-nos que sugiramos a leitura do parecer do então advogado, agora presidente do Tribunal Constitucional, Rui Ferreira, que foi bastas vezes fotocopiado e entregue por activistas cívicos a governadores e oficiais da Polícia Nacional. A comunicação da vontade de organizar uma manifestação constitui um dever constitucional e legal, porque está estabelecido pela Constituição e pela Lei de Reunião e Manifestação, mas nem uma nem outra punem a omissão do cumprimento desse dever como crime. E não pode haver pena ou punição não prevista por lei. Esse é o entendimento de Rui Ferreira, que sufragamos!

 

As quatro vigílias que tiveram lugar recentemente começaram e terminaram de maneira pacífica e ordeira no adro da Igreja da Sagrada Família. A violência nessas quatro vigílias teria sido provocada e praticada por comandantes e agentes da polícia nacional, caso os manifestantes na última delas, no domingo passado, não tivessem aceite a ordem inconstitucional e ilegal de pôr fim a essa vigília! Queira, Vossa Excelência, tomar igualmente nota do facto de a Polícia Nacional de Angola não respeitar o procedimento de interrupção de manifestações legalmente prescrito pela Lei de Reunião e Manifestação. – Mui respeitosamente, peço que essa lei seja lida com atenção e estudada com rigor!

 

Não nos parece que nas democracias, o mero uso da expressão verbal para demandar a liberdade de detidos ou presos ou o respeito por prazos e procedimentos legalmente previstos sejam crimes. É nosso entendimento que a Constituição de Angola tolera, no quadro das liberdades de expressão, opinião, reunião e manifestação pacíficas, reclamações, denunciasse e exigências a todos os poderes públicos, desde que se observe o limite de se ficar somente pela expressão verbal, visando apenas a exposição dos actos ou omissões desses poderes com as quais se não concorda!

 

Senhor Procurador-Geral da República de Angola, o governo angolano, sob liderança do senhor engenheiro José Eduardo dos Santos, não exerceu pressão sobre o sistema judicial francês demandando a libertação de Pierre Falcone e o fim do processo judicial que contra ele corria os seus termos legais naquele país europeu!? E a pressão do senhor Presidente de Angola surtiu ou não o efeito desejado!? Qual é o entendimento constitucional e legal que Vossa Excelência tem em relação à pressão que o actual Presidente de Angola terá exercido sobre o sistema judicial francês?

 

Senhor Procurador-Geral da República de Angola,

 

É Vossa obrigação constitucional e legal fazer respeitar a Constituição e as leis ordinárias, vigentes, sobretudo, quando são praticados crimes, por titulares de cargos públicos, funcionários e agentes do Estado. A este propósito, e constituindo mais uma flagrante omissão, pelo menos até ao presente momento, no que diz respeito às Vossas obrigações, porque razão Vossa Excelência não mandou ainda instaurar inquéritos para responsabilizar os autores morais e materiais da violação do direito à visita dos jovens revolucionários que se encontram detidos? Ou simplesmente notificou esses servidores públicos a porem fim à violação do direito à visita dos presos políticos? E se o fez, porque razão não tornou público esse acto?

 

Fernando Macedo