Luanda - Os cidadãos assistiram o início da penúltima sessão parlamentar da actual legislatura que termina em 2017, se não ocorrerem eleições antecipadas ou adiamento das mesmas, que podem ser visualizadas pelo tom do discurso de abertura deste magno acto.

Fonte: Club-k.net

No quadro do molde dos iluminados alfaiates da constituição atípica de Fevereiro de 2010, o Presidente da República, deve de acordo com o artigo 118.º, dirigir uma mensagem sobre o Estado da Nação, na casa das leis.

O ritual para estes breves momentos não mudou: no escasso quilómetro que dista a Cidade Alta da Assembleia Nacional tivemos artérias bloqueadas, milhares de tropas da Unidade da Guarda Presidencial, espalhados por Luanda, atemorizando os cidadãos face a ostentação de tanta força militar, em tempo de paz.

De que tem medo, afinal, o Camarada Presidente?

É difícil ousar uma resposta e uma justificativa, salvo os excessos e os gastos de dinheiro público, que oneram as contas do Estado, sem qualquer razão plausível.

Mas voltemos a Assembleia Nacional, onde foi estendido o tapete vermelho, ladeado pelo grupo de dança tradicional, ao som da Marimba e a comissão de honra dos 220 ilustres soberanos eleitos em representação dos cerca de 24 milhões de almas empobrecidas, perfilada para saudar efusivamente e venerar a chegada do cidadão, José Eduardo dos Santos nas vestes de “Camarada presidente”.

As palavras de ordem em sua honra se multiplicavam e os comentaristas de costume, desdobravam-se em análises, até que cai um balde de água fria. “Devido uma indisposição o Camarada Presidente será substituído pelo vice-presidente, Manuel Vicente, que vai ler a sua mensagem...

Feita a recepção e a praxe, foi ouvir, nos cerca de 50 minutos que a nação está no rumo certo, ao longo destes 40 anos e tudo que está mal a culpa é do jovem músico Kool Klever.

Mas vamos ao que ficou de fora. O que deveria ser dito à nação, aos angolanos e aos deputados que, individualmente, representam perto de 110.000 cidadãos, a maioria empobrecida, com excepção dos 4.900 milionários que Luanda ostenta, vergonhosamente.

Recordemos que o OGE (Orçamento Geral de Estado) revisto de 2015, fixou-se em 30.754.626.041,00 KWZ , o equivalente a cerca de 300 mil milhões de dólares (USD 300mm) que poderá traduzir-se num valor “per capita” de USD 1.3m, por cada um dos deputados, fazendo com que o Camarada Presidente estará diante dos legisladores mais caros de África.


Ao consultar-se o Orçamento da IIIª Legislatura, iniciada em 2012, notamos que o contribuinte angolano pobre e espoliado colabora para pagar as mordomias dos legisladores em mais de 20 abonos, subsídios e ou regalias extraordinárias:

1) subsídio de início de legislatura – KZ 11.250.000,00;
2) salário base do Presidente da AN – KZ 507.650,00;
3) salário base para Deputado simples – KZ 430.760,00;
4) subsídio de representação – 50% salário base;
5) subsídio de renda de casa - 10 % do salário base;
6) subsídio de manutenção de residência - entregue no inicio de cada ano legislativo;
7) subsídio de comunicação – 10% do salário base;
8) subsídio de férias – processado no 6º mês de cada ano;
9) abono, seguro de saúde;
10) subsídios aos cônjuges –ascendentes e descendentes maiores e menores incapacitados fisicamente e estudantes até aos 25 anos;
11) subvenção vitalícia – no caso de incapacidade no decurso da legislatura;
12) pensão vitalícia – 8 anos consecutivos em exercício de mandatos;
13) bilhetes em primeira classe – em cada ano parlamentar incluindo família;
14) subsídio de deslocação – Deputados nos respectivos círculos eleitorais (265.000,00 KZ);
15) subsídio ao pessoal doméstico – 307.433,00 KZ/mês (motorista, cozinheira, lavadeira, empregada doméstica );
16) passaporte diplomático extensivo aos cônjuges e filhos menores;
17) porte de arma de fogo;
18) assistência médica e medicamentosa;
19) deslocações no interior para PR da AN – “Per diem” de 36.000,00 kzs, despesas de representação de KZ 80,000. Para o exterior do país: subsidio diário de USD 600, despesas de representação USD 1500, despesas extraordinárias USD 1200, ajudas de custos ao embarque USD 1000 somente 1x por ano (Resolução 33 de 1 de Julho de 2009);
20) deslocações no interior para deputados simples – “Per diem” de 28.000,00 kzs, despesas de representação de KZ 60,000; para o exterior do país: subsídio diário de USD 450, despesas de representação USD 1500, despesas extraordinárias USD 1200, ajudas de custos ao embarque USD 750 somente 1x por ano (Resolução 33 de 1 de Julho de 2009);
21) viatura protocolar e familiar – 260 Lexus no valor global de USD 40milhões de dólares, incluindo viaturas especiais para Presidência da AN (na IIª legislatura foram USD 45 milhões para 256 BMWs);
22) subsídio de fim de legislatura – KZ 12.160.00000.

Ufa! É muita mordomia, para pouco trabalho legislativo, imparcial, responsável, numa tribuna que não é espelho da reconciliação e conciliação nacional, bem como da contenção económica.
Ora são estas mordomias que levou a maioria destes deputados a inverter um princípio basilar de qualquer parlamento, que é a fiscalização da acção do executivo, que os deputados angolanos, não fazem, em cumplicidade com o Tribunal Constitucional, para beneficiar apenas o chefe, através do inconstitucional Acórdão 319/2013, sobre a fiscalização sucessiva ao governo.
Este arrozoado sobre a norma constitucional ofende a democracia e fere gravemente qualquer princípio democrático em que se exige fiscalização daqueles que gastam o que é de todos, em nome de todos e para todos, logo os cidadãos com esta “engenharia” estão a ser defraudados.

Mas, infelizmente, os senhores deputados esqueceram-se, como se poderiam lembrar, estar o salário mínimo em Angola fixado entre 15.003,00 e 22.504,50 KZ, em 2015 quando finalmente chegou o momento de se discutir o mesmo preferiram adiar o debate para “outro momento melhor”, pese o salário dos legisladores ser 25 vezes superior a de um trabalhador de base.
Infelizmente os deputados parecem anestesiados, tendo em linha de conta, que ainda à pouco tempo, pasme-se, a discussão centrava-se entre a compra de viaturas de marca Jaguar ou BMW com valores bem acima dos USD 260.000,00/por unidade. Na actual legislatura os deputados optaram por viaturas de marca Lexus que custam somente USD 150.000,00, demonstrando que em tempos de crise os deputados não se identificam com a austeridade.

Daí que o discurso presidencial tenha passado ao largo dessa situação, tal como da denúncia de práticas ilícitas passíveis de abertura de CPIs para apurar os factos:

1) A Sonangol é a maior empresa pública de Angola, gerindo activos públicos, e recebendo 10% por ano das receitas petrolíferas, aventurou-se num processo leonino de internacionalização, na Ásia, com incidência do Iraque, sem dar explicações ao país; compra de acções empresas portuguesas e em Portugal, muitas das quais são depois, transferidas para a esfera de privados, sendo empresa charneira no denominado processo de acumulação primitiva de capital;

2) Escolha sem critérios universalmente aceites, tudo com a capa de apoiar a entrada de angolanos, na indústria de petróleo e gás, por via de esquemas;

3) A confusão da Cobalt e Nazaki Oil, está a levar a Sonangol a ser forçada a comprar, por bilhões de dólares a participação destas empresas nos blocos de petróleo;

4) Os 32 biliões de dólares da conta do petróleo, reportados pelo FMI e Banco Mundial, que o Governo só conseguiu justificar uma parte por “distorções estatísticas” entre a Sonangol e Ministério dos Petróleos, onde anda?.

5) O BESA faliu sem antes deixar uma factura resolvida de USD 6 biliões, contabilizados, até agora, estão a ser pagos pelo contribuinte angolano, para a criação do BESA-BOM (Banco Económico SA), via Sonangol, para além de outras engenharias;
6) O GRN geriu biliões de dólares de fundos públicos por via dos empréstimos, na primeira versão da relação com a China, criou-se o CIF e outros apêndices, a instituição faliu transferiram-se as dividas para a Sonangol e outras entidades do Estado, mas nunca os seus responsáveis prestaram conta;

7) O contingente chinês está a fazer concorrência desleal, aos angolanos na Zunga, no negócio do carvão e outros trabalhos menores, que em situação normal, deveriam ser exclusivos para os nacionais;

8) Na segunda versão da relação com a China fala-se da venda largas parcelas do território nacional, face a empréstimos multimilionários, sem a autorização do parlamento;

9) Numa determinada noite entraram no BNA e de lá saíram com mais de USD 150 milhões de forma ilícita;

10) Em 2010 Angola organizou uma das Copas Africanas mais caras de todos os tempos, gastando mais de USB 1,7 mil milhões de dólares, mas até hoje, não se conhece o relatório e contas dos gastos desse dinheiro público;

11) Investimento em mais de 1,300 mil milhões de dólares, nos projectos PRESILD e Aldeia Nova, que, faliram em tempo recorde, sem prestação de contas;

12) O orçamento para a indústria da recolha dos resíduos sólidos em Luanda é multimilionário, mais de USD 400 milhões, mas o lixo não é recolhido e o contribuinte continua a pagar as mesmas empresas de costume, que não prestam contas.

Como se pode verificar estes assuntos continuaram, por razões óbvias a ficar de fora e os deputados, quiçá, por ser os mais caros e despesistas dentre 53 nações africanas, não exigem, pois são “untados” com benesses, para tapar os olhos a estas aberrações e elefantes brancos.

No Kénia e na Nigéria os deputados estão a baixar os salários e regalias que auferiam, sob pressão da sociedade civil que se fartou das orgias financeiras dos políticos. Na África do Sul o Presidente gastou indevidamente USD 30m dólares para remodelação da sua residência privada e o irreverente político jovem, Julius Malema, com o seu partido o EFF, lideram um processo judicial, para que o Presidente seja condenado a devolver os fundos públicos, gastos em obras particulares.

Os deputados angolanos deveriam lembrar-se terem sido eleitos pelo povo de forma democrática, directa e universalmente, diferente de outros órgãos, que se assumem de soberania, mas tiveram eleição indirecta e a reboque do voto parlamentar.
Em 15 de Junho de 2015, o mundo comemorou 800 anos da outorga da Magna Carta, em 1215 quando os súbditos a impuseram ao Rei João Sem Terra, colocando fim aos impostos aleatórios, a delimitação do poder do rei e o habeas corpus, para além de indicarem o parlamento como o guardião das leis e regras constitucionais.

Finalmente, à entrada desta sessão, os deputados esqueceram-se de fazer declarações de princípios, como alerta ao Titular do Poder Executivo, para que respeita-se a irreverência da juventude que quer democracia, liberdades, melhor educação e saúde e não golpes de Estado, que constituem uma miragem e perturbação, quando temos consciência de não estarmos a gerir bem a rés pública.
Juntem-se os deputados as vozes da sociedade civil, vossos eleitores, para não se deixar que os nossos filhos morram de fome nas cadeias. De igual modo, não deveriam tolerar que se cataloga-se os taxistas como insurrectos, face a sua utilidade na sociedade.

Ademais deveriam ser os deputados contundentes no que toca a política de terror policial, nos lugares de culto, por simples vigílias que servem para aliviar o sofrimento e a dor dos familiares, amigos e cidadãos. Quando se tem medo, também de vigílias estamos a passar uma má mensagem aos povos.
Por todas estas razões, os deputados deveriam comprometer-se a fazer melhor o seu trabalho, pois o povo tem feito a sua parte e já não colhe as falsas reclamações da falta de meios e, das armadilhas do executivo. Se não têm condições, como advogam, para defender o povo: demitam-se, devolvendo o poder ao Soberano, para que este volte a confiar o seu poder a outrem que melhor os represente.

Isto por não bastar dizer, em emblemáticos discursos: “Viva Angola de Cabinda ao Cunene e do Mar ao Leste; ou que “somos milhões e contra milhões ninguém combate!” se nada fôr feito para dignificar a vida do cidadão, independentemente, da sua coloração política.


É tempo de agir com clareza, transparência e honestidade patriótica.


*Tenente-General